‘Estou com 83 anos, lúcido e fazendo teatro’

maio 19, 2023

Fúlvio Stefanini celebra 68 anos de carreira no palco e avalia sua trajetória, fala sobre etarismo, a relação com os filhos e confessa não ver novelas

Impossível falar da História da TV brasileira sem citar Fúlvio Stefanini. O mesmo vale para a relação do ator com o teatro. É no palco onde ele celebra 68 anos de carreira. Ele está de volta com “O pai”, peça do francês Florian Zeller, na qual é dirigido por Léo Stefanini, seu filho, e que ocupa o Teatro Uol, em São Paulo, até 1º de julho. O papel rendeu-lhe o Prêmio Shell de Melhor Ator. Tal reconhecimento legitima um artista que sempre esteve por inteiro nos papéis que lhe foram confiados, imortalizando tipos como o Tonico da versão original da novela “Gabriela”, exibida pela TV Globo em 1975.”O seu Tonico é melhor do que o meu”, ouviu de ninguém menos do que o grande Jorge Amado (1912-2001), autor do romance no qual o folhetim foi inspirado. “Criei meus filhos com o meu trabalho no teatro e na TV (,,,) e tenho muito orgulho disso”, avalia ele, nesta entrevista ao NEW MAG, num retrospecto da própria trajetória. Uma carreira que faz dele um dos mais importantes artistas do nosso país.

Você é pai de dois filhos homens e os educou num tempo em que não se falava ainda de masculinidade tóxica, como agora. Como avalia o pai que foi?

Sou filho de italianos e, em se tratando de pais europeus, cresci numa casa com hábitos mais rígidos. O tempo passou, e eu tinha já 30 anos quando meus filhos nasceram. Alguma coisa do que fui acabou influenciado na educação que dei a eles, mas é claro que a vida vai mudando e, quando você tem um pingo de sensibilidade, você se atualiza. Fui um pai atento, amoroso e preocupado com o futuro, com o que eles viriam a ser, sem influenciá-los nas escolhas. Faço teatro a vida inteira e acabou que eles se tornaram artistas. Tudo bem. Fui um pai simples e moderno na medida do possível.

Você é dirigido pelo Léo, teu filho. Até que ponto a intimidade atrapalha ou ajuda no processo artístico?

Essa foi minha primeira preocupação: a de não impor minhas ideias, não deixar que a figura paterna resvalasse durante os ensaios. Essa preocupação logo caiu por terra porque conseguimos estabelecer um distanciamento dos papéis de pai e filho. Éramos um ator e seu diretor. Conseguimos deixar de lado a relação familiar e isso foi muito bom.

Nesses 68 anos de carreira qual o maior orgulho?

O da própria carreira. Comecei aos 15 anos, como figurante, sempre querendo aprender, sempre empenhado. Não tinha conhecimento sobre a carreira quando comecei e fui tentando, e as coisas foram acontecendo naturalmente. Tive oportunidade de trabalhar com atores muito talentosos, com os quais aprendi muito. Talento e vocação são importantes, mas é necessário também um pinguinho de sorte. Criei meus filhos com o meu trabalho no teatro e na TV. Vivo do meu trabalho e tenho muito orgulho disso.

Alguns dos seus papéis na TV eram secundários e acabaram crescendo devido ao teu talento. Você faz valer a máxima de que não existe papel pequeno para um ator?

Acho que todo personagem deve ser interpretado com a maior honestidade e muito rigor. O ator não pode dar vazão ao desleixo no trabalho, que precisa ser feito com muita verdade. Na (TV) Excelsior fui protagonista e, depois de um tempo, encarei papéis que estavam próximos à espinha dorsal das tramas em que atuei. O grande desafio é o de aproveitar as oportunidades. Quando fiz “Gabriela”, o Tonico foi ganhando visibilidade e, hoje, é um dos personagens mais lembrados pelo público. Quando conheci o Jorge Amado (autor do romance no qual a novela foi inspirada), ele me disse assim: “O seu Tonico é melhor do que o meu” (risos), o que me deu uma grande alegria.

Por falar em “Gabriela”, você atuou também em “As pupilas do Senhor Reitor”, novelas que, anos depois,  inspiraram remakes. Como você vê a questão do remake?

Acho a questão delicada, ainda mais quando a primeira versão fez muito sucesso. Teoricamente tratas-se da mesma novela, mas que acaba não sendo feita da mesma forma. Como não vejo novela, não acompanhei o remake de “Gabriela”. Não sou muito a favor de novas montagens. Se a novela deixou uma marca, deixa ela lá na galeria dos grandes sucessos.

Por que não costuma ver novelas?

Nunca fui de ver novelas. É algo que depende do meu envolvimento emocional com aquilo. Assisto a um capítulo sob o ