‘Me preocupa esse retrocesso’

julho 29, 2022

Marieta Severo fala sobre diferenças de gerações e das relações com filhas, netos e do país de hoje

Marieta Severo é um patrimônio cultural brasileiro. Uma das mais respeitadas atrizes do nosso país, ela nos arrebata em seu mais novo trabalho: o longa “Aos nossos filhos”, que chega às salas de cinema nesta sexta (29). No filme, dirigido por Maria de Medeiros, a atriz vive Vera, presa e torturada durante a ditadura militar e que, hoje, precisa resgatar a relação com a filha (Laura Castro), que tem um casamento homoafetivo e pretende ser mãe. Marieta criou três filhas – Sílvia, Helena e Luísa, todas adultas e mães – e hoje curte os netos, sendo a maioria deles mulheres. Inspirados pelo longa (sensibilíssimo), trouxemos essa grande atriz para outro lugar de fala que não o da carreira vitoriosa nos palcos e nas telas. Nesse bate-papo com NEW MAG, ela fala das relações com as filhas, os netos e com o Brasil de agora. Com vocês, a extraordinária Marieta Severo:

Você faz no filme uma mulher esclarecida que, no campo do comportamento, é diferente da mulher que você se tornou. Como foi para você construir essa personagem?

Foi muito interessante mergulhar nesse universo de preconceitos de uma mulher da minha geração, uma mulher batalhadora, guerreira, com todo um sentido de liberdade institucional, de liberdade para o país, que foi contra a ditadura e até pegou em arma. Ela tem toda essa consciência, mas, ao mesmo tempo, no quesito dos costumes, ela não acompanhou as mudanças que ocorreram. Então, é bonito esse embate de gerações. E graças a Deus não tive problema quanto a isso! Faço parte de um grupo da minha geração que não tinha preconceito em muitos sentidos, em diferentes esferas, podemos dizer assim, em relação a escolhas, à sexualidade, a todas as questões referentes às escolhas e às liberdades individuais. Acompanhei o que havia de mais progressista na minha geração.

Você criou suas filhas e ajudou a cuidar da sobrinha (Bebel Gilberto) e da Janaína (filha de Leila Diniz) num tempo em que o machismo era muito vigente. Hoje, todas são adultas e estão estabelecidas nas suas carreiras. O que mais te dá orgulho nesse resultado?

Acho que a correção de seres humanos que elas são. Elas são extremamente corretas, com um sentido de humanidade, de muito respeito com o ser humano, da relação com o próximo numa sociedade mais igualitária. E acaba que elas criam os filhos delas também de uma maneira muito bonita. Fico impressionada, inclusive, com a diferença da qualidade do bastão passado da minha geração para a delas, e da delas para a geração das filhas delas.

Em que momento na educação das filhas a Marieta foi conservadora?

Vou precisar parar para pensar… Em algum momento certamente. Esses bastões que vão sendo passados – e o filme fala muito disso — muitas vezes esse atavismo todo te pega num momento em que você não imagina. O que eu sei pelo depoimento delas que fui uma mãe que deu muita liberdade e que confiou nas filhas. Falo muito para elas: eu confiei muito em vocês. Quando via que o caminho escolhido era um pouco estranho, sabia que elas não iriam ficar, que iriam sair.

Dá um exemplo de um assunto que era tabu para a sua geração e que deixou de ser entre vocês…

A liberdade de se falar sobre sexualidade hoje em dia. Para a minha geração esse era um assunto menos livre do que vejo que é agora entre mim e as minhas netas. Que bom que esses espaços se ampliaram!

Como é a conversa com suas netas?

Converso muito com elas e fico abismada com a consciência que têm da realidade em que vivem e da liberdade que têm. As conquistas todas das mulheres beneficiam também meu neto (o músico Chico Brown), que tem consciência sobre o que é o machismo. Essas mudanças beneficiam a todos e, no caso delas, são conscientes sobre as conquistas das mulheres. A forma como elas exercitam isso, como isso é natural na vida delas, me enche de orgulho.

A Marieta avó estraga mais ou educa mais?

As duas coisas um pouquinho para ser bem honesta (risos). Sou muito atenta a não estragar, mas, quando vejo, estou dando uma estragada sim. É porque não é essa a minha responsabilidade. Eu tenho muita confiança na formação dada pelas mães deles. Então, posso dar uma estragadinha maneira que tudo bem.

O filme relaciona momentos do passado da tua personagem com o do país de hoje. O que mais te preocupa no Brasil de hoje?

O que me preocupa é esse retrocesso em todos os sentidos da vida brasileira: no sentido institucional, nos costumes… Voltamos a viver no século XVIII! Acho que isso é passageiro. Essas coisas que vêm, de forma tão avassaladora e tão terrível, dão ao mesmo tempo mais consciência da importância dos espaços de liberdade, tanto a institucional quanto todas as outras liberdades, que acabam reforçadas. Tenho esperança e fé de que o caldo do bom Brasil está engrossando. E ele virá!

Crédito da imagem: Eny Miranda

 

 

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