‘Tenho tesão em conversar com as pessoas’

abril 21, 2023

Cissa Guimarães fala do desafio de assumir o "Sem censura", avalia sua dedicação à TV Globo e fala da sua relação com a fé e com a passagem do tempo

Era 1986 quando Cissa Guimarães foi convidada por Roberto Talma (1949-2015) para fazer entrevistas no “Vídeo Show”. O desafio foi encarado com a firmeza que é uma de suas marcas, e o tempo mostrou que Talma foi assertivo. Os 15 anos em que ela esteve na atração fizeram dela uma das personalidades mais queridas da TV. E isso se deu graças a uma marca indelével: seu carisma. E essa característica vai voltar a ser compartilhada com o público quando a atriz e apresentadora assumir o comando do “Sem censura”. Criado por Fernando Barbosa Lima (1933-2008) nos anos 1980, quando o Brasil vivia uma abertura política, o programa de entrevistas perpetuou-se como um dos mais respeitados da TV, tendo seu formato lamentavelmente descaracterizado nos últimos anos. “Talvez o mais importante desse desafio seja o de trazer o programa de volta e resgatar o prestígio que ele sempre teve”, constata Cissa nesta entrevista ao NEW MAG. Na conversa, por telefone, ela avaliou os 46 anos em que trabalhou na TV Globo (“Não tinha ideia de que era todo esse tempo”) fala da importância da fé na sua vida e da relação construída com o tempo, seu aliado.

Você vai assumir um dos mais tradicionais programas de entrevistas do país. Como estão as expectativas diante desse novo desafio?

Eu me sinto como uma criança chegando na festa da melhor amiga (risos). É um misto de felicidade com um friozinho na barriga. O “Sem censura” é um programa de tradição e prestígio, com um Histórico importantíssimo. Lembro que, na última vez em que participei do programa, quem estava ao meu lado na bancada era o (poeta) Ferreira Gullar. É um programa que sempre elevou a Cultura, e isso é algo que me interessa muito: trazer de volta essa proposta, perdida nos últimos anos. Gosto de conversar e não sinto que estou indo trabalhar, mas celebrando a vida. Talvez o mais importante desse desafio seja o de trazer o programa de volta (ao formato que o consagrou) e resgatar o prestígio que ele sempre teve.

Na novela “Um sonho a mais”, escrita por Daniel Más, você viveu uma jornalista de TV. Um ano depois, estreava fazendo entrevistas no Video Show. Quem sacou esse dom em você, o Más ou o Roberto Talma?

Foi o Talma. Na época, quando recebi o convite, argumentei que não era jornalista, que não sabia fazer entrevistas, no que o Talma rebateu: “Como não sabe? Você acabou de fazer lindamente a Amélia Bicudo”. Sabe que a Amélia é lembrada até hoje? Nunca tinha feito entrevistas profissionalmente e acabei fazendo por 15 anos! Espero ficar no “Sem censura” pelo menos uns cinco anos (risos).

E certamente vai ficar muito mais…

Tenho esse jeito espontâneo que cativa as pessoas. Não sou repórter, mas sou curiosa. Tenho tesão em conversar com as pessoas e isso vale para motoristas de táxi a artistas. Gosto desse exercício de escuta e desse compartilhamento de informações que essa troca proporciona.

Você foi desligada da TV Globo após passar mais de 40 anos trabalhando na emissora. A dor pela ruptura  foi dolorosa ou libertadora?

A dor vem da ruptura de uma vivência. Passei 46 anos na TV Globo e eu mesma não tinha ideia de que era todo esse tempo. Num primeiro momento fiquei assustada, até porque esperava que o contrato fosse renovado. Uma pesquisa foi encomendada sobre o “É de casa” e foi perguntado ao público qual dos apresentadores ele achava o mais simpático e meu nome apareceu em primeiro lugar. Então, quando fui afastada, tomei um susto. Num primeiro momento chutei para cima e constatei: to livre! Depois veio um luto tardio, até porque você tinha uma rotina. Ué, hoje não vou ao Projac?, você se pergunta. O luto foi doloroso e, algum tempo depois, deu lugar a essa sensação boa de liberdade.

