‘Fiz a escolha de existir plenamente’

setembro 15, 2023

Bruno Fagundes estrela espetáculo sobre direitos LGBTQIA+ e fala de sexualidade, da agressão a Victor Meyniel e da relação com os pais

Bruno Fagundes conhece há muito a dedicação necessária para um ator exercer seu ofício. Filho de Antonio Fagundes e de Mara Carvalho, viu desde criança os pais desdobrando-se entre expedientes nos estúdios e nos palcos. Foi, como se diz, um “rato de coxia”. Ele cresceu e, dedicado e obstinado, trilhou um caminho próprio. No início do ano, assumiu publicamente sua sexualidade e, desde então, reverbera pautas importantes relacionadas aos direitos civis, temas que também leva ao teatro. Aos 34 anos, Bruno realiza uma empreitada que lhe exigiu muita perseverança. Ele e o diretor Zé Henrique de Paula levam aos palcos “A herança”, do norte-americano Mathew López. São 13 atores em cena numa encenação de seis horas de duração, dividida em duas sessões (duas noites, portanto) com três horas cada.  O público embarcou na proposta e, em São Paulo, o espetáculo ficou seis meses em cartaz atraindo mais de 25 mil pessoas. No Rio de Janeiro, onde a peça estreia neste fim de semana (no Clara Nunes, Shopping da Gávea), o feito tem tudo para se repetir. “Digo que o teatro é o último reduto da Humanidade. Duvido que seja o Tik Tok”, comenta Bruno, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. O ator falou sobre as consequências de se assumir publicamente, sua reação à agressão sofrida pelo ator Victor Meyniel e sobre o aprendizado com os pais artistas.

A peça aborda temas como reconhecimento de união homoafetiva, adoção e novas famílias. Com qual deles você mais se identifica?

Dentre esses temas, o que talvez mais me afete seja o do reconhecimento da união, por estar novamente sendo questionado atualmente. A peça trata de questões de Direitos Civis e vai além deles ao tratar sobretudo de humanidade. Meu personagem, o Eric, tem um companheiro que é muito vaidoso, com valores diferentes dos dele, e o Erik acaba por perder a casa onde mora e se vê tendo de mudar de vida. O cuidado para não perdermos nossa humanidade talvez seja um dos mais importantes temas da peça.

A peça trata também do gap entre a geração que perdeu amigos para a Aids e a de agora.Como você vê o fato de os jovens não mais se protegerem em razão dos avanços científicos?

A peça tem esse olhar para o passado e nos leva a olhar também para o futuro. Não à toa o título é “A herança”, pois ela discute como podemos honrar o legado dessas pessoas que vieram antes e abriram caminho para termos os direitos que temos hoje. De fato, não vivenciei, como meus pais, a perda de amigos. O vazio que fica disso não conheço, é algo que não entendo, o que não me faculta a ficar indiferente a isso. Há uma herança de dor e de delícia que temos nas mãos e é preciso saber a melhor forma de lidar com ela.

São 13 atores em cena, num texto de um autor estrangeiro apresentado em duas sessões de três horas cada… Pensou em desistir da empreitada?

Muitas vezes eu e o Zé Henrique (de Paula, diretor do espetáculo e sócio na produção) fomos chamados de doidos (risos). Houve um momento em que quase desistimos, pois tínhamos os direitos sobre o espetáculo, e as coisas não avançavam. Até que, de uma hora para outra, o patrocínio saiu, atores se interessaram em estrelar a montagem, e as coisas caminharam. Estreamos em São Paulo onde, ao longo de seis meses, o espetáculo foi visto por mais de 25 mil pessoas. O teatro tem essa mágica. Quando as coisas têm de acontecer uma força faz com que aconteçam.

Uma frase proferida pelo ator Victor Meyniel foi o estopim para a ira do agressor: “Achei que você fosse assumido”. Como vê o fato de, em pleno ano de 2023, jovens gays terem ainda dificuldade de sair do armário?

Na noite em que soubemos desse episódio, nós, do elenco, nos reunimos para entrar em cena, nos abraçamos e choramos juntos. É lamentável que crimes de ódio dessa magnitude ainda aconteçam. Cada um tem a sua vida e se alguém quer ficar no armário isso é uma decisão de cada um. Acontece que nosso orgulho é político e cada um faz a sua escolha. Quando assumi minha sexualidade, fiz com isso a escolha de existir plenamente. Essa foi a escolha que fiz e não poderia fugir dela. Existir já é difícil, envolve bastante tristeza , então a vida tem de ser plena.

Com o que foi mais difícil de lidar na hora de assumir sua sexualidade publicamente?

Há sobre mim um olhar público, por eu ser filho de um ator famoso, então meu nome será muitas vezes associado à minha sexualidade. Tudo bem, estou seguro em relação a isso. Há no país uma série de dificuldades estruturais. Não contamos de fato com uma proteção do Estado ou uma consciência da sociedade como um todo. Então é preciso se posicionar e falar abertamente sobre esses direitos. Para mim, viver seria pior sem fazer isso.

A decisão trouxe algum ônus no sentido de perder um contrato ou trabalho?

Até onde eu saiba, não, até porque homofobia é crime.

Você já teve oportunidade de contracenar no teatro com seus pais. De bate-pronto, como colegas de profissão, qual o maior aprendizado tido com a Mara e com o Fagundes?

Minha mãe é, além de atriz, uma tremenda dramaturga e diretora. O olhar que vem dela é sempre diagnóstico. Tem momentos que até cobro se não dá para ela ser coruja uma vez na vida ao menos (risos). Minha mãe me ajudou muito. Tenho com ela uma troca muito saudável.

E com o Fagundes?

Trabalhei com meu pai na TV, no cinema e, no teatro, onde atuamos juntos ao longo de nove anos… Com ele o principal aprendizado é o de que temos uma relação profissional sólida e de muita confiança.

Você já estrelou clássicos do teatro e peças de autores da atualidade. O que te move a fazer teatro hoje?

Digo que o teatro é o último reduto da Humanidade. Onde mais, nos dias de hoje, você pode reunir 400, 500 pessoas numa sala, sem celular, e com as quais pode trocar ideias? Onde mais faria isso? Duvido que seja no Tik Tok! O teatro ainda é esse lugar onde é possível estabelecer um ambiente de troca. Vemos isso nas reações das pessoas, que vem falar conosco após o espetáculo. Continuo acreditando no potencial transformador do teatro.

Crédito da imagem: Fábio Audi

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