‘Não acho que minha interpretação encaretou’

dezembro 23, 2022

Luiz Fernando Guimarães fala do aprendizado com os filhos, da troca com Fernanda Montenegro e como lida com as novas gerações

A comicidade é uma marca latente em Luiz Fernando Guimarães. Ela o acompanha desde sua primeira aparição nos palcos, como integrante do Asdrúbal Trouxe o Trombone, grupo que fez História no teatro brasileiro, e segue indelével. Ela foi fundamental para ele imortalizar no imaginário (e no coração) do público personagens como o Reginaldo (“Como uma deusa”…), da “TV Pirata”, e o Rui de “Os normais”, entre muitos outros. Aos 73 anos, o ator passa a vida a limpo em “Eu sou uma série de 11 capítulos, a autobiografia” (Globo Livros). E vive na vida real um papel que já experimentara na ficção: o de pai. E a comicidade está lá, na intimidade da família, para sorte de Dante e Olívia, filhos também de Adriano Medeiros, companheiro do ator. As crianças acompanham o ator nos bastidores de cada novo trabalho e ajudaram a aflorar outra característica do pai: a de cuidador. “Cuidei dos meus pais e dos meus irmãos, cuido da minha vida financeira e das pessoas que trabalham comigo”, reconhece ele nesta entrevista, por vídeo, ao NEW MAG.

Um dos seus muitos papéis marcantes na TV foi o Jorge Horácio de “Minha nada mole vida”, que entrevistava personalidades em eventos. A atração já fazia uma crítica a esse culto às celebridades, que só fez crescer de lá para cá. Como você lida com essas pessoas que se tornam famosas sem terem construído um nome ou uma carreira?

O Jorge Horácio tinha uma vida dupla, entrevistava supostas celebridades e gostava desse universo. Eu me dou muito bem, de um modo geral, com as gerações mais novas. Não acho que todo mundo tenha de vir do teatro. Algumas pessoas surgiram na televisão e talvez não tenham conhecimento de teatro e outros tenham. Quem sou eu para fazer uma autopsia, digamos assim (risos), das pessoas? Acho que cada um tem o seu ramo, sua interpretação… Eu louvo todos os atores. Acho que, no segmento artístico, temos grandes atores que se comunicam muito bem através da televisão, e outros, do teatro.

Um dos seus grandes sucessos teatrais foi a comédia “Fica comigo essa noite”, na qual você fazia um morto e o público chegara para o velório, sendo recebido pela Débora Bloch aos prantos. Qual a situação mais inesperada vivida por vocês numa das apresentações?

Na TV Pirata, Débora e eu fazíamos a Shirley e o Euclides e ficávamos muito tempo na cama porque gravávamos de três a quatro episódios por dia. Até que sugeri a ela de fazermos alguma coisa juntos. A gente vinha cada um de um grupo e nos conhecíamos desde os tempos de Baixo Gávea. Débora foi a Nova York procurar uma peça, e eu, para São Paulo, e encontramos o “Fica comigo essa noite”, peça do Flávio de Souza com a Marisa Orth e o Carlos Moreno. Procuramos o Pedro Paulo Rangel para dirigir, mas o Jorge Fernando foi quem abraçou a ideia e foi incrível! Na época, a Marília Pêra disse para mim que duvidava que eu ficasse quieto na cama durante 20 minutos. Disse que iria tentar e, de fato, o máximo que consegui ficar foi dez minutos, que era o tempo que a Débora recebia o público.

Em entrevistas ao New Mag, Ney Latorraca e Claudia Raia contaram que os bastidores da TV Pirata eram tão divertidos quanto as gravações. Conte algo divertido que tenha vivido com aquela turma.

A TV Pirata foi um marco na vida de todos nós. Trouxemos para a televisão um grupo de teatro e éramos uma turma muito unida. Gravávamos às segundas e às terças, das duas da tarde às duas da manhã, a turma toda. Éramos cinco homens e cinco mulheres, cada um com um estilo de interpretação e ficávamos no camarim enquanto os outros gravavam. Aprendemos muito sobre os nossos personagens, pois palpitávamos sobre os papéis uns dos outros, sugerindo acessórios e isso foi um aprendizado incrível. Nos intervalos, o Ney Latorraca fazia imitações e o (Marco) Nanini – e principalmente ele – fazia guerra de travesseiros e coisas extraordinárias. Isso quando não trocávamos de personagens. O (Guilherme) Karan fazia, por exemplo, o médico e eu, o delegado. Se precisasse sair mais cedo, pedia para ele fazer o delegado que eu renderia  ele com o médico no dia seguinte. A gente tinha uma autonomia muito grande, fora o fato de sermos muito amigos. Era muito bom estar ali.

Você costuma trocar mensagens pelo whatsapp com a grande Fernanda Montenegro. De bate-pronto: conta um episódio dessa troca em que a Fernanda tenha te feito gargalhar.

A Fernanda se considera minha mãe pelo fato de, segundo ela, eu ter lançado a Nanda (Fernanda Torres) na televisão, quando foi o contrário: a Nanda é que me deu credibilidade nos Normais. Pelo fato de ela não ser muito conhecida, a Vani tinha mais credibilidade do que o Rui, já que eu vinha de outros personagens na TV. A Fernanda é muito grata a mim, diz que é minha mãe e me chama de filho. Ela descobriu, há muito pouco tempo, o whatsapp e, então, me manda mensagens enormes, sempre contando o seu dia. Claro que isso não é todo dia, mas quando ela está inspirada. Não que sejam divertidos, mas é que a Fernanda é engraçada por si só. Ao mesmo tempo em que ela tem uma ironia, ela tem uma verdade enorme. Então, é uma dádiva quando recebo um whatsapp dela. Tento manter um diálogo, mas ela demora um pouco, mas responde e é sensacional.

O que o Luiz Fernando ator aprende de mais comovente com o Luiz Fernando pai?

Aprendo demais com meus filhos. Primeiro, eles são assíduos em todas as peças que faço, desde os bastidores. Eles gostam quando colocam microfone em mim, a Olívia me ajuda com a maquiagem e o Dante é muito bom com tecnologia. Eles me acham muito gozado, mas eles também são. Então, na intimidade, a gente brinca de interpretar, o que acho muito sadio. Eles vieram para contribuir na minha interpretação, pois sempre junto características familiares aos meus personagens. Eu não tinha o personagem pai, somente na ficção, e agora sou um pai na realidade. Sempre fui cuidador: cuido do meu sítio, da minha casa, cuidei dos meus pais e dos meus irmãos, cuido da minha vida financeira e cuido das pessoas que trabalham comigo. Meus filhos vieram contribuir para esse cuidador vir mais para fora.

Observando o mundo e as pessoas, você acha que evoluímos ou encaretamos?

As pessoas têm me perguntado muito isso no âmbito artístico. Não sinto que encaretei como ator. Não sinto policiamento ao meu redor e mantenho minha coerência. Se fizesse o Rui hoje ele seria exatamente igual. Acho que ele não teria censuras até porque eu não me censuro. Tenho um filtro para não constranger o público. Esse filtro o ator tem de ter, principalmente na comédia que é uma faca de dois gumes. Você pode brincar com tudo e tudo tem um limite, mas esse limite não vem de fora como uma censura. Sou eu comigo mesmo. Pode ser que o mundo tenha encaretado, mas não eu. Não acho que a minha interpretação encaretou. Se tivesse de fazer “Os normais” faria exatamente igual, claro que acrescentando coisas porque os tempos passam.

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