‘Quanto mais valorizarmos o feminino melhor’

maio 5, 2023

Eriberto Leão fala da importância de escolhas artísticas conscientes, do interesse pela ciência, de etarismo e de criar os filhos para um mundo igualitário

O leão é o rei dos animais. O felino, sinônimo de soberania na Natureza, está no nome de um artista que, há 27 anos, dedica-se ao ofício com afinco e integridade. Era 1996 quando Eriberto Leão, recém-chegado de uma temporada de estudos no exterior, estreou profissionalmente no teatro. A peça era “Ventania”, dirigida por Gabriel Vilela, que, fazendo jus ao estilo do diretor, unia música e teatro. Eriberto estava no seu habitat. E assim continuaria, uma vez que construiu uma trajetória na qual conciliou o amor pela música (em especial pelo rock) com a paixão por interpretar. Ele está de volta aos palcos, com “O astronauta”, que estreou de forma remota, ainda em tempos pandêmicos, e que marca agora seu reencontro com o público. Em paralelo à nova temporada, a partir desta sexta (05), na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro, ele prepara seu primeiro álbum. O repertório trará canções autorais, algumas dos anos 1990. “Tenho resgatado coisas e vejo que elas ainda têm muito valor para mim”, constata ele, por telefome,  nesta entrevista ao NEW MAG, em que abre seu coração de leão. E ele há de continuar pulsando pela música e pelas artes dramáticas. Sorte a nossa.

O Astronauta começou na pandemia, de forma remota, e, na medida em que a flexibilização avançou, você reencontrou o público. O que foi mais marcante nesse processo?

Primeiro foi essa adaptação à nova realidade da vida artística. Esse termo presencial, tão em voga, é um pleonasmo porque o teatro tem de ser presencial para acontecer. O espetáculo usa de projeções e efeitos visuais, e a versão remota possibilitou que a gente investisse mais na linguagem cinematográfica dele. Essa relação pôde ser aprimorada durante a pandemia e chegamos a fazer uma websérie no YouTube, com trechos exibidos como pílulas. Pudemos continuar trabalhando enquanto muitas pessoas não podiam. Esse tempo entre o remoto e o ao vivo estabeleceu uma adaptação evolutiva, uma vez que o texto também pôde ser aprimorado. Acho que a experiência da pandemia nos deu a oportunidade de evoluirmos. Algumas pessoas buscaram e conseguiram isso.

Recentemente viagens espaciais foram bancadas por milionários e pessoas entram em filas dispostas a pagar os tubos por isso. Você vê isso como escapismo ou espírito de aventura?

Cada um faz o que quer com o próprio dinheiro. Só acho que o tanto que foi investido poderia ter sido utilizado de outra maneira, para melhorar questões sociais do nosso planeta.  Nada se compara às viagens que podem ser executadas pela própria mente. Você pode viajar ao ler um livro, por exemplo. Há autores como (Aldous) Huxley e (Carlos) Castañeda que te convidam a refletir sobre a própria consciência. Você pode viajar e elevar-se através da meditação ou de um contato vertical com a Natureza.

E a peça trata também dessas questões…

Sim e, ao fim do espetáculo, fica no ar a pergunta se aquela viagem foi real ou imaginária. Claro, o universo existe, mas há um pensamento de que ele é também mental. Nosso cérebro é uma antena.  Através da glândula pineal (que produz vários hormônios importantes para o organismo), vem nossas inspirações, aquilo que, antigamente, se dizia que nos era dado pelas Musas. As energias se propagam em ondas e estamos rodeados por ondas eletromagnéticas. Quando levantamos essas questões, tem gente que fala que é papo místico ou de maluco, mas muitas desses temas são explicados hoje pela ciência.

Falando em inspiração, noticiamos que você está preparando um álbum. Pretende se dedicar mais à música?

Vou continuar conciliando os dois, com um foco maior no lado musical, como já aconteceu num outro momento da minha vida (Eriberto chegou a ter banda na adolescência). Vou lançar um álbum e estou passando por um brain storm do qual será definido o repertório do disco. Algumas das canções são composições próprias e algumas foram criadas em 1999. Tenho resgatado coisas que estavam esquecidas e vejo que elas ainda têm muito valor para mim.

Recentemente perdemos dois monstros do rock: Erasmo Carlos e, este ano, Jeff Beck. Como você lida com essa orfandade?

Acho que o que fica dessa orfandade é uma sensação de muita responsabilidade. Esses caras eram gigantes. Não por acaso o apelido do Erasmo era Gigante Gentil (dado por Rita Lee). A gente precisa subir nos ombros desses gigantes e levar o legado deles adiante, fazer um trabalho com qualidade  e de forma perene. Para onde estamos indo com o que fazemos? Quem serão os gigantes de amanhã?

Muito se fala em etarismo. Você chegou aos 50 com tranquilidade ou com algum receio?

Cheguei com tranquilidade. Confio na Natureza. Por mim, continuaria nos 40, que é uma idade ótima. Agora estou a caminho dos 60. Acho que amadurecer te apresenta à questão da inevitabilidade. Tem coisas que você não consegue mudar e você passa a dar menos importância a certas coisas e a valorizar outras. Você passa a ir com o fluxo. Sempre treinei e, nesse aspecto, sempre fui disciplinado, não por vaidade, mas pelo cuidado mesmo com o corpo. Quero viver bem e morrer bem velhinho, contando histórias para os netos e, de preferência, em volta de uma fogueira.

Por falar em netos, Você é pai de dois meninos.  Você consegue ser na prática um pai mais feminista? Você e Andrea se preocupam com questões como masculinidade tóxica?

Meus filhos vivem num ambiente de muito amor. Acho que o amor é o princípio de tudo e a base para todos os outros princípios. Do amor vem o respeito, a empatia, o feminino… Há uma mudança em relação à sociedade em que eu vivi e a que eles vão viver. Hoje, os meninos vão jogar bola e as meninas vão junto. Lá em casa, o sistema é o do matriarcado. A Andréa toma conta de nós todos. E essa visão de mundo trago da minha família. Minha mãe é muito forte. Há uma história de que minha avó, que era pernambucana, ao ter um de seus últimos filhos acabou realizando o parto, pois a parteira não chegou a tempo. Essa reverência pelas mulheres é algo que me acompanha há muito. Quanto mais valorizarmos o feminino melhor será para todos nós.

Falando em inclusão, ao viver o Samuel, você teve oportunidade de levantar na TV duas bandeiras: a dos gays e a dos negros. O que te fala mais alto para aceitar uma personagem?

O que faz o meu coração bater forte. Quando aceito uma personagem ela precisa fazer sentido para tudo o que acredito. Claro, a gente pode fazer o entretenimento pelo entretenimento, e isso se dá muito nas comédias, mas, ainda assim, você precisa estar atento a certas questões. Vou estar me sentindo pleno? É bacana quando a gente tem possibilidade de levar o público à reflexão, fazer algo que trata de uma viagem ao seu interior como acontece em “O astronauta”. Mas você pode também divertir com responsabilidade. Meu próximo trabalho no teatro será em um musical da Broadway.

E qual será?

Ainda não posso falar (risos), mas adianto que é uma história linda e que será em São Paulo. Também fiz recentemente dois filmes e um deles é uma comédia, a partir do livro “Maior que o mundo”, do Reinaldo Moraes. Trata-se de uma homenagem à contracultura que adorei fazer.

Crédito da imagem: Guto Costa

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