‘O patrimônio cultural é uma fonte de crescimento econômico’

abril 17, 2022

Olav Schrader, superintendente do Iphan no Rio de Janeiro, fala do trabalho após as chuvas em Petrópolis e em unir a sociedade em prol do patrimônio público

Olav Schrader dedica-se há 15 anos ao estudo do Patrimônio Cultural Brasileiro.  Ele já andou pelo mundo e a experiência profissional em 22 países levou-o a ver realizadas experiências em prol do bem público. Voltou ao Brasil em 2012 e ingressou, em 2019, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tornado-se, no ano seguinte,  superintendente do Iphan no Rio de Janeiro. Na ocasião, deu de ombros aos predicados usados para derrubar a indicação do seu nome e segue seu caminho. Quando as chuvas castigaram o centro de Petrópolis em fevereiro, cancelou compromissos e lá foi ele avaliar os estragos e coordenar os trabalhos que ainda estão em curso. A fim de cortar gastos, a sede do Iphan deixou o Teleporto e está de mudança para o Paço Imperial. Ele tem na matemática, uma ciência lógica, a base que o leva a somar em prol de ações que beneficiem preservação e o bem-estar social. “Não pode haver preconceito contra as forças da sociedade civil, os investimentos privados, os projetos de utilização virtuosa”, defende ele nesta entrevista ao NEW MAG.

Quando nomeado para a Superintendência do Iphan, no Rio de Janeiro, seus detratores o acusaram de ser olavista, monarquista e nazista. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Digo que tem a mesma coerência de ser chamado de vegano carnívoro, flamenguista vascaíno ou algo assim. Hoje, passados quase dois anos, eu entendo que não havia nada pessoal nesse linchamento, até porque quem propagou esses rótulos vociferantes não teve a mínima curiosidade de analisar meu histórico. Creio que a resposta cabe, socráticamente, numa pergunta: quais os interesses por trás das pessoas que se sentiram  tão ameaçadas a ponto de ter que partir pra este tipo de gritaria?

Petrópolis sofreu muito com as chuvas recentes. O centro daquela cidade é praticamente todo tombado. Qual o saldo do trabalho realizado pelo Iphan em relação àquele patrimônio?

O primeiro momento foi de aguardar os trabalhos de resgate de corpos e das intervenções emergenciais e humanitárias. Agora, estamos na fase de elaboração sistemática de diagnósticos, tendo em vista que se trata de um universo de cerca de mil imóveis na área do centro e cerca de 10 mil no entorno. Nosso chefe do escritório técnico em Petrópolis, Thiago Fonseca, tem encarado este trabalho colossal com coragem, determinação e profissionalismo raramente vistos. A presidência do órgão, em Brasília, também disponibilizou rapidamente os recursos que pedimos para poder fazer o mapeamento aéreo da região, voltado especificamente para o patrimônio cultural. Isso permite agilizar a elaboração de diagnósticos, e, principalmente, permite também que possamos avaliar áreas que permanecem inacessíveis até hoje ou que não oferecem condições de segurança à nossa equipe.

A sede do Iphan no Rio vai ocupar o Paço Imperial. Até que ponto essa mudança vai afetar ou não o uso daquele local como centro cultural?

Estamos muito animados com a mudança. O Paço, que é um imóvel cedido pela União ao Iphan, permite diversas sinergias, não apenas como ícone histórico, mas também como atração turística, como opção de gastronomia e cultural. A instalação da Superintendência chega para agregar e, creio, vai ajudar também a trazer mais vida ao conjunto tombado da Praça XV. Uma das prioridades da nossa gestão é apoiar iniciativas e buscar parcerias para que o centro histórico do Rio de Janeiro, que é uma joia sem similares, possa superar esta fase desafiadora de esvaziamento e atrair atividades e investimentos que permitam sua preservação. Outro aspecto, muito positivo, é a economia de dinheiro público usado num aluguel comercial, no Edifício Teleporto. Agora, esses recursos serão redirecionados para benfeitorias em patrimônio histórico tombado.

O Iphan cuida do patrimônio artístico, histórico, cultural e paisagístico. Recentemente o senhor lançou o conceito de “patrimônio biológico” ao apoiar a permanência de gatos no Campo de Santana. O que esse tipo de patrimônio significa?

O patrimônio cultural pode ter, por definição, várias “camadas” por assim dizer. Vivemos numa cidade que tem sua paisagem, seus imóveis históricos, seus habitantes, que tem suas tradições e manifestações culturais… Tudo isso coexistindo ao mesmo tempo. Para que um bem seja reconhecido é necessário um vínculo de afeto e de significado acumulados através das gerações, ao qual a sociedade atribui valor. A colônia de felinos no Campo de Santana, juntamente com as cotias, os patos, os pavões, é uma dessas “camadas” já assimiladas e valoradas pela sociedade ao longo de muitos anos. Elas estão também integradas aos magníficos jardins de Glaziou e ao palco histórico da aclamação de Pedro I e da Proclamação da República. Lançamos o conceito de patrimônio biológico no Brasil, como mais uma dessas “camadas” que podem compor um bem de patrimônio histórico. Esse conceito já existe na Europa. A Torre Argentina em Roma é, por exemplo, um bem tombado histórico no qual uma colônia de felinos é reconhecidamente parte integrante do conjunto protegido pela administração pública italiana. Foi então que partimos para um trabalho de campo pioneiro para registrar a interação dos gatos com o entorno e logo elaborar notas técnicas que pudessem orientar o processo.

Prédios de grande valor arquitetônico no Centro do Rio estão sendo cobiçados pela iniciativa privada. O que o futuro reserva a esses prédios históricos tão queridos pelos cariocas?

Há bens que são obviamente inalienáveis, ou que já têm um uso definido com a devida previsão de manutenção e conservação por parte do poder público. Para prédios históricos, tombados e queridos, necessariamente existe a obrigação de serem protegidos e preservados, independentemente de quem tenha a gestão sobre o bem. A cobiça imediatista, a especulação desenfreada, sem visão do valor agregado que uma ambiência urbana harmônica representa, acaba sendo um mau negócio a médio e longo prazos. Se centenas de milhares de brasileiros curtem ir a Paris, a Budapeste, a Brugge, a Praga e a Veneza é porque, nessas cidades, ficou muito claro que, longe de ser um ônus, o patrimônio cultural é uma fonte de crescimento econômico, sob regras que são respeitadas visando o bem-estar coletivo e a preservação do legado histórico. O ordenamento público e o investimento privado não devem ser opostos, e, sim, complementares. No Brasil, aparentemente, existe ainda a ilusão de que o poder público pode estar em todos os lugares de relevância histórica, arcando com todos os custos, com a administração e o uso de um conjunto de dimensão continental, quando nenhum país do mundo é capaz de executar a contento esta tarefa. Não pode haver preconceito contra as forças da sociedade civil, os investimentos privados, os projetos de utilização virtuosa, pois são estes que geram, efetivamente, os recursos necessários para preservação e para uma real inclusão social.

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