‘Precisamos ser fraternos’

setembro 16, 2022

Marcos Caruso fala da parceria com Eliane Giardini, relembra papéis marcantes e prega a fraternidade

Empatia é algo que pode se dar de imediato ou levar tempo. Marcos Caruso já tinha uma carreira consolidada no teatro (também como autor) quando estreou na TV em fins dos anos 1990. Os primeiros trabalhos foram na hoje extinta TV Manchete e, na década seguinte, migrou para a Globo. A estreia foi tardia, mas a sensação é a de que o conhecemos há longos anos tamanha a empatia que se deu entre ele e o público. O ator, que completou  70 anos em fevereiro, é hoje um dos mais completos do país. Se alguém ainda duvida disso, que tire a prova ao assistir a “Intimidade indecente”, peça de Leilah Assumpção que ele apresenta no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro. A primeira montagem foi há 20 anos, e juntou Caruso a Irene Ravache e, anos depois, a Vera Holtz. Agora, o ator tem a companhia de Eliane Giardini, com quem retoma a parceria iniciada em “Avenida Brasil”, novela de João Emanuel Carneiro.  O espetáculo traz pitadas de comicidade sendo comovente em muitos momentos, e a química entre os atores é fundamental nessa receita, que tem no companheirismo outro ingrediente. “Não adianta você ser bondoso, generoso se não for fraterno com o outro”, pontua ele nesta entrevista, por telefone, ao NEW MAG.

Você e Eliane trabalharam juntos pela primeira vez na novela “Avenida Brasil” e agora se reencontram no teatro. Qual o sabor desse reencontro nesse ambiente que é o teatral?

Somos atores paulistas e contemporâneos e tínhamos o desejo de trabalhar juntos há décadas, e isso nunca coincidiu. Até que “Avenida Brasil” nos uniu como casal. A química entre nós foi perfeita, e o entrosamento físico e artístico aumentou o desejo de realizarmos um “casamento” também no teatro, o que agora aconteceu. Veja você, o nome da peça é “Intimidade indecente” e intimidade é algo que Eliane e eu temos demais. A gente se reconhece pelo olhar e percebe uma nova intenção que um queira dar à cena naquele instante. Somos amigos e parceiros e poder trabalhar junto é uma grande diversão.

É fascinante ver como vocês constroem o casal da peça. As personagens vão envelhecendo sem o uso de maquiagem e acessórios. As mudanças acontecem na voz e nos corpos, aos olhos do público. O que foi mais difícil nessa construção para você?

Quando comecei a fazer o espetáculo, 20 anos atrás, eu tinha 50 anos, e meu pai, que era minha referência de idoso, tinha 70. Na peça, meu personagem vai dos 60 aos 90, então precisei buscar internamente essas referências sobre envelhecer. Meu personagem começou a ser construído de dentro para fora. Hoje, tenho 70 anos, e meu pai viveu até os 98. Então, adquiri conhecimento de como é chegar a essa idade, e o personagem pôde ser aprimorado a partir dessas observações. O trabalho do ator está muito relacionado a seu poder de observação. O personagem, que tinha sido construído de dentro para fora, ganhou características que vieram desse olhar, de fora para dentro, como deve ser a construção de um papel.

Já que falamos de “Avenida Brasil”, o Leleco foi um personagem muito marcante. Podemos dizer que foi o mais popular na tua carreira, não?

Sem sombra de dúvidas, o Leleco é o mais popular dos meus personagens. Ele era um cara que não fazia nada da vida, ficava atrás das menininhas e poderia se tornar um chato. Então, quis fazer dele um personagem mais solar do que lunar. Algumas das suas características, como a de usar regata e aqueles óculos na cabeça já estavam escritas e ajudaram também a popularizá-lo. Outro fator que contribuiu muito foi o fato de uma moça mais jovem ter se apaixonado por ele de verdade. E isso mexeu de forma violenta na autoestima do público masculino na faixa dos 60 anos, que também se reconheceu naquele personagem. Eles viram que era possível encontrar alguém que se apaixonasse por eles. O Leleco virou um apelido,  não só para pessoas calvas. Até hoje tem gente que me diz que tem um Leleco na família.

Outro personagem marcante foi o Alex, de “Páginas da vida”, pela relação amorosa com a neta, que tinha Síndrome de Down. Como você vê hoje esse personagem?

A personagem da Lília (Cabral) representava o que não deveria ser feito. O meu era o da contemporização, o que dizia: “OK, vamos ver os dois lados”. O Alex foi um divisor na minha vida. Estreei tardamente na televisão e meus personagens eram, até então, um pouco abobalhados. O Alex tinha, em primeiro lugar, uma característica que era a do afeto. Ele via o outro com fraternidade. Precisamos ser fraternos hoje mais do que nunca. Não adianta você ser bondoso, generoso se não for fraterno com o outro. Precisamos olhar o outro como irmão e não como um inimigo, pois somos feitos da mesma matéria. O convívio precisa ser mais justo, mais amoroso e mais equilibrado.

Você teve oportunidade de trabalhar com a Marília Pêra, uma de nossas maiores atrizes, no filme “Polaroides urbanas”, do Miguel Falabella. Por que vocês nunca trabalharam no teatro?

A Marília já tinha me convidado três vezes para trabalhar com ela no teatro e sempre havia  outro compromisso que me impedia. O nosso encontro no teatro nunca aconteceu, mas o cinema nos uniu. Meu papel no filme é pequeno, são três sequências apenas, mas o aceitei pela dimensão do tamanho da pessoa com quem iria contracenar. Foi um encontro lindo e desejado. A Marília era uma das melhores e mais completas atrizes do nosso país.

Outro encontro lindo foi com o Orlando Drummond, o intérprete original do Seu Peru, no remake da Escolinha do Professor Raimundo. O dia em que vocês se encontraram foi marcante, não?

Essa homenagem me deu uma alegria por não tê-lo imitado, mas por ter usado da interpretação para homenageá-lo. E a homenagem foi linda pela surpresa do encontro. Naquele dia me pregaram uma peça. Alegaram que havia um problema com o meu microfone e me deixaram no camarim. Quando resolvi ir para o estúdio, me pediram para esperar mais. Quando entrei em cena, o Orlando já estava sentado na carteira. Olhei para ele e, por instantes, saí do Brasil e do planeta. Comecei a dar o texto e as pernas tremiam, mas eu não podia parar. Ao fim, o abracei e ouvi o elogio: “Agora já tenho um sucessor”.

Qual papel você ainda gostaria de fazer no teatro? Há algum autor que tenha o sonho de encenar algum dia?

O papel será sempre o próximo. E qual será? Não sei, pois eu não os escolho. Ao longo da vida, os trabalhos foram acontecendo naturalmente. Gostaria de trabalhar com certos autores, mas não exatamente com esse ou aquele personagem. Gostaria de fazer um Tchekhov, um Shakespeare, mas no sentido de poder estudar como ator esses autores.

Crédito da imagem: Lucas Seixas.

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