‘O peso ficou na disputa entre dois presidentes’

outubro 1, 2022

Sergio Abranches faz um balanço da campanha política e fala da eficácia de virar voto e da utilidade do debate na TV

Uma disputa eleitoral é, como numa partida de futebol, uma caixinha de surpresas. Tal comparação é um clichê para lá de desgastado, é vero, mas ainda irresistível. `Na véspera das eleições, temos uma corrida à Presidência da República polarizada entre dois candidatos, com pouca possibilidade (ou nenhuma, melhor dizendo) de crescimento para os demais postulantes, e que pode ser liquidada já no primeiro turno. Procuramos o jornalista, escritor e cientista político Sérgio Abranches, grande conhecedor sobre disputas eleitorais que, neste bate-bola com NEW MAG, faz um balanço do que representou a campanha de 2022. Abranches  analisa, de quebra, se o debate televisivo ainda é uma ferramenta útil para a escolha de um candidato, a eficácia de virar voto e chama atenção para a inclusão das pautas ambientas – em especial as mudanças climáticas – no debate político.

Já podemos fazer um balanço sobre a atual campanha eleitoral à Presidência?

Sim, podemos. É uma campanha cujo peso ficou concentrado na disputa entre dois presidentes. Um, que tenta a reeleição pela primeira vez, e o outro, um ex-presidente que pleiteia seu terceiro mandato. É a primeira vez que esse quadro é pintado numa disputa presidencial no Brasil. Tanto que é uma disputa que não abriu muito espaço para os outros candidatos, que aparecem estabilizados nas pesquisas. Esse tipo de confronto já havia aparecido em disputas entre candidatos a governador, mas, na corrida à Presidência, é a primeira vez. Trata-se de uma disputa polarizada entre dois candidatos, com enorme estabilidade nas intenções de votos.

Muito tem se falado sobre voto útil e “virar voto”. Isso funciona de fato?

É uma boa pergunta. Não, essa tática de virar voto não muda, na prática,  uma disputa. A não ser em situações atípicas, quando surge um grande escândalo ou uma revelação inesperada.

Podemos citar um exemplo?

O caso Lurian na eleição de 1989 (Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha então não reconhecida por Lula. O episódio foi explorado no horário eleitoral pelo PRN), quando Lula e Fernando Collor encabeçavam as intenções de voto. Esse episódio representou uma perda de eleitores para Lula. No último debate entre eles, Lula estava muito abalado e seu desempenho foi fraco. Na época, acompanhei no Ibope o tracking, que apontou, pela primeira vez,  o desempenho das intenções de voto. Pudemos ver claramente a mudança na curva das intenções de votos. Esse tipo de mudança é rara, mas acontece. Pode ser também que os eleitores, por conta própria, abandonem um candidato pouco competitivo. É o que vai acontecer.

O que vemos nos debates é mais uma troca de acusações do que a exposição de ideias. Nesse ponto, entrevistas feitas pelo Jornal Nacional, da TV Globo,  ou pela CNN foram muito mais reveladoras. Acha que o formato do debate está gasto?

Sim, está. O debate como o conhecemos surgiu nos Estados Unidos e, hoje, pesquisas mostram que o debate tem pouca importância na escolha de um candidato. Tanto que, lá, é muito comum a conquista de eleitores através do contato direto, em que o eleitor é surpreendido pela vista de representantes de um ou outro candidato. O debate serve para confirmar preferências.

Qual o lado positivo de um debate?

O lado positivo é o de tirar o candidato de uma situação autoprogramada. O candidato está ali, ao vivo, e situações como o nervosismo tiram o candidato da sua zona de conforto, não tendo o amparo de estratégias de campanha formatadas por marqueteiros, por exemplo. O debate mostra se o seu candidato saiu-se bem ou não.

Temas ambientais estão nos programas de governo, mas raramente são explorados nos debates. Quando se vai atentar para a urgência desse tema?

Esse é um tema que se impõe. E Bolsonaro sentiu na pele seu isolamento no mundo por ter negligenciado tais questões. É claro que, no momento atual, com a crise pós-pandemia, questões como inflação, a pobreza e a fome são dominantes. A Opinião Pública está convencida de que é preciso tratar de questões como desmatamento e a mudança do padrão energético. Em 92 (época da Rio 92), precisávamos treinar jornalistas para lidar com os temas ambientais, que, na época, eram muito pouco explorados. Lembro de uma capa da National Geographic chamando atenção para as mudanças climáticas e que, na ocasião, achamos que era exagero. Não, não era exagero.

As mudanças já se fazem presentes quando chovem pedras de granizo do tamanho de bolas de golfe…

Você sabe que, na época do Furacão Katrina (2005), perguntei a cientistas se ele já era consequência das mudanças climáticas, e eles responderam que era cedo para dizer. Hoje, vemos esse furacão, o Ian, que passou por Cuba e chegou aos Estados Unidos com uma força assustadora. É claro que isso é um efeito das mudanças climáticas. Essa preocupação, que parecia distante lá atrás, não é trivial. Estamos num momento de não retorno e precisamos agir e pensar considerando a expectativa de vida.

 

 

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