‘Já quis e já não quis ser mãe’

dezembro 30, 2023

Natália Lage celebra 35 anos de carreira e fala sobre amadurecimento, abusos e defende a autonomia da mulher sobre seu corpo

Natália Lage é de uma cepa de talentos que cresceram – na vida e na profissão – sob os olhares do público. A menina que despontara na TV como garota-propaganda, encarou, aos 9 anos, seu primeiro papel na TV. E sob as bênçãos de dois monstros sagrados: Tarcísio Meira (1935-2021) e Glória Menezes. Tal estreia não poderia ser mais benfazeja, pois Natália trilhou um caminho que faz ela ser, aos 45 anos, respeitadíssima (e aclamada) na profissão na qual foi colocada – e pela qual tomou gosto. Tanto é que volta aos palcos em janeiro na elogiada montagem de “Sra Klein”, na qual, sob a direção de Victor Garcia Peralta, brilha juntamente com Ana Beatriz Nogueira e com Kika Kalache. Com a peça, a atriz celebra 35 anos de uma carreira que a faz vitoriosa como mulher e profissional. “Sou muito apaixonada pelo que faço”, reflete ela nesta entrevista, por telefone, ao NEW MAG. Natalia fala, a seguir, sobre amadurecimento, abusos, a relação com os pais e revela ter congelado os óvulos para o caso de querer ser mãe.

Em “Sra Klein” você vive uma jovem psicanalista em conflito com a mãe, uma psicanalista consagrada, de quem vinga-se tornando-se paciente do inimigo dela…

Cuidado para não dar spoiller (risos)…

…O fato de trabalhar desde bem cedo te permitiu viver esses conflitos familiares típicos?

Tenho um temperamento low profile e minha natureza é pacificadora. Outro fator que me ajudou muito: faço análise, entre idas e vindas,  desde os 17 anos. Fiz quatro anos, parei,  depois fiz outros sete anos e assim fui. Minha natureza é gregária e não sou uma pessoa de conflitos. Questionei meus pais muitas vezes, mas sempre com tranquilidade. Se perdi etapas da minha infância, tudo bem, isso para mim está de boa hoje em dia.

Nunca houve nenhum drama ou mágoa em relação às escolhas deles?

Fui colocada na profissão e, na medida em que amadureci, fiz minhas escolhas. Cheguei a brigar com a TV na adolescência e, por isso, engordei, tudo num processo inconsciente. Houve uma época em que resolvi mergulhar no teatro e produzi algumas das peças em que atuei. Até porque não vim do teatro e nunca tive essa preocupação de ser uma atriz profunda. Hoje percebo essas coisas e acho graça delas. Tive a alegria de passar por tudo isso sem romper com o afeto.

Nomes como você, Danton Melo e Angélica cresceram sendo observados pelos telespectadores. O que você já precisou fazer para não se sentir vigiada?

Sou uma escorpiana com ascendente em Sagitário. Sempre fui mais fechada e soube me preservar. Quando você vai a um restaurante sozinha, você não é somente uma mulher almoçando sozinha, mas uma atriz da TV. Outra coisa que me incomodava muito era ter de dar entrevista e ter opiniões sobre tudo o tempo todo. E eu tinha de falar sobre drogas e sobre virgindade quando eu estava ainda elaborando a minha própria relação com esses temas. E, justamente por isso, já falei muita merda em entrevistas (risos).

Já quis ter filhos ou não tê-los é uma questão resolvida para você?

Já quis ser mãe e já não quis também. Tenho meus óvulos congelados para o caso de querer vir a ser, mas não sei te responder.  E vou me dar a liberdade de não saber. A gente vai querendo tantas coisas ao longo da vida… Acho que a mulher faz o que bem quiser do seu corpo e da sua vida. Não sou de levantar bandeiras. Nesse quesito, sou mais hippie do que panfletária.

Você começou na TV trabalhando com Tarcísio Meira e com Glória Menezes, dois monstros sagrados, numa série inovadora. Qual o maior ensinamento deixado pelo Tarcísio?

Eu tinha 9 anos quando trabalhei com eles, e as lembranças que tenho são as de uma criança. Lembro que o Tarcísio era muito brincalhão. Ele tinha essa dualidade de aliar profissionalismo ao fato de também não se levar muito a sério e isso foi muito importante para mim.

Juliana Martins, que começou cedo na TV, relatou num monólogo um episódio de assédio vivido por ela. Hoje, há vários tipos de assédio. Qual a barra mais pesada que enfrentou?

Como eu tenho esse jeito meio moleca, nunca reparei quando essas coisas aconteceram. Hoje, percebo que aquele abraço recebido lá atrás foi mais demorado do que o normal e, olhando para trás, percebo que sempre saí pela tangente diante dessas situações. Nunca houve algo que fizesse com que me sentisse abusada ou coagida. E a hora é mesmo a de se falar sobre esses temas. A cada roteiro que leio, atento para o fato de ele ser machista ou se está aliado a questões racistas ou ferir as conquistas LGBTQIA+.

Temos em comum a paixão pelo Caio Fernando Abreu. Você já  estrelou dois espetáculos a partir de contos dele e o conheceu. Qual recordação mais afetuosa você traz dele?

Eu tinha uns 14, 15 anos quando descobri a literatura do Caio e foi paixão à primeira vista. Era uma literatura muito moderna, muito livre e apaixonada. Ter conhecido ele foi um presente da vida. O Gilberto Gawronski, diretor do espetáculo, nos aproximou, e ele foi à nossa estreia no Teatro José de Alencar, em Fortaleza, e nos aproximamos ali. Tempos depois, ele dedicou um conto a mim e me cita em outro de seus textos. Foi muito importante isso de um ídolo meu ter me olhado e ter me percebido.

Você completa 35 anos de carreira. Como na canção, começaria tudo outra vez?

Sim e de novo e de novo, com o coração cheio de alegria. Sou muito apaixonada pelo que faço. E, como em toda relação apaixonada, às vezes sou tomada pelo ódio, como acontece com qualquer pessoa. Interpretar é a minha cachaça.

Crédito da imagem: reprodução / Instagram

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