Você começou no teatro em 1977 e só voltou aos palcos tardiamente, em produções como “Monólogos da vagina” e “Doidas e santas”. Por que esse hiato tão longo longe dos palcos?

Porque a televisão não me dava tempo! Eu gravava o “Vídeo Show” todos os dias e conciliava o programa com novelas e outras atrações da casa. Nunca parei de fazer TV. Muitas vezes você sai da emissora depois das nove da noite. Com o “Doidas e santas”, eu avisava: gente, hoje eu tenho teatro… O teatro te exige muito e, na emissora, eu implorei muito para poder me dedicar ao “Doidas”. Eu admiro quem consegue conciliar TV com o teatro. Na grande maioria das vezes, você acaba não fazendo inteiramente um ou o outro.

A experiência de apresentar o “Viver com fé” mudou o teu olhar sobre alguma crença em especial? Como você define a sua fé?

Você perguntou bem, pois não sou uma mulher de religião, mas de fé. Neste quesito, sou eclética, pois tenho todas as fés. Sou católica por formação, sou de Oxum, vou à umbanda e tenho uma relação próxima com o budismo, que me ajudou muito no momento em que perdi o Rafa (Rafael Mascarenhas, seu terceiro filho, morto em 2010). Amo Nossa Senhora e sou devota de Santa Clara. Acho que todas as religiões são filosofias que levam ao mesmo fim: o amor ao próximo. Isso se dá de formas diferentes, mas o propósito é o mesmo. A fé é no amor, e as religiões te ajudam a olhar para o outro. A fé é a de cada um e ela é fundamental para você enfrentar momentos difíceis e suportar suas dores, sejam elas quais forem. Mais importante do que a religião é a fé.

E como viu esse massacre ao qual o Dalai Lama foi submetido recentemente?

Existe uma questão que já foi explicada que é cultural e comportamental naquele país. Quando o Dalai fez o pedido (para a criança morder sua língua) ele estava diante de várias outras pessoas, sendo filmado e não fez isso com nenhuma intenção libidinosa. Acho, inclusive, que há um uso político por trás dessa tentativa de difamar um líder religioso como ele, que talvez venha de países vizinhos. Então, agora as pessoas vão se escandalizar com o fato de que, no Brasil, os índios andam nus? Cada país tem suas questões culturais e elas precisam ser consideradas antes de se fazer qualquer julgamento.

Uma vez que seu nome é Beatriz, de onde vem o Cissa?

Isso vem de criança. Não sabia pronunciar Beatriz e falava Bitiça, que virou Biticissinha e chegou à Cissa. Nos álbuns, minhas fotos de criança são acompanhadas da legenda “Cissa aos 2 anos, de bailarina”. E, assim, o Cissa se estabeleceu.

Na última terça-feira (18) foi seu aniversário. O tempo é um aliado ou uma ameaça para você?

Não é fácil envelhecer. De fato, tem esse papo de que o tempo te traz sabedoria e isso é libertário. Hoje, posso fazer o que quiser. Adquiri esse direito. Agora, fisicamente, as mudanças são significativas: há as dores, teu corpo é tomado por um cansaço que antes você não sentia e isso é chato. Nunca vi ninguém telefonar para dizer: “olha, uma ruga apareceu” (risos). Acho a juventude a coisa mais linda do mundo, mas o tempo é invencível e você tem de fazer dele seu aliado. O tempo é rei como naquela canção do Gil. Em relação aos procedimentos estéticos, já levantei o peito, fiz um leve botox e acabou! Não quero ser mais uma bocuda. O tempo é meu amigo e ele vai deixar em mim as marcas dele, que são as minhas.

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