‘O Carnaval já precisava ser repensado’

março 11, 2022

Carlinhos Brown fala em entrevista sobre os 10 anos como técnico do 'The Voice Brasil', defende o respeito às religiões de matrizes africanas e revela a vontade de criar algo com Rihanna e com Beyoncé

Carlos Brau já era um percussionista requisitadíssimo quando, em 1989, os versos de “Meia lua inteira”, sua canção gravada por Caetano Veloso, entrou na trilha da novela “Tieta”, da TV Globo, e ganhou o país. O músico passou a ser requisitado também como compositor. Antonio Carlos Santos de Freitas virou Carlinhos Brown (e, em 2003, Carlito Marrón no mercado latino) e iniciou, a partir dos anos 1990, parcerias com nomes como Marisa Monte e Arnaldo Antunes, com os quais viria a formar Os Tribalistas. O tempo só fez bem ao artista, às voltas agora com um novo trabalho, “SIM.ZÁS”, no qual revisita alguns dos seus sucessos de outros carnavais. O álbum marca também os 60 anos do cantor, para quem “sempre é tempo de começar e recomeçar”, como atesta em entrevista ao NEW MAG. Falando em recomeço, Caetano Veloso gravou no seu álbum mais recente, “Meu coco”, o samba-reggae “Noite de cristal”. Gravada por Maria Bethânia em 1988, a faixa ganhou de Brown na época um acompanhamento percussivo feito com a boca. Pois o tal acompanhamento (“Abandadolodum”) é reproduzido por Caetano na sua gravação, mostrando que Brown é (e sempre será) mais que inventivo: único no que faz.

Pelo segundo ano consecutivo, o Carnaval de Salvador foi cancelado. Como você recebeu esta notícia?

Sabíamos da necessidade de não desfilar o Carnaval nas ruas, e nos movimentamos para fazer emergir uma compreensão de extrema importância, a de que o Carnaval existe em nós e não tem data marcada para acontecer. Recebi a notícia já consciente de que há, acima de todas as coisas, nossa responsabilidade com a saúde e com a educação. Haverá o momento de voltar com a festa como queremos e merecemos. E precisaremos levar também às ruas, todos os aprendizados desse período. O Carnaval já precisava ser repensado há muito tempo. Então ganhamos uma nova chance de transformar o que é necessário para que ele possa voltar a acontecer, de uma forma mais organizada e ainda melhor do que antes.

Há, infelizmente, ainda muita intolerância religiosa no Brasil e você tem uma forte ligação com Candomblé. Você já sofreu preconceito por suas crenças religiosas?

O preconceito é sempre resultado de desconhecimentos. Por isso, a educação. Ela é a saída possível para as transformações sociais que precisamos. A palavra preconceito já se autodefine, tratando-se de uma prévia, um olhar torto sobre algo que precisa ainda ser conhecido, para ser compreendido e conceituado. As religiões de matriz africana falam sobre o mundo, sobre a natureza de tudo que é vivo, e resguardam  a potência das sabedorias ancestrais, passadas de geração em geração através da oralidade e dos exemplos. A intolerância religiosa no Brasil é fruto desses desconhecimentos sobre o próprio país, e sobre a História do mundo, que tem a África como berço. Para seguir adiante buscando melhores momentos, a humanidade precisa conhecer para não tolerar, mas respeitar essa identidade ancestral.

A música brasileira é muito rica e os estilos musicais entram e saem da moda. A Axé Music continua na moda?

O Axé existe antes e depois das modas. Ele precede os conceitos, e a música denominada Axé Music é na verdade um movimento em contínua transformação, existindo sobre bases ancestrais musicais que tocam e cantam as origens do mundo, repercutindo como fundamento para a criação de outros gêneros musicais que compõem essa riqueza brasileira, diversa, plural que somos. O Axé que conhecemos a partir do Carnaval está em estado clássico, pois é muito difícil um movimento estar vivo e contínuo por mais de 35 anos. Conheço poucos que permaneçam assim na História da música mundial, e com atores vivos.

Como compositor, você teve músicas gravadas pelas cantoras Gloria Estefan e Omara Portuondo, entre outras. Há algum cantor/cantora internacional que você gostaria que gravasse uma canção sua?

Tem muitos artistas com quem gostaria, sim, de desenhar novas parcerias. Além das divas que você citou, também tive músicas cantadas por Katy Perry, e por outros grandes nomes da música internacional, como Black Eyed Peas etc. Foi de grande emoção ver Katy Perry cantando “Magalenha” na abertura do Rock in Rio em 2011, e ter feito parceria com Siedah Garrett, uma supercompositora, a que mais escreveu músicas com Michael Jackson, por exemplo. Então, estou sempre à disposição desses artistas que queiram trabalhar comigo, e meu coração está sempre aberto para aprender, sobretudo porque a música é um mundo dentro do mundo, onde não há fronteiras.  Mas gostaria de fazer algo com Rihanna, que conheci no Brasil, na Copa do Mundo, e também com a Beyoncé, que também é muito interessante em tudo o que faz. Mas isso depende muito das oportunidades e das químicas.

Há dez anos você integra a banca de técnicos do “The Voice Brasil”. Ter que eliminar um candidato é muito dolorido? Que conselho você dá aos cantores iniciantes?

As despedidas são sempre difíceis, mas nós sabemos e procuramos também mostrar a esses participantes, que, ali, é uma primeira etapa para novas oportunidades e possibilidades. Como o próprio programa diz, os sonhos não envelhecem. Sempre é tempo de começar e recomeçar, pois todos os dias amanhecemos para o novo. O conselho é sempre seguir o canto, mesmo quando a vida nos oferecer melodias tortas. Conhecer e acreditar no seu propósito, e independentemente das tempestades da vida, ofertar o melhor de si para colorir o mundo. Fazer parte da família The Voice é uma grande honra. Ter a oportunidade de viver momentos incríveis e transformadores na vida de tantos talentos, que passam por aquele palco, reverbera também em minhas transformações pessoais, compondo assim um lindo repertório de felicidades.

Crédito da foto: Alessandra Tolc

 

MAIS LIDAS

Posts recentes

Nada de podre

Personalidades prestigiam o musical “Alguma coisa podre”, que aporta no Rio após ser aclamado em São Paulo

Ele tem a força

O desenhista norte-americano John Romita Jr, da Marvel Comics, volta ao Brasil como grande estrela da CCXP24