‘Eu sou atriz, quero bons personagens!’

maio 27, 2022

Claudia Raia fala da colaboração ao teatro musical, do marco que Donatela é na sua carreira, relembra a TV Pirata e revela os desejos de estrelar 'Moulin Rouge' e fazer no teatro algo de Nelson Rodrigues

Claudia Raia é uma mulher de muitos predicados e artista de importantes méritos. Um deles é o de resgatar – e ajudar a estabelecer – no Brasil a cultura do teatro musical, algo tão nosso e que remete à tradição do Teatro de Revista. Num país com uma economia instável, a atriz produziu e estrelou musicais genuinamente brasileiros, como “Não fuja da Raia”, e ajudou a realizar versões de títulos estrangeiros como “A pequena loja dos horrores” (que produziu e, tempos depois, estrelou). Ao mesmo tempo em que realizava esse trabalho de formiguinha, usou da TV para mostrar ao grande público que podia ser (muito) mais do que o mulherão que ela é. Foi na telinha que consolidou papéis antológicos como o Tonhão da TV Pirata e o papel-título na série “Engraçadinha – Seus amores e seus pecados”, seu passaporte para outro papel marcante: a Donatela de “A favorita”. Atualmente, ela brilha no musical “Conserto para dois” (com s mesmo), em cartaz no Rio (Teatro Multiplan), no qual divide a cena com Jarbas Homem de Mello, seu companheiro na vida e em muitos projetos recentes. Irrequieta, ela quer mais. No seu próximo musical, vai personificar a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) e quer ainda interpretar no teatro uma peça de Nelson Rodrigues (1912-1980), um dos nossos maiores dramaturgos, como conta nessa entrevista ao NEW MAG.

Você e Jarbas são parceiros na vida pessoal e no palco, sendo que, agora, são só vocês em cena. O que esse trabalho trouxe de mais desafiador  para vocês, como colegas de cena e como parceiros?

Nossa, este trabalho é desafiador em tantos sentidos! Primeiro, porque interpretamos os 12 personagens, e cada um deles tem um figurino, uma partitura corporal, um jeito de falar… Fazemos trocas de figurino muito rápidas, de cerca de 8 segundos. Tudo é milimetricamente calculado para dar o efeito que queremos no palco. Nos ensaios, era muito engraçado porque, às vezes, a gente voltava para cena com a caracterização de um personagem, mas falando como outro (risos). Foram muitos ensaios para deixar tudo afinado. E aqui vale a pena destacar o trabalho da nossa equipe nos bastidores, que nos ajuda a fazer tudo isso acontecer, e do Guilherme Terra, que nos acompanha no piano e é quem narra toda história. Sem eles, esse espetáculo não seria possível. Por isso que, na hora dos aplausos, estão todos no palco! Outro ponto curioso é que, pela primeira vez, Jarbas me dirige. Não digo que isso seja desafiador porque sou uma atriz que adora ser dirigida. E Jarbas é um ótimo diretor de ator. Ele sabe o que quer da cena e sabe como extrair o meu melhor em cena. Como ele me conhece muito, me instiga a fazer melhor. Foi um trabalho delicioso tê-lo como meu diretor.

Hoje há, no eixo Rio-São Paulo, uma cultura estabelecida pelo teatro musical. Você foi pioneira ao reavivar, lá nos anos 1980, esse gênero que tem muito de brasileiro. O que mais te motivou a perseverar e a não desistir?

Acho que minha resposta está na sua pergunta: sempre vi o teatro musical como um gênero que tem muito da nossa brasilidade. Por mais que me dissessem que não daria certo, como o próprio Boni me disse, eu não conseguia acreditar nisso. Amor, o que é o desfile de uma escola de samba senão uma opereta a céu aberto? Como um país que tem uma cultura musical tão forte não ia gostar de teatro musical? E o tempo provou que eu estava certa na minha aposta. Fico muito feliz de ver que temos simultaneamente muitos musicais acontecendo. Isso mostra que não criamos só um público, mas também o mercado para isso. Temos elenco, equipe técnica, teatros para esse gênero… Isso realmente me deixa muito feliz! E agora estamos também vendo cada vez mais musicais 100% brasileiros. “Conserto para Dois, O Musical” é um espetáculo assim. O meu próximo musical, que será sobre Tarsila do Amaral, também será 100% nacional. Isso é muito bonito de se ver!

Donatela, de A Favorita, que está sendo reexibida, foi uma personagem surpreendente pois o público acreditou que era ela a vilã, quando era a Flora. Qual o maior desafio dessa personagem e qual a melhor recordação desse trabalho?

