‘Receitas surgem de erros’

fevereiro 11, 2022

Claude Troisgros fala sobre trabalhar na TV, da amizade com Boni e do orgulho de ver os filhos seguindo seus passos

Claude Troisgros conquistou parte dos brasileiros pelo estômago. Pioneiro ao introduzir por aqui uma culinária francesa de personalidade, abriu e fechou restaurantes nos quais pôde experimentar, inventar e, o melhor, inovar. Ele nos ganhou pelo estômago, e foi também pego de jeito por nossas iguarias – usando-as em muitas de suas receitas. Prova disso é a feijoada que passa a servir no bar que tem no Leblon. Claude também ganhou o público por seu carisma. Dezesseis anos atrás, estreou como apresentador de TV e assim se mantém, conciliando as temporadas do reality “Mestre do sabor” com os afazeres nos seus restaurantes. O trabalho como apresentador começou como um teste que, segundo ele conta nessa entrevista, dura até hoje. Talvez Claude não saiba, mas há muito que o teste acabou. E o resultado é que ele foi aprovado. Com louvor.

Você está lançando, a partir deste mês, uma feijoada no Bar do Claude, no Leblon. Afinal, feijoada combina com quê?

Sim, uma feijoada feita com muito amor e carinho, servida sempre aos sábados. Preparar uma feijoada significa um compromisso com a História, com a tradição e a cultura. Por isso, feijoada combina com a bebida mais conhecida do Brasil: cachaça.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boi, chegou no teu primeiro restaurante, Roanne, atraído pelo nome. Ele se encantou e ajudou a promover a casa. Como se deu essa aproximação?

Boni sempre foi um grande amante da boa culinária, conhecedor dos maiores restaurantes do mundo e amigo de vários chefs. Um dia, passando pelo Leblon, foi atraído pelo nome Roanne, que é o da minha cidade natal, onde era o restaurante da minha família, com três estrelas Michelin. Ele entrou, almoçou, gostou e assim começou uma relação de amizade e respeito que dura muitos anos. Obrigado, Boni!

Muitas grandes receitas surgiram a partir de erros cometidos pelos chefs. Alguma vez isso te aconteceu e no que deu?

Receitas surgem de erros. Uma das minhas especialidades é a vieira com doce de leite, receita preferida de um amigo, Daniel Boulud. Uma noite, na cozinha, sobrou uma vieira grelhada numa frigideira. Coloquei ela na boca e, em seguida, entrei na confeitaria, onde comi uma colher de doce de leite. A mistura do mar com terra, do doce com o salgado me convenceu de que poderia dar numa grande receita.

Você já cozinhou para chefes de Estado e para grandes nomes da política, da cultura e da gastronomia. Em qual dessas vezes sentiu aquele friozinho na barriga?

Em todas essas vezes. O mais tenso foi um jantar oferecido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para o também presidente Bill Clinton no Itamaraty.

O Claude apresentador começou na TV fechada e se estende hoje à TV aberta. Imaginou que esse trabalho duraria todo esse tempo?

Nunca pensei. Comecei no GNT há 16 anos, como um teste, e esse teste continua até hoje. Há 3 anos, entrei para a Globo com o reality “Mestre do sabor”. Deu certo, né? Como diria meu diretor, você é “camera friendly”.

Você vem de uma família importante na gastronomia francesa e seu filho segue no mesmo ramo. Qual balanço você faz da tua trajetória? Qual o legado que fica?

Meu filho, Thomas, e sua irmã, Carolina, são a quarta geração da família na gastronomia. Meu irmão Michel também tem dois filhos seguindo na profissão. Fico orgulhoso e feliz de ver mais uma geração da família trabalhando com talento. É bonito ver a gastronomia brasileira se destacando cada vez mais e com personalidade, valorizando os produtos, os pequenos produtores e os jovens chefs brasileiros. Esse é o meu legado: ser reconhecido como um dos primeiros chefs a chegar aqui, nos anos 1980, valorizando o Brasil.

Se não fosse chef nem apresentador o que Claude Troisgros seria?

Fotógrafo. Gosto da arte de ver o que os outros não vêem…

 

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