‘Tenho urgência de viver’

maio 23, 2025

A escritora Maria Adelaide Amaral fala dos desafios enfrentados na TV, dos legados de Janete Clair e Ivani Ribeiro e celebra o fato de mais mulheres escreverem novelas

Escritores têm um quê de divinos. Criam mundos povoados por personagens que chegam a ser criveis de tão verossímeis. E quando o público embarca, a mágica se completa – e o que era fantasia vira realidade. Maria Adelaide Amaral tem esse condão. Das redações, ela foi para o teatro (“Achava que seria crítica”) e não demorou para chegar à TV, onde figura entre nossas mais importantes autoras. A literatura e o palco não foram deixados de lado, pelo contrário. Ela viu chegar a São Paulo, esta semana,  a montagem de um de seus textos.  “Mater” foi encenada pela companhia portuguesa Teatro Livre , que vem ao Rio com “O filho da rainha e a mãe do rei”, de Cássio Junqueira.  No teatro ou na TV, uma coisa é certa. “Gosto de falar de pessoas reais”, revela Maria Adelaide nesta entrevista por telefone ao NEW MAG. A seguir, a escritora fala dos desafios enfrentados na TV, celebra o fato de mais mulheres escreverem novelas, lembra do convívio com os escritores Hilda Hilst (1930-2004) e Caio Fernando Abreu (1948-1996) e fala em manter-se sã para usufruir dos prazeres da vida: “Acordo e vivo”.

As relações entre mãe e filha permeiam as narrativas de Querida mamãe e a de Mater. Em qual dos papéis Maria Adelaide se saiu melhor: no de filha ou no de mãe?

Difícil, hein (risos)! Saí melhor no de mãe. Fui uma filha muito rebelde e me saí infinitamente melhor como mãe. Trabalhava o dia inteiro na Abril e, apesar de tudo, consegui criar filhos que são muito bem resolvidos. Duvido um pouco dos meus méritos e esse comentário é mais uma nota de rodapé do que exatamente uma resposta, mas fiz o que foi possível. E deu certo!

Já que falou da Abril, uma de suas peças é ambientada numa redação. A imprensa escrita se sustenta hoje na internet. Avançamos ou retrocedemos?

Retrocedemos muito, infinitamente. Não temos mais o repórter investigativo, vital para o jornalismo de qualidade. Alguns veículos ainda o mantém, mas ele está caindo em desuso. A imprensa perdeu a relevância. Os salários são hoje mais baixos, há menos capacitação e isso reflete na qualidade do trabalho, infelizmente. A imprensa não é mais o Quarto Poder.

Você transformou em minisséries importantes obras da língua portuguesa. A literatura é onde você sustenta sua crença na vida?

A literatura ocupa o lugar de primeira importância nas minhas escolhas artísticas. A vida e a rua também me inspiram, Gosto de falar de pessoas reais. Tive imenso prazer em transformar em minisséries fatos históricos, da mesma forma que tive prazer em adaptar narrativas da ficção. A literatura me deixa incrivelmente feliz.

Em “Um só coração”, Leandra Leal vive uma intelectual sofisticada e, só no último capítulo, descobrimos que ela é a escritora Hilda Hilst. Por que pregou essa peça no público?

Não sei… Adoro homenagear pessoas nos meus trabalhos. Eu gostava muito da Hilda, não só como escritora, mas como pessoa e sobretudo como poeta. Ela era uma pessoa de uma potência imensa. Gosto de prestar homenagens e consegui homenagear Cacilda Becker, Paulo Autran, pessoas de suma importância na minha vida. Sempre que posso, faço isso, para que ninguém os esqueça.

Falando em escritores, Caio Fernando Abreu  te chamava de Levíssima. Da onde vem esse apelido?

Ainda sou magra, mas já fui muito mais. O Caio, que era um fiapo, conseguia me levantar e se espantava com isso. O apelido começou com Levinha e descambou para Levíssima. Nós nos conhecemos na Abril…

Caio escreveu na Veja…

Sim, ele foi das primeiras turmas da Veja. Ele era muito jovem, mas já demonstrava que poderia escrever o que bem quisesse. Tenho loucura pelas crônicas dele. Eu as tenho guardadas ainda em jornal, como foram publicadas.

A mulher que instituiu o jeito de se fazer novelas no Brasil completaria 100 anos. Qual característica de Janete Clair você reconhece em si?

Não me vejo identificada com a Janete e digo o mesmo em relação à Ivani (Ribeiro) ou com a Dulce Santucci. Elas são precursoras, claro, e a Janete se saiu muitíssimo bem e imprimiu uma marca. Mas elas vieram do rádio, e eu, do teatro. Quando fui fazer meu primeiro trabalho na TV, ouvi de um diretor que precisaria escrever para o grande público. Mal sabia ele que era isso o que eu queria. Sou uma escritora competente, mas não tenho 1/10 da vocação da Janete ou da Ivani. Imprimi meu estilo nas minisséries e não nas novelas.

A TV Globo exibe hoje três novelas assinadas por mulheres. Esse reconhecimento foi tardio?

A TV sempre esteve aberta àqueles que quisessem contribuir para o sucesso dela. Havia preconceito? Sim, mas as coisas melhoraram. As portas estão mais abertas. A Rosane Svartman é maravilhosa. A Alessandra Poggi também. Este é o momento das mulheres. Estava tudo pronto para elas, mas é preciso talento para se manter.

Muitas mulheres ficaram no papel de colaboradoras apenas…

Muitas quiseram ficar nesse lugar. Assumir uma novela é dar a cara a tapa. Se der certo, ótimo; se não der… você vira saco de pancada da emissora, da imprensa e do público. Se a novela não vai bem, é como pilotar sozinha um Boeing que precisa chegar ao destino final. Não é algo para os fracos.

Você assinou os remakes de Anjo Mau e Ti-ti-ti… O que tange a decisão de se reescrever uma obra?

E foram experiências muito bem-sucedidas. A ideia de refazer “Anjo mau” foi do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho). A primeira versão foi ao ar em preto e branco e ele quis, por isso, refazê-la. Acontece que, lá atrás,  a Nice era vista como vilã por ter se interessado pelo filho do patrão… e qual o problema nisso? Ela não poderia se relacionar por ser pobre? Quem não quer mudar de vida? Então, acabei criando um leque de maldades para ela, o que foi um tiro no escuro. Nem sempre uma grande estória rende um remake. Não há receita para o sucesso.

Você, Leilah Assumpção e a saudosa Jandira Martini contribuíram para a mulher ter mais visibilidade nos palcos. É possível fazer um balanço desse legado?

E podemos incluir aí Edy Lima, Consuelo de Castro e, no Rio de Janeiro, Isabel Câmara. Sabia que iria trabalhar com teatro, mas achava que seria como crítica teatral. Mulher escrevendo para teatro não era comum, não até 1974. Ali uma porta se abriu, e as mulheres entraram e se impuseram. Ficou possível fazer teatro.

Chegar aos 82 anos te deixou mais reflexiva sobre o nosso papel no mundo?

Vivo um dia de cada vez. Já tive angústia a respeito do tempo e, hoje, tenho urgência de viver. E quero tirar proveito de tudo: vou aos espetáculos e procuro me cercar dos amigos. Gosto de gente. Acordo e vivo. Não fico pensando no tempo que resta, já me bastam as doenças da velhice, que de quando em quando me visitam. Quero é cuidar do meu corpo, pois, sem ele, não terei energia para fazer as coisas que quero.

Créditos: Christovam de Chevalier (texto e entrevista) e Cícero Rodrigues (imagem)

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