‘Gosto de fazer comédia porque é onde me sinto melhor’

abril 22, 2022

Miguel Falabella fala sobre sua ligação com o humor, relembra o 'Vídeo show' e conta sobre a série para o Disney +

Miguel Falabella já era multitarefa quando tal termo sequer existia. Sua colaboração para o teatro brasileiro é imensa, como sua paixão pelo ofício, que abarca trabalhos como ator, diretor, produtor, dramaturgo e tradutor. Ao lado de nomes como Vicente Pereira, Mauro Rasi e Jorge Fernando, todos de saudosa memória, Miguel criou o que ficaria conhecido como Teatro Besteirol, que ganhou os palcos motivado pelos ares mais leves trazidos pelo fim da ditadura no país. Ao mesmo tempo em que se manteve fiel ao humor, aprimorou-se como autor e um exemplo disso é o da comédia “A partilha”, um marco do teatro e um divisor de águas na sua vida  como nas das atrizes que estrelaram a primeira versão da montagem (Arlete Salles, Susana Vieira, Natália do Vale e Thereza Píffer). Não satisfeito, tornou-se apresentador de TV, veículo para o qual também colaborou como autor, escrevendo desde quadros para o TV Pirata a novelas como “Negócio da China” (2008) e “Aquele beijo” (2011). Irrequieto e novidadeiro, marca território também no streaming, sem abrir mão do palco, onde pode ser visto na comédia “A mentira”. O amor pelo ofício vem d’ O Tablado, onde aprendeu com Maria Clara Machado (1921-2001) sobre a importância de respeitar e reverenciar o teatro, como ele conta nesta entrevista ao NEW MAG.

Você fez parte do movimento Besteirol, que marcou os anos 80 no Brasil e foi até objeto de estudo acadêmico. Que lembranças você guarda daquela época?

Eu acredito que o Besteirol, essa onda de humor que varreu o palco carioca e brasileiro, e o movimento que aconteceu em vários lugares do mundo – diga-se de passagem – era um fenômeno extremamente jovem. Na época, éramos todos muito jovens, com muita energia, muita vontade de estar em cena e um pouco tristes e engessados, ainda que não tivéssemos vivido a ditadura. Eu ainda cheguei a pegar ensaios com censura, mas não vivi os horrores da ditadura militar como uma geração acima da minha viveu. Então, nós queríamos trazer de volta de alguma forma o humor para o palco e foi esse o Besteirol. Éramos todos amigos, jovens atores, lutando por uma carreira. A minha relação com o Besteirol foi estranha porque eu estreei dirigindo “Emily”, com a Beatriz Segal, que é um espetáculo completamente “convencional”, muito bonito e cuidadoso. Era uma caixinha de música e Beatriz fazia muito bem. E depois, com (Guilherme) Karan, faço “Falabella e Karan Finalmente Juntos e Finalmente ao Vivo”, que era um delírio que já tinha acontecido aqui em São Paulo com Ricardo (de Almeida) e Miguel Magno, que acontecia em Nova York com o Ridiculous Theatre. Também a Movida Madrileña. É engraçado esse inconsciente coletivo mundial, as coisas vão acontecendo em vários lugares do mundo, tudo isso foi pipocando porque o mundo mudava e a gente queria rir, queria ser jovem, queria brincar e celebrar a vida. Eu tenho lembranças maravilhosas do Besteirol porque todo mundo era duro, tudo mundo literalmente brigava pela sobrevivência, então trabalhávamos muito sempre, fazíamos pequenas participações, mas sempre com muita alegria, com risos e muita gente talentosa junto. Eu tive esse privilégio, uma coleção maravilhosa de amigos extraordinários.

 ‘A Mentira’, espetáculo  em que você atua, dirigiu e traduziu, é uma comédia. Você tem muitas comédias no seu currículo. Você acredita que público brasileiro tem mais interesse pelas comédias do que pelo teatro trágico?

Eu acho que a boa comédia não é uma coisa que se faça buscando. Você é engraçado ou não. Eu sempre fui engraçado, mas é claro que meus anos de estrada me permitiram aprimorar técnicas e tempos teatrais. A comédia vive do tempo teatral, se você não é uma pessoa que tem tempo, que tem ritmo no falar, no expressar, dificilmente fará uma boa comédia. Gosto de fazer comédia porque é onde me sinto melhor, onde eu exercito minha área de brilho, mas faço tudo. Talvez não faça tão bem quanto, mas tento fazer de tudo. Não sou muito chamado (para montagens dramáticas), mas quando sou, faço com prazer. Sou profissional, vim do (Teatro) Tablado e aprendi com Maria Clara Machado a importância desse respeito e essa reverência ao teatro. Eu acho que a comédia chega mais facilmente nas pessoas, uma mensagem mais direta. É claro que as investigações sobre o ser humano, as nossas angústias metafísicas, precisam e devem ser retratadas, já que o teatro é o espelho de uma civilização. Ambas as coisas são muito difíceis, precisam de técnica e aprimoramento. Ver um ator tentar ser engraçado é tão patético quanto assistir a um canastrão perdendo o tom num drama. Mas eu acho que a gente consegue chegar lá. Cada um vai buscando e nós temos bons diretores aqui no Brasil, principalmente no teatro, que sabem nos guiar. Mas, de um modo geral, o público – não é um público brasileiro, o do mundo inteiro – prefere a comédia. Afinal de contas, o riso é a gasolina do espírito.

Em breve vamos ver ‘O Coro: Sucesso, Aqui Vou Eu!’, a primeira série musical brasileira, criada e estrelada por você, que será exibida pelo Disney+. Era um desejo antigo de escrever uma série musical?

Eu sempre tive muita vontade de escrever uma série musical porque fico muito preocupado em ver os clássicos da música brasileira deixarem de ser cantados. É claro que os novos talentos são bem-vindos e necessários, mas a gente não pode abandonar a sucata daquilo que somos. Eu queria fazer um musical em que jovens cantassem esses nossos clássicos. A série é, inclusive, um pretexto para que se arquive algumas pérolas da MPB cantadas por jovens de uma nova maneira e com um novo olhar, mas mostrando a harmonia da nossa gente. Era essa a ideia que eu tinha, e a Disney + foi muito parceira em me apoiar nessa ideia. Estou muito satisfeito e feliz. Acho que estamos fazendo um lindo trabalho.

Por que você acha que as novelas no Brasil não têm a mesma audiência que tinham há décadas passadas?

Eu acho que a perda de audiência não é um problema das novelas, mas do mundo. O audiovisual se pulverizou, a maneira de fruí-lo é outra. O mundo virou outro mundo muito rapidamente, e as pessoas vão se transformando. A novela vai se transformar com certeza. Talvez fique mais curta, não sei, mas acho que vai se transformar. As pessoas diversificaram – e muito! – o seu olhar.

Você apresentou o Video Show, na  TV Globo, por quinze anos, com grande sucesso. Além de apresentar o programa, você respondia às cartas dos telespectadores. Na maioria das vezes, qual era o teor destas cartas? Você lembra de alguma carta absurda que tenha recebido?

O Vídeo Show foi, na verdade, um grande presente que o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) me deu. Eu só fui entender isso muitos anos depois. Eu nunca tinha sido apresentador, eu era ator. Ele tinha uma visão do programa, e lembro de o Boni me dizer que as pessoas tinham que ficar à vontade comigo, tinham que achar que eu estava falando para elas, sentado ali no sofá da casa delas. Então, eu sempre tentei estabelecer uma pessoa falando com os telespectadores, não o ator, mas o Miguel Falabella. E aí obviamente que eu acabei criando um laço com pessoas da minha geração que lembram do “Vídeo Show” até hoje, que falam, que escrevem. As pessoas escreviam barbaridades. É claro que eu respondia às cartas mais absurdas, aquelas que me xingavam, mas era uma brincadeira, um momento de humor. Teve de tudo no “Vídeo Show”, ele foi uma grande fatia da minha vida, com Cissa (Guimarães), “a garota que quebra o coco, mas não arrebenta a sapucaia”, e Renata Ceribelli. A gente fez muita coisa legal ali.

Do que você tem saudade?

Eu sinto saudade de muita coisa. Sinto saudade do início do besteirol, dos primeiros sonhos, das primeiras conquistas. Mas é uma saudade boa, de revisitação e reverência. Graças a Deus, eu não sinto saudade de mim, porque a gente vai se transformando ao longo dos anos e, obrigatoriamente, tem que aprender a se gostar em cada nova fase. Não tenho saudades de mim, mas olho curiosamente para aquele rapaz que tinha sede de realizar coisas.

Crédito da imagem: reprodução instagram

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