‘Minha crença no país é a da esperança’

maio 6, 2022

Erasmo Carlos fala sobre amadurecer, elogia Lulu Santos e critica a situação do país e como os poderosos lidam com a Ciência

Erasmo Carlos ganhou de Rita Lee o apelido de ‘Gigante Gentil’, motivado por seu 1,93m de altura. O epíteto inspirou, anos mais tarde, uma música e um álbum de mesmo nome. A alcunha tem a ver também com a cordialidade do artista, característica que o acompanha desde meados dos anos 1960, quando ele e suas músicas ganharam o país impulsionados pela Jovem Guarda. Na década seguinte, o romantismo deu o tom na parceria musical com Roberto Carlos, fazendo desse cancioneiro a trilha sonora nas vidas de brasileiros das capitais aos rincões do país. Erasmo é romântico sem nunca perder a pegada roqueira. Nas suas canções, falou do que quis, com leveza e objetividade. Atento e atencioso, abraçou artistas surgidos nos anos 1980 e os das décadas seguintes, como Adriana Calcanhotto e Pitty. Aos 81 anos, mantém o vigor e a jovialidade ao revisitar a Jovem Guarda em seu novo trabalho, marotamente intitulado de “O futuro pertence à… Jovem Guarda”. E, com ele, volta às ribaltas após os dois anos de isolamento imposto pela pandemia. No domingo (08), sobe ao palco do Qualistage, na Barra da Tijuca, como um presente não somente às mamães, mas a todos os seus fãs, que se renovam a cada dia. “E, assim, vou sobrevivendo”, diz ele ao NEW MAG, nesta conversa por telefone, na qual falou do presente, do seu legado e do… futuro, dele próprio e do país.

Você chegou aos 80 em 2021, juntamente com outros companheiros de geração como o parceiro Roberto. Completar este ciclo pesou? Como você se vê hoje?

Esse processo de envelhecer faz parte de uma transformação natural. Chegar aos 80 não é diferente de chegar aos 79 ou aos 81. O homem com alguma sabedoria já espera e se prepara para essa transformação. Porque envelhecer é uma merda! A cabeça continua jovial, mas o corpo não. E isso faz com que, por dentro, estejamos putos da vida. Mas a banda toca assim, e a música é essa. É esse o ritmo. Não adianta se lamentar. O lance é estar preparado para essa transformação, que é natural.

E o bom humor ajuda, não?

Com certeza. O cara que acha que vai viver eternamente acaba amargo e sofre muito. Acaba consumido pelo ódio, ódio do mundo, ódio de Deus, ódio dele mesmo. Um sujeito assim acaba morrendo antes mesmo de morrer.

O cancioneiro com o Roberto inspirou projetos  gravados por vários artistas. A primeira foi Nara Leão, em 1977. Depois, vieram Maria Bethânia, Roberta Miranda, Lulu Santos e, mais recentemente, Nando Reis. Há algo em algum desses trabalhos que despertou sua atenção para seu próprio legado?

Todas as homenagens sempre se revelaram surpresas muito positivas. Dependendo do artista e do seu estilo, a canção vira outra. Um cara como o Lulu Santos transforma a música, e ela vira outra. É muito bonito isso de você ter uma obra que acaba sendo revisitada por artistas os mais variados. Além dos que você citou, houve homenagens de nomes como Agnaldo Timóteo, Cauby Peixoto, o pessoal do sertanejo, do pagode… Isso mostra a força que a obra tem. Quando essas homenagens acontecem são prêmios. E acabam por trazer novos públicos.

Em 1976, você gravou “Queremos saber”, de Gilberto Gil, que fala sobre adventos tecnológicos e o futuro da humanidade. Esse futuro virou presente… Estamos lidando bem com ele?

Não. A gente não sabe nada, bicho! A cúpula que conduz o mundo hoje o faz de forma errada. Os avanços da ciência e os da tecnologia deveriam ser unicamente em prol do bem-estar da humanidade. Deveria ser assim e não é. Aí, uma pandemia pega a todos de surpresa. É um sinal de decadência um país ter de vender vacinas a outro, quando o uso desse bem deveria ser comunitário. Tá tudo errado! As pessoas deveriam ser cuidadas com carinho e competência por aqueles que estão acima de nós. Mas a gente só sabe o que eles querem. Tanto é que, volta e meia, surge algum dado novo sobre Watergate (escândalo político que culminou com a renúncia de Nixon da presidência dos EUA em 1974) ou sobre o muro de Berlim (que separava a Alemanha socialista da capitalista, derrubado em 1989).

E já que falamos do Gil, como viu a entrada dele, um artista da tua geração, na ABL?

Vejo como uma grande alegria para toda a classe artística. A ida dele para a ABL representa uma quebra de tabu e de barreiras. Da mesma forma que quando eu me apresentei no Municipal com um show de rock (em 2011, quando Erasmo comemorou 50 anos de carreira). Quando dei por mim, pensei: “o cara da Tijuca no palco do Municipal! Puta merda, é isso mesmo?” As caixas de som não podiam ultrapassar um determinado volume para não danificar os arabescos do teatro. Esses episódios são vitórias que servem para derrubar tabus e desmistificar o que está estabelecido como regra. No caso do Gil, é como se um de nós vestisse o fardão e isso é um puta de um reconhecimento!

Nesses tempos, impossível não lembrar da tua gravação de “Nunca pare de sonhar”, de Gonzaguinha, que traz os versos “Fé na vida, fé no homem\ Fé no que virá”. Como anda a tua crença no Brasil?

Minha crença no país é a da esperança. Vejo o Brasil com imenso carinho e espero ser correspondido nisso. A gente passa por períodos ruins, depois por melhores e depois, novamente, por ruins… Mas o que estamos vivendo hoje é insuportável! Nojento, até.

Posso perguntar em quem vai votar?

Nem te falaria. Mas eu quero que o Brasil melhore.

Você tem alguma saudade dos tempos em que, ainda garoto, na Tijuca, curtia Elvis e Little Richard. Há algo que gostaria de fazer e que a fama te impediu?

Não sou saudosista de nada. Tudo o que vivi foi lindo. A descoberta do Elvis, o surgimento da Jovem Guarda, tudo isso passou e foi lindo. Vivo o agora. Não fico preso ao passado, não.

Já que falamos do passado e do presente, se o futuro pertence à Jovem Guarda, qual o futuro de Erasmo Carlos?

Meu futuro é debaixo do chão (risos). Meu futuro é o agora. Não faço contas a longo prazo. Nunca fiz, aliás. Não faço planos. A melhor estratégia é viver o presente. Vou atuando e, assim, vou sendo visto e lembrado. E as coisas vão surgindo. Tenho o privilégio de ter uma obra, que vai sendo descoberta pelas novas gerações e, quando você vê, tem novos fãs. O que é antigo vira novo para eles. E, assim, vou sobrevivendo.

Crédito da imagem: Gustavo Costa.

 

MAIS LIDAS

Posts recentes

Nada de podre

Personalidades prestigiam o musical “Alguma coisa podre”, que aporta no Rio após ser aclamado em São Paulo

Ele tem a força

O desenhista norte-americano John Romita Jr, da Marvel Comics, volta ao Brasil como grande estrela da CCXP24

Ele vai fundo

Túlio Starling fala daquele que será seu primeiro protagonista na TV e das séries que estrelará este ano