‘Quero meus filhos abertos para o mundo’

agosto 11, 2023

Mouhamed Harfouch fala do desafio de viver Otávio Guinle no teatro, de nudez, parcerias profissionais e da relação com os filhos pequenos

Mouhamed Harfouch tinha 14 anos quando ingressou no teatro.  E conciliou, tempos depois,  o expediente com os estudos de Direito e o estágio. Até que um convite recebido de um escritório de advocacia levou-o ao ultimato: a vida de perrengues no teatro precisava mudar. Não tardou para ir dos palcos à TV e, a partir da novela “Cama de gato, exibida pela TV Globo, a carreira deslanchou. Na telinha, onde interpretou personagem que nem nome tinha, o ator provou que, de fato, não existem papéis pequenos. De lá para cá, ele se divide entre a TV e os palcos, sem nunca perder um norte: contar uma boa estória. E, por isso, volta a soltar a voz no palco. Ele estrela “Copacabana Palace, o musical”, no qual vive simplesmente Otávio Guinle, responsável pelo hotel que colocaria o Brasil no mapa da hotelaria de luxo, o hoje  Belmond Copacabana Palace. Mouhamed acredita que, na profissão como na vida, toda relação seja de confiança. “Nossa profissão não é uma corrida de 100 metros, mas uma maratona”, constata nesta entrevista ao NEW MAG na qual fala das parcerias com os diretores, rememora o desafio de ficar nu no palco e reflete sobre a relação com os filhos pequenos.

Você vai viver no teatro um empresário visionário, de uma das mais importantes famílias brasileiras. O que norteou a sua preparação para o papel?

Foi a paixão desse cara que teve um sonho e que realizou, contra todas as adversidades, esse sonho. Um homem de muitas paixões: pelo Copacabana Palace, por sua companheira, Maria Isabel Guinle, e pelo desafio de construir no meio de um areal um dos maiores hotéis do mundo, que transformou a hotelaria do Brasil, colocando o Rio de Janeiro sob os holofotes do mundo. O personagem tem esse viés que passa pelo amor. Ele era um romântico e também um obsecado, um cara muito obstinado, minucioso e diplomático.  Ele conseguiu tudo o que quis pela diplomacia.

Falando em ser visionário, você deixou de lado uma carreira no Direito para dedicar-se ao trabalho de ator. Qual foi o maior estranhamento enfrentado nessa transição?

Não foi bem um estranhamento porque essa transição foi gradativa e orgânica. Comecei a fazer teatro aos 14 anos e já era ator quando ingressei no curso de Direito. Houve também uma transição do Teatro para o Direito e, depois, voltei ao Teatro. Ali pelos 18 anos, constatei que trabalhava como ator, viajava o país fazendo teatro, mas não ganhava dinheiro. Daí me dei uma chance num outro segmento. Foi uma decisão minha e dividi meu tempo entre o trabalho no teatro, a faculdade e o estágio. Fui convidado a entrar para um escritório de advocacia e pensei que aquele passo me daria a oportunidade de ter coisas e possibilidades que nunca tive e que poderia ser algo definitivo na minha vida.  Acabei me dando um prazo de dois anos: se as coisas não melhorassem, talvez tivesse largado o teatro. Hoje, vejo que nunca abandonaria o teatro. O destino sabe o que faz.

Da sua primeira novela, em 2006, são 17 anos mostrando o rosto na TV. Nesse ínterim, você teve oportunidade de atuar em produções surpreendentes como “Cordel encantado” e em “Órfãos da terra”. Qual a primeira motivação para aceitar um papel na TV?

A de contar uma boa estória. Minha carreira é recheada de personagens que não estavam nas tramas centrais, mas que cresceram no decorrer da trama. “Cama de gato” foi uma novela fundamental na minha trajetória. Comecei com um personagem que era Policial 1, depois ele ganhou um nome e terminou a novela namorando a filha da protagonista. Na festa de encerramento, sou surpreendido pela Duca Rachid e pela Telma Guedes com um convite para fazer “Cordel encantado”. Esse fato me mostrou que não existe papel pequeno. Aprendi a não descartar nada. Onde menos se espera pode estar sua maior oportunidade. Acredito também que o personagem escolhe seu intérprete.

Você foi protagonista do musical Ou tudo ou nada, sobre amigos que se reinventam como stripers após ficarem desempregados. Tirar a roupa em cena foi tenso ou foi divertido?

Esse trabalho foi para mim um divisor de águas por me abrir uma vertente no teatro musical, no qual ainda não tinha trabalhado. Estava na escada rolante de um shopping quando recebi o convite dos produtores. Quando me falaram que era uma montagem do Full Monty, fiquei todo entusiasmado porque eu amei esse filme. Depois, no estacionamento, perguntei à minha mulher: esse não é aquele filme em que os caras ficam pelados no final? Ai, meu Deus, vou ficar pelado no teatro?  No que ela me perguntou:  “Você não vai deixar de contar uma estória legal por causa disso, né?  Acabou sendo um desafio enorme por que ficava duplamente pelado: no sentido físico e, o mais difícil, ficar exposto por cantar 14 composições! Nunca havia tido um trabalho de canto que me demandasse tanto como naquele musical. Segui com a Mirna (Rubin), minha professora até hoje. E posso, por isso, substituir um cara como o Claudio Lins no “Copacabana Palace, o musical”. Não teria coragem de abrir a boca ali se não tivesse essa trajetória iniciada com  “Ou tudo ou nada”.

Você lida então de maneira tranquila com a própria nudez?

Nunca deixaria de contar uma boa estória por ficar exposto pela nudez. De maneira nenhuma. Para contar uma boa estória, me jogo de cabeça e de olhos fechados. O desafio é o que faz o coração da gente bater. A nudez é para mim muito menos preocupante do que achar o tom certo da personagem.

E você trabalhou no teatro por duas vezes com o Tadeu Aguiar e, na TV, repetiu experiências com Amora Mautner. O que te leva a voltar a trabalhar com um diretor?

Na nossa trajetória vamos criando parcerias. Toda relação é uma relação de confiança. Quando um diretor, como Amora Mautner ou Mauro Mendonça Filho,  ou mesmo um autor confia a mim uma personagem , fico sinceramente muito grato porque a nossa profissão não é uma corrida de 100 metros, mas uma maratona. E fico muito feliz por encontrar amigos que confiam em mim. Acredito que o que me leva a repetir uma parceria é a entrega, essa relação de confiança que só é sólida quando envolve afeto e comprometimento, respeito e paixão pelo ofício. Quando essas coisas se dão, a parceria é para a vida.

Você tem um casal de filhos. Há entre você e a Clarissa o cuidado com uma educação mais igualitária entre os gêneros?

Essa preocupação é fundamental. É inaceitável estabelecer que azul é de menino e que o rosa, de menina. Tenho uma filha de 11 anos e um de seis, e ela foi tudo para meu filho durante a pandemia . Quando ele estava se abrindo para o mundo, precisou ficar dois anos recluso. Lá em casa não tem esse negócio de brinquedo de menina e de menino. A gente tem de entender que essas imposições e limitações são problemas que os adultos carregam com eles. A criança é um ser livre e que lida com o lúdico. O que quero, como pai, é dar suporte para que meus filhos sejam extremamente felizes nas suas escolhas. Quero que eles saibam que, aqui, têm um parceiro, uma pessoa que torce e que dará todas as condições possíveis para que realizem seus desejos. Quero que eles sejam cidadãos abertos a esse mundo em constante evolução.

Crédito da imagem: Ricardo Penna

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