O maior desafio, sem dúvida, foi construir uma personagem que, por 60 capítulos, quase tinha que parecer tanto a mocinha quanto a vilã da trama. Outro desafio foi a construção física da personagem. Eu tive que me desmontar todinha (risos). Sou bailarina clássica, amor. Se tem uma coisa que eu tenho é postura. Mas a Donatela não tinha. Ela era mais corpulenta, tinha movimentos mais brutos, era uma mulher com uma postura mais abrutalhada. Então, esse estudo corporal também foi bem desafiador. Mas valeu muito a pena, porque coube perfeitamente na personagem, ela era realmente assim. Não tinha como fazê-la de outro jeito. O trabalho em si é uma grande recordação da minha carreira. Esse é um dos meus grandes papéis, não tenho dúvidas disso. Costumo dizer que minha carreira tem esse como um dos grandes marcos: antes da Donatela e depois da Donatela. “A Favorita” é uma trama que está no rol de grandes novelas da nossa teledramaturgia. Sem contar que foi nos bastidores desta novela que ganhei minha filhota Mari Xi (a atriz Mariana Ximenes). A novela acabou, mas a nossa relação só se fortaleceu. Levamos esse laço para vida!

Você trabalhou muitas vezes, na TV e no teatro, com o Jorge Fernando, que partiu em 2019. Qual o ensinamento aprendido com ele que você leva para a vida?

Nossa, são tantos ensinamentos! Jorginho Fernando não era só um colega de profissão, ele era meu irmão de alma. Ele me ensinou muito sobre comédia, sobre profissionalismo, pontualidade. De como é importante você estar pronta para chegar e fazer o seu trabalho. Eu sempre fui muito disciplinada — sendo bailarina e filha da minha mãe, não tinha nem como ser diferente (risos). E ele também era assim. Chegava para entregar o melhor trabalho. Ele me ensinou a usar a minha verdade do dia. Eu aprendi a fazer número de plateia com ele, a improvisar, a pegar o melhor daquele público. Pegar o melhor de mim, às vezes estou mais inspirada, menos inspirada, e usar isso a meu favor. Serei eternamente grata a ele por isso.

TV Pirata inovou e fez com que você mostrasse para o grande público a comediante versátil que é. Imagino que vocês se divertissem muito nos bastidores, não? Quem era o mais bagunceiro ali?

“TV Pirata” é um projeto tão especial. Eu pude me desconstruir de uma maneira tão forte. Interpretei o Tonhão quando estava no auge como símbolo sexual no Brasil. Tanto é verdade que não queriam que eu fizesse esse personagem, queriam que eu interpretasse outro, que era a perua. Mas eu bati o pé e disse que queria o Tonhão, que achava que seria incrível fazer e justamente desconstuir essa imagem. Eu sou atriz, quero bons personagens! O Tonhão foi um grande sucesso! Quem era o mais bagunceiro? Amor, você não tem noção do que era gravar com aquelas pessoas. Todo mundo muito talentoso, sabe?! Era muito divertido e também um ambiente de muito aprendizado. Ganhei amigos para a vida toda, como Ney Latorraca, Luiz Fernando Guimarães, Louise Cardoso… Era uma bagunça organizada o set (risos). Porque a gente tinha que entregar o programa. E todos eram extremamente profissionais.

Em tempos de redes sociais e superexposição, você soube preservar a privacidade dos seus filhos. Isso foi difícil?

Foi muito natural para mim porque sempre tive em mente que a pessoa famosa sou eu, não são meus filhos. Sempre que eles apareceram foi por uma vontade deles. Nunca foi algo imposto por mim. E as redes sociais não eram uma realidade quando eles eram crianças ainda. Hoje em dia, eles já são adultos e já sabem aonde querem ir. Não interfiro nisso.

Você já estrelou musicais icônicos como Cabaret e Sweet Charity. Qual grande personagem do teatro musical ainda gostaria de fazer? E qual já quis interpretar e não foi possível?

Pode ainda não ter sido possível, mas será em algum momento (risos). Estou só começando meu segundo ato, amor. Adoraria produzir e estrelar uma montagem de “Moulin Rouge”. Acho que a próxima, que será Tarsila, é uma grande personagem para nossa história, para nossa cultura. Isso me instiga muito a produzir e estrelar esse espetáculo. E não tem só teatro musical. Tenho vontade de interpretar algo de Nelson Rodrigues no teatro. Só fiz Nelson na TV, com “Engraçadinha”. Aliás, sabia que foi por causa desse papel que João Emanuel Carneiro me convidou para viver a Donatela em “A Favorita”? E Engraçadinha foi uma personagem que eu insisti muito para fazer.

 

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