‘Zé Celso me ensinou a ser artista’

dezembro 3, 2023

Fioravante Almeida fala do início da carreira, da parceria com Zé Celso e da primeira peça no Oficina após a morte do diretor

O ator e produtor Fioravante Almeida é um dos grandes destaques do teatro pela qualidade de suas produções. Só em 2023, ele realizou três montagens: “A cerimônia do adeus”, de Mauro Rasi (1949-2003), “Iron – O homem da máscara de ferro”, dirigido por Ulysses Cruz e “O jogo do poder”, adaptação de Carlos Queiroz Telles (1936-1993) para a obra de Shakespeare, na qual ele também atua. O artista fez História na companhia Teatro Oficina Uzyna Uzona, onde ingressou em 1997, participando de diversas montagens com o mestre da dramaturgia José Celso Martinez Corrêa (1937-2023). Em entrevista ao NEW MAG, Fioravante fala do início da carreira com Antunes Filho (1929-2019), a parceria com Zé Celso e sobre “O jogo do poder”, a primeira peça em cartaz no Teatro Oficina após a morte do dramaturgo.

Você iniciou sua carreira com Antunes Filho, considerado um dos maiores diretores de teatro do Brasil. Quais são as lembranças que você guarda dessa época?

Saí da cidade de São Miguel Arcanjo, no interior de São Paulo, em 1997. Lá trabalhava em uma rádio como locutor, sonoplasta e repórter infantil do jornal Folha de São Miguel Arcanjo. O editor-chefe Miguel Terra me incentivou a sair da cidade e vir para São Paulo quando vi o anúncio que teriam curso de sonoplastia e atuação com Antunes. Chegando lá haviam 600 pessoas na fila. O professor Raul Teixeira, muito importante para mim, me viu na fila com meu jeito de criança de interior. Ele topou me levar para aprender o que era sonoplastia e o que era teatro com o Antunes. Tive aula com pessoas incríveis como Flávia Calabi e Gerald Thomas. Foi um momento muito especial de aprendizado.

Em 2014, você interpretou o monólogo “Muro de arrimo”, no mesmo papel vivido por Antônio Fagundes. Esta peça chegou a ser transmitida pela TV Cultura e lhe rendeu o troféu de Melhor Ator do Prêmio Aplauso Brasil de Teatro. Essa montagem foi um divisor de águas na sua carreira?

Foi um grande divisor de águas. Já estava há um tempo sem fazer teatro, fazendo apenas pequenos trabalhos. Tinha uma dor muito grande em ter saído do Oficina, ainda era a minha maior referência. Um dia encontrei o Alexandre Borges, ele me perguntou por que eu estava triste daquele jeito. Falei que queria atuar. Generosamente, ele falou para eu escolher um texto que iria me dirigir. O tempo de pré-produção foi muito importante, contei com a ajuda do grande sonoplasta Zero Freitas. Escolhi um texto que falava de Copa do Mundo. Tal como Antônio fez 40 anos antes, quando ele sentia que o Brasil não ia ganhar, eu também sentia que a seleção não iria ganhar em 2014. E a peça é baseada nisso. O Alexandre Borges adaptou a peça para o 7×1 contra a Alemanha. O personagem caiu como uma luva para mim, era um pedreiro, brasileiro, apaixonado por futebol. Consegui mostrar a alegria e a tristeza dessa dor da derrota. O pessoal gostou tanto do meu trabalho que ganhei o prêmio, foi um momento inesquecível, muito marcante na minha carreira.

Você é ator, mas se tornou um produtor de sucesso. Você produziu recentemente montagens bem-sucedidas como “A cerimônia do adeus” e “O jogo do poder”. Quando você percebeu seu talento para produzir grandes montagens? Você pretende investir mais na carreira de produtor?

Com “Muro de arrimo” já senti essa responsabilidade de produtor. Depois fiz o espetáculo dos palhaços com Dedé Santana e o Moliére. Foram espetáculos que me engrandeceram e me deram um gostinho de produzir. Comecei a ser olhado e chamado para fazer grandes produções. Fazia a produção dos meus espetáculos, então pensei por que não fazer a de peças que eu não estaria atuando? Foi o caso de “A cerimônia do adeus” com Ulysses Cruz e recentemente como responsável técnico do musical “Iron – O homem da máscara de ferro”. O teatro me fez entender que tenho talento para produzir. Alguns artistas se dividem entre ser ator e diretor, eu gosto de produzir e atuar. Tenho muita paixão por isso. 

A sua carreira é muito relacionada ao Teatro Oficina, do Zé Celso Martinez. Em 1997 você integrou a companhia Teatro Oficina Uzyna Uzona e participou de inúmeros espetáculos, como a celebrada adaptação de “Os sertões”, em que seu trabalho foi reconhecido pela revista alemã Theater heute. Qual é a importância do Zé Celso na sua vida e carreira?

O Zé Celso me ensinou a ser artista e a me coroar. Quando fiz a produção da peça “Muro de arrimo” foi um ato de desespero por conta do desemprego. Pensei, agora vou me coroar, vou produzir as minhas peças. O Zé Celso me ensinou a colocar o meu desejo em prática, a trabalhar o meu corpo e a me posicionar como ser humano. Ele me fez ler vários livros e me mostrou o lado heróico da vida. O teatro tem poder, o teatro transforma as pessoas através da cura. Minha própria maneira de produzir hoje tem ele como referência. Não tem como pensar em teatro e não pensar nele. Isso aconteceu com ele em vida e agora está ainda mais forte após a sua morte, na presença do seu espírito e da herança teatral que eles nos deixou. Devo tudo ao Zé Celso. 

Você está em cartaz, atuando e produzindo a peça “O jogo do poder”, dirigida pelo Marcelo Drummond, viúvo do Zé Celso e herdeiro do Teatro Oficina. O que você pode nos contar sobre este trabalho?

É uma grande homenagem ao Zé Celso e ao Carlos Queiroz Telles, fundadores do Teatro Oficina com ele. É o primeiro trabalho de direção de Marcelo Drummond após a morte do Zé. É um espetáculo feito por integrantes atuais e ex-integrantes do Teatro Oficina. Nos juntamos para falar através de Shakespeare e do jogo de poder. O ator é a crônica viva do seu tempo. Essa peça tem o poder de presentificar o poder do ator de viver e ritualizar o aqui e agora. Não poderia estar mais feliz com a minha carreira e ainda mais pronto para encarar os próximos anos na atuação e na produção. Como diria Zé Celso, “Evoé! Viva o teatro”. 

Crédito da imagem: Eny Miranda

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