Os Brasis de uma voz

abril 4, 2024

Sandra Duailibe arrebata o Rio de Janeiro em show potente e com participações como a da compositora Lucina

Abrem-se as cortinas, e uma silhueta feminina é exposta no centro da cena. A luz cresce e revela-nos a jornalista Cristina Serra que lê um texto no qual elenca mazelas que grassam a região amazônica –do mercúrio que contamina peixes e rios às doenças que ceifam populações indígenas e ribeirinhas. “A flecha caiapó indica o caminho”, diz o texto-protesto. E ele nos leva a “Da Amazônia”, show que Sandra Duailibe apresentou, na noite da última quarta-feira (03), no Teatro Rival Petrobras, Centro do Rio de Janeiro.

Sandra Duailibe é aquela cantora na qual a sofisticação sobressai, tanto no canto quanto na sua figura. Ela vem pela vereda aberta por Leny Andrade (1943-2023) e por Miúcha (1937-2018) e segue com sua voz afiada abrindo caminhos. E, naquela noite em especial, as trilhas levaram-nos às grotas do Norte do país, pelo qual a Floresta Amazônica espalha-se, incluído aí o Maranhão, estado-natal da artista, que, hoje, divide-se entre Belém e Brasília.

O roteiro musical tem início com “Uirapuru”, do maestro Waldemar Henrique (1905-1995), e segue com “Foi assim”, da agora saudosa dupla paraense Paulo André e Ruy Barata, e abre alas a um ilustre acriano: João Donato (1934-2023), celebrado com “Lugar comum” (com Gilberto Gil) e com “Nasci para bailar” (com Paulo André). Num trocadilho com o chá-chá-chá, Sandra nasceu para abalar – e assim ela o fez.

Da mesma forma que é sofisticada, é generosa. E divide a noite com dois talentos da nossa música: os compositores Vital Lima e Lucina. Enquanto o primeiro mostrou-se um cantor tão vigoroso quanto o compositor, a segunda foi responsável pelo ápice da apresentação e por um dueto antológico com a anfitriã.

Compositora que ganhou vulto nos anos 1970, a partir de gravações de Ney Matogrosso, Lucina firmou, ao longo das últimas décadas, parcerias iniciadas com a dupla Luli-Lucina e que, cinco décadas depois, inclui nomes como o de Zélia Duncan.

Com “Bandoleiro”, da safra com Luhli e imortalizada por Ney, ela contagiou a plateia. No número seguinte, “Fala”, de Luhli e João Ricardo, deu voz à intérprete que é e, juntamente com Sandra, realizou um dueto emocionado e emocionante. “Então eu escuto”, prega a letra e foi o que a plateia, arrebatada àquela altura, fez.

“Esse é o meu Brasil” reza o samba “Rio de Janeiro”, de Ary Barroso (1903-1964), apropriadamente escolhido para encerrar o espetáculo, muito bem dirigido por Sérgio Oliveira. Ao abrir suas picadas pela Amazônia, Sandra Duailibe acaba por revelar um país ainda pleno de possibilidades, E tão refinado como o canto da artista.

Crédito da imagem: Marcelo Castello Branco

Posts recentes

Vozes da resistência

Encontro mediado pela jornalista Hildegard Angel vai reunir importantes pensadores em torno da democracia

Sotaques suingados

Seu Jorge e a portuguesa Cuca Roseta gravam juntos pela primeira vez faixa que prenuncia o primeiro álbum da fadista pop no Brasil

Provocação criativa

Humberto de Castro expõe no Rio de Janeiro esculturas em arame como a feita em homenagem a Isabelita dos Patins