‘Precisamos de um Congresso comprometido com políticas LGBT’

abril 5, 2024

Carlos Tufvesson, coordenador municipal da Diversidade Sexual, rememora a união com o arquiteto André Piva, quer a bênção da igreja católica e promete voltar à moda

A moda foi um caminho natural para Carlos Tufvesson. Filho da grande estilista Glorinha Pires Rebello, que faleceu em 2021, ele convive desde cedo com tecidos e manequins. No início do novo milênio, teve loja própria e participou de semanas de moda no Rio de Janeiro e em São Paulo. De 2010 para cá, o ativismo pelos direitos civis da população LGBTQIA+ levou-o a assumir, em 2011, a Coordenadoria da Diversidade Sexual, num ato pioneiro do  prefeito Eduardo Paes, então no seu primeiro mandato. A militância, assim como a moda, fez-se presente desde cedo na vida do estilista, que exibia, na vitrine da sua Loggia, em Ipanema, o laço-símbolo da luta contra o HIV. E esse ativismo foi naturalmente desempenhado juntamente do arquiteto André Piva (1968-2020), com quem foi casado e cujo nome batiza agora um logradouro na cidade que o acolheu. André e Carlos ajudaram, entre tantos feitos, a derrubar o tabu em torno das demonstrações públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo. “Penso que viemos para esta vida com uma finalidade: a de sermos felizes”, defende ele em entrevista ao NEW MAG. Na conversa, por telefone, ele louva o desempenho da deputada federal Érika Hilton, elogia o reconhecimento pelo papa Francisco das relações homoafetivas, comenta a jurisprudência aos direitos de trisais e promete criar uma coleção caso o Fashion Rio seja novamente realizado.

Como surgiu a ideia de homenagear o Piva com um logradouro no Rio de Janeiro?

Foi uma iniciativa da Mozak, à qual o André fez vários projetos e aquele que foi o último projeto da sua vida, e que não conseguiu ver pronto. A iniciativa não envolve somente um largo, mas uma calçada artística, uma vez que ele era apaixonado por obras de arte. E tem uma coisa que me emociona que é o fato de essa homenagem ser no Rio. O André era gaúcho e um carioca de coração, tendo recebido já o título de cidadão emérito. Ele já havia sido homenageado pelo Grupo Severiano Ribeiro e recebe agora mais essa homenagem.

Você enfrentou lutos importantes relacionados às perdas da tua mãe e do teu companheiro. Num tempo de tanta histeria nas redes sociais o que o recolhimento te mostrou de mais significativo?

Tenho uma relação de muita precaução com as redes sociais. Pesquiso sobre meus seguidores antes de aceitá-los e não tenho haters, por exemplo. Então, as redes são um lugar onde tenho acolhimento em vez de embates. O luto é uma solidão, e ela precisa ser enfrentada. E, nos momentos em que precisei, contei com muito carinho nas redes sociais.

André e Você ajudaram a naturalizar a demonstrações públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Imagino que esse caminho não tenha sido fácil…

Quando andava de mãos dadas com o André, isso 25 anos atrás, não era um ato político, mas uma demonstração de afeto. É natural que duas pessoas que se amam demonstrem afeto. Lembro de quando meus sobrinhos, ao nos visitarem, se deram conta de que dormíamos na mesma cama. O estranhamento foi quebrado com a pergunta: seu pai e sua mãe não dormem juntos? Expliquei então que duas pessoas que se amam dormem juntas. Hoje, eles são pessoas esclarecidas, bem resolvidas e que tratam muito bem suas mulheres. Acho que quando se educa um indivíduo para conviver com  as diferenças ele se torna uma pessoa respeitosa com o que o cerca. Quando André e eu decidimos nos casar, já estávamos juntos há 17 anos. Ao saber da notícia minha irmã perguntou: “mas vocês vão casar de novo?” Respondi que, por sermos gays, iríamos nos casar quantas vezes fossem necessárias.

De 2010 para cá o Carlos ativista ganhou mais espaço como figura pública. Como foi essa transição?

O ativismo sempre foi presente na minha vida. Lá atrás, colocava o laço vermelho (símbolo da luta contra o HIV) na vitrine da loja. Participei de muitos eventos em prol da Sociedade Viva Cazuza (criada por Lucinha Araújo), quando os direitos autorais do Cazuza já não eram suficientes para manter aquele projeto. Havia uma feminilização da questão da luta contra o HIV e, como meu público era feminino, lá fui eu. Depois é que passei a militar em prol do reconhecimento da união homoafetiva. Ser militante dá trabalho. Você se priva do contato com amigos, dá pouca atenção ao seu namorado e depois ninguém te agradece, mas não importa: você está atuando por uma causa e em prol de mudanças na sociedade.

O Vaticano está mais propenso a reconhecer casais homoafetivos. Ter a bênção da igreja é importante para você?

Para mim é importante demais. Agora que o papa Francisco faz esse reconhecimento, vou pedir bênção post mortem. Acho essa atitude um tremendo avanço do Vaticano e do papa Francisco, em especial. Na época em que ele foi cardeal, na Argentina, ele foi contra a união entre pessoas do mesmo sexo, tendo havido embates com a (então presidente) Cristina Kirchner. Ainda bem que ele adotou uma postura mais amigável. Até porque isso é também uma forma de combate à violência doméstica. Grande parte da violência contra homossexuais ocorre dentro de casa, com crianças e adolescentes sendo expulsos de casa. Acho uma violência uma criança de nove, dez anos ser expulsa de casa.

Avançamos em relação a direitos relacionados à união homoafetiva. Como vê os pleitos por reconhecimento dos relacionamentos compostos por trisais?

Já existe uma decisão judicial em relação ao reconhecimento desse tipo de união. Era uma formação que envolvia uma mulher, e o juiz reconheceu o direito de ela receber pensão, ainda que tenha feito comentários machistas a respeito. Sobre esse pleito, o judiciário brasileiro já se posicionou em relação ao direito a pensão. Quanto a esse tipo de relacionamento, não é a minha, mas é o que digo: a paixão é uma instância que você não controla.

Hoje vemos pessoas trans em diferentes esferas do poder. Você vê um país mais igualitário e menos preconceituoso nos próximos dez anos?

Ainda não.  Temos a Erika Hilton que faz um trabalho deslumbrante e não somente por ser trans, mas por ser uma excelente parlamentar, uma profissional que conhece o regimento do lugar onde ela está. Temos a Duda (Salabert) fazendo um trabalho importante também, mas por outro lado, só temos um senador assumidamente gay, que é o (Fabiano) Contarato. No Rio, na Câmara Municipal, temos a Monica Benício, mas ainda assim somos muitos poucos. Precisamos de um Congresso mais comprometido com as políticas LGBT.

O futuro então te preocupa?

Há a questão das novas gerações, que acham que os direitos LGBTs sempre existiram, quando, na verdade, foram conquistados a duras penas. Há jovens que não fazem ideia de quem é Luiz Mott (ativista de 77 anos), importantíssimo para esse país. Dia desses, Milton Cunha e eu participamos de uma conversa em que falamos de movimentos como o de Stonewall (levante em Nova York contra agressões de policiais contra homossexuais) e ninguém fazia ideia do que estávamos falando. Há um gap cultural entre a nossa geração e as novas e isso é muito preocupante.

Pensa em voltar algum dia a ser um criador de moda?

Se voltarmos a ter Fashion Rio, juro que faço um desfile. Morro de saudades. A questão é que meu tino é o de estilista e não de empresário. Imagina você que já lidei com 90 funcionários! Tenho TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) e não consigo fazer sozinho uma prestação de contas. E tem a questão dos impostos. O Brasil não ajuda as pequenas e médias empresas, que são as que mais empregam. No Brasil, quem ganhou dinheiro com moda foram os empresários e não os estilistas. Não é nada fácil ser empresário neste país da mesma forma que não é fácil ser funcionário. Essa relação precisa mudar.

Por fim, como reza a canção, qualquer maneira de amor vale a pena?

Penso que viemos para esta vida com uma finalidade: a de sermos felizes. E ser feliz é amar. Desde que perdi o André não consegui amar mais ninguém. Sou eternamente apaixonado por ele e vivo, por isso, uma situação curiosa: meu coração está ocupado por alguém que não está mais neste plano, mas que ainda vive em mim. É louco isso, mas é essa a situação que vivo. Não vejo a vida sem amor e morro de saudade de estar casado.

 

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