‘Não tenho escutado nada que me emocione’

maio 18, 2022

Byafra celebra 40 anos de carreira e critica artistas que priorizam views às canções.

A década de 1980 foi propícia ao surgimento e consolidação do gênero pop-rock na cena musical brasileira. Um dos talentos surgidos naquela época é o cantor Byafra, cujo nome artístico, originalmente grafado como ‘i’, veio do apelido cunhado nos tempos de colégio,  numa relação entre sua magreza e a antiga república africana. Byafra emplacou temas em novelas e fez o país cantar com ele “Leão ferido”, sua parceria com Dalto, e “Sonho de Ícaro” (Piska e Claudio Rabello). Ambas estão presentes nos seus shows até hoje – e ai dele se não as cantar! De lá para cá, consolidou seu nome na seara romântica, sendo gravado por intérpretes como Roberto Carlos, Simone, Ney Matogrosso e Chitãozinho e Xororó. A pandemia levou o artista a adiar as celebrações por seus 40 anos de carreira, mas o isolamento foi produtivo: criou com antigos e novos parceiros as canções do EP “Perigoso paraíso”, lançado este ano. Elas estarão no show que ele apresenta nesta quinta (19), no Teatro Rival Refit, onde finalmente comemora suas quatro décadas na música. O repertório trará sucessos (“Leão ferido” e “Sonho de Ícaro”, claro), além de canções de companheiros de geração, como Ritchie e Lulu Santos. Byafra está feliz por voltar aos palcos. “Vivo com o que ganho nos meus shows”, diz o artista em entrevista, por telefone, ao NEW MAG.

O show tem um sabor especial por marcar seus 40 anos de carreira. O que o público pode esperar desse show

Esse show era para ter acontecido dois anos atrás e precisou ser adiado em razão da pandemia. Estava em Cartagena, de férias, quando soube que as casas de espetáculos precisariam ser fechadas. O jeito foi esperar e aproveitei esse tempo para compor. No repertório, apresento as faixas do meu novo EP, apresento alguns sucessos e canto músicas de alguns companheiros de geração, como o Lulu (Santos) e o Ritchie, além de sucessos da Jovem Guarda.

A Jovem Guarda foi uma influência para você como para outros companheiros de geração

Não. Na adolescência eu não ouvia Jovem Guarda. Eu curtia rock progressivo e MPB. O Roberto (Carlos) entrou na minha vida alguns anos depois…

Ele chegou a gravar canções tuas. Uma vez ele telefonou para você e o teu funcionário achou que era trote. Como foi ter uma canção gravada pelo Roberto

Meu caseiro atendeu o telefone e, do outro lado da linha, alguém se apresentou como Roberto Carlos. Imagina como não foi para o meu caseiro?  O fato de o Roberto cantar algo meu me deixou muito feliz. Isso foi consequência de um trabalho dedicado à música. Da mesma forma que aconteceu poderia não ter acontecido, e o fato de ter acontecido foi muito bom.

E o que você canta do Lulu no show?

Canto “O último romântico”. Foi por causa do Lulu que uma música minha entrou na trilha de uma novela. Ele trabalhava na Som Livre com o Guto (Graça Mello) e mostrou a ele “Helena” e foi a primeira música minha a entrar para uma novela (“Marrom glacê”, de 1979). Ficamos próximos uma época e chegamos a compor juntos. Acabamos seguindo caminhos diferentes. Ele se manteve num estilo mais dançante, que é uma marca dele, e eu fui para o caminho da música mais romântica.

Você já compôs algo que preferiu não gravar por achar que era a cara de um determinado artista

Todas as vezes que isso aconteceu deu errado. Alguns intérpretes não querem aquilo que você tem a mostrar, mas o que você ainda não fez. Os cantores querem ser pegos de surpresa por algo que não tenha sido feito ainda. Muitos funcionam assim.

No Brasil, é comum atribuírem a autoria da canção ao intérprete que a consagrou. No caso de “Sonho de Ícaro” é muito comum falarem que você é o autor da música não

Muito. A música é do Piska e do Claudio Rabello. Uma vez, numa entrevista para a Record, perguntaram o que eu queria dizer com a letra. Respondi que essa pergunta deveria ser feita ao Claudio Rabello, autor da letra (risos).

 “Leão ferido”, outro grande sucesso seu, foi gravada na década de 1990 pela Simone.  Como é ver uma canção consagrada ganhar uma nova roupagem?

Os grandes intérpretes se apropriam da música e dão uma nova cara a ela. E foi assim com a Simone, que é uma grande intérprete, sem sombra de dúvida. Ela se apropriou da canção e deu a cara dela. A minha gravação é mais pop, com arranjo do Lincoln Olivetti, enquanto a dela ficou mais encorpada, com arranjo do Chiquinho de Moraes.

A vida do artista é cheia de altos e baixos. Dá para viver no Brasil de direitos autorais?

Vivo com o que ganho nos meus shows. Não dá para viver no Brasil com o que se ganha de direito autoral. A arrecadação dos direitos é muito surrupiada por essa indústria digital. E isso é consequência desse pensamento neoliberal que tomou conta de tudo. Ficou pior com esse governo, mas isso já vem de governos anteriores. Quando surgiu o Creative Commons havia aquela proposta de o compositor abrir mão dos seus direitos. Tudo isso era conversa fiada. Na época em que o (Gilberto) Gil era ministro (da Cultura, no primeiro mandato do então presidente Lula), o Fernando Brant escreveu uma carta tratando dessa questão. Ela terminava com uma frase da Cacilda Becker que tem muito a ver com esse assunto. A frase é “Não me peça para dar a única coisa que tenho para vender” (a frase ficava impressa nas bilheterias dos teatros onde a atriz se apresentava). Essa questão precisa ser repensada e mais discutida.

Há algo na nova cena musical que tenha chamado a tua atenção?

Eu sinto essa nova geração da música muito preocupada em obter visualizações e seguidores, muito preocupada com um estratagema para o sucesso, quando a preocupação principal deveria ser a música. A canção, que é o mais importante, não está sendo valorizada. Quando comecei, com meus 17, 18 anos, a minha preocupação era com a música, com o que resultaria dela, e o sucesso seria uma consequência disso. Vejo as novas gerações muito preocupadas em ficar ricas e isso é consequência desse pensamento neoliberal, pautado pela grana e pelo lucro. E isso faz com que me desinteresse pelo que acontece no showbiz e fique mais voltado para mim. Não tenho escutado nada que me emocione.

Em que momento você se deu conta de que tinha uma voz privilegiada e que seria cantor?

Eu sempre duvido de mim. A voz do cantor muda com o tempo, fica mais grave, encorpada. Quando comecei, tinha voz de adolescente. Entrei na faculdade, em 2005, para ter um conhecimento teórico da música e para aprender também sobre como lidar com a minha voz, adquirir uma consciência vocal. Cada idade pede um tom certo para cantar. A voz tem quatro inimigos: o stress, o álcool, o fumo e o tom errado.

E se não fosse a música…

Não vejo outra alternativa. Nos tempos do colégio, tínhamos um coral nas aulas de música, que eram muito pautadas pelo ensino da teoria, e eu era aquele aluno que me rebelava contra isso. Tempos depois, o professor quis retomar o coral e me chamou. Perguntei o porquê de ele me chamar, e ele disse que foi porque chamei a atenção dele para o fato de que a metodologia dele precisaria mudar. Ele tinha de chamar nossa atenção com música para, em seguida, vir com a teoria. Meu interesse pela música vem da própria música em si.

Crédito da imagem: Lívio Campos.

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