‘Gal me cedeu o falsete dela’

julho 14, 2023

O cantor Zé Ibarra, do Bala Desejo, fala do projeto solo, do encontro com Gal e do futuro da banda e da carreira

Zé Ibarra desde muito cedo já mostrava vocação para a música. Aos 6 anos, pediu aos pais uma coleção de discos de nomes como Michael Jackson (1958-2009), Diana Ross e Barry White (1944-2003). Os anos se passaram, e ele começou a tocar percussão e, logo depois, chamava atenção para seu timbre de voz, afinado e diferente. Em 2014, a Dônica, banda que revelou jovens talentos como Tom Veloso. Cinco anos depois, juntou-se a Milton Nascimento em participações na turnê “Clube da esquina”, do ídolo. Com o início da pandemia, a vida de Zé mudou completamente. Ele e os amigos Dora Morelenbaum, Lucas Nunes e Julia Mestre resolveram morar juntos. Dessa junção de talentos, surgiu o grupo Bala Desejo, que ganhou prêmios importantes como o Grammy Latino. Em entrevista por Zoom ao NEW MAG, o cantor falou sobre o novo projeto solo “Marquês, 256”, prólogo do álbum que será lançado ano que vem, do pânico que teve em criar arranjo para Gal Costa (1945-2022) e do futuro da carreira. 

Você lançou recentemente o projeto “Marquês, 256”, gravado no prédio onde passou a infância e onde cresceu no Rio de Janeiro. Por que esse lugar pautou a concepção do trabalho? 

Sempre foi uma vontade minha ter um registro ali porque sempre foi algo natural para mim. Nasci para a música junto daquele lugar, naquele lugar. Primeiro tocando percussão, depois violão e, em seguida, comecei a cantar. Por acaso, comecei a abrir essa parte de mim na pandemia, e o público tomou gosto pelas lives na escadaria do prédio, assim como eu. O lugar envolve muito carinho desde o começo da minha vida e na pandemia teve essa dimensão somada, se tornou algo público. Tive um pouco de medo porque não se grava um disco na escada. São infinitas variáveis, como cachorro passando, criança gritando, elevador subindo, mas, no final das contas, o limite cria o conceito. Lidar com um infinito de possibilidades é um pânico. Quando você limita a coisa você tem mais possibilidade de ser criativo. 

Julia Mestre também está lançando um trabalho solo. Houve alguma troca ou colaboração de um no trabalho do outro? 

São trabalhos muito diferentes, cada um com suas particularidades. O dela é muito dela e o meu, muito meu. Há uma troca infinita e diária entre mim e a Julia. Estamos juntos praticamente todos os dias. Ela e Dora são minhas melhores amigas. Têm duas músicas nas quais participo como compositor no disco da Julia, “Clama floresta” e “Deusa inebriante”. A gente conversa muito sobre conceito, vontades, qual é o som do futuro, do passado. A Julia tem esse lado mais eletrônico no disco dela, mistura MPB antiga com o que está por vir. 

O Bala Desejo ganhou prêmios importantes como o Grammy e, mais recentemente, o Prêmio da Música Brasileira. Essas chancelas mudaram a sua relação com a música? 

Esses troféus mudam minha relação com o mundo, mais ainda, mudam a relação do mundo comigo. Lembro que quando ganhei o Grammy e cheguei no quarto do hotel, em Las Vegas, deitei na cama com a Dora. Olhamos para cima, depois de toda aquela festa, naquele momento de silêncio pensei “Nossa, agora tenho um Grammy”. O que eu era e o que eu sou agora? A mesma coisa, não muda absolutamente nada, mas para o mundo muda. Para a pessoa que é agraciada com o prêmio fica a tarefa de lidar com isso. E lido com a maior simplicidade do mundo. O prêmio é fruto do meu trabalho, não tem nada a ver comigo e sim com o que faço, não o que sou. Fico muito feliz de ter ganhado, confesso que é bom, as pessoas ficam mais atentas ao seu trabalho. Um prêmio te dá voz e força política.

Você participou da última turnê do Milton Nascimento e gravou com Ney Matogrosso. Qual o saldo de trocar com artistas tão experientes?

O saldo é positivíssimo. Quando um gênio, uma pessoa que fundou você como músico e como ser humano lhe estende a mão, você pensa “Uau, se ele está fazendo isso por mim, é porque tem alguma coisa boa aí”. A gente se autoboicota o tempo todo, fica inseguro, mas neste momento, quando o Milton me entrega parte do show para cantar com ele, vem uma voz de convencimento que diz “Está tudo certo”. É como o Tim Bernardes fala, tudo está melhor do que parece. É um reflexo subjetivo interno. É um enorme aprendizado, assim como observar Caetano de perto, como se comporta, como fala, como pensa ou o Ney, com a jovialidade intocável dele. É um momento, além de observação, de estudo e de afeto.

E como foi cantar com a Gal, que integrou o Doces Bárbaros, grupo que é uma das principais influências do Bala?

A Gal foi a artista que mais ouvi na minha vida, desde pequeno. Fiquei muito nervoso. A gente não se encontrou, foi durante a pandemia. Me pediram para fazer o arranjo da faixa e eu travei. Fiquei um mês sem conseguir ter ideia, pressionado porque era a Gal. Faltando dois dias para entregar, peguei um avião para São Paulo para gravar no piano que gosto muito de um amigo meu. Gravei a música inteira tocando piano ao vivo e mandei. Ela adorou, ainda bem. Toquei “Meu bem, meu mal” do Caetano, só que fiz uma modulação no meio, para que eu cantasse no grave e ela, no agudo. Gravei uma voz guia para que ela entendesse onde estava cada parte. Quando ela ouviu a faixa de demonstração, pediu para que eu cantasse no agudo e ela no grave porque adorou o meu falsete. A Gal Costa me cedeu o falsete dela, foi muito f*da. Depois disso participei de um show dela cantando “Baby” e foi uma coisa louca. 

O Bala participou do novo trabalho do Rubel. Quais nomes da atual cena musical chamam a tua atenção?

Tim Bernardes, Sophia Chablau, Dora Morelenbaum, que está vindo com um disco inacreditável, se preparem. Gosto muito de Tangolo Mangos, Ana Frango Elétrico, outra amiga minha, e dos Gilsons, meus amigos também. 

Depois do disco que será lançado ano que vem, você vai sair em turnê solo em paralelo a agenda da banda Bala Desejo?

Vou sim. Todos nós da banda estamos planejando focar um pouco nas carreiras solo, desbravar, depois voltamos para o estúdio para gravar mais um projeto do Bala. Vamos seguindo assim, atuando como equipe. 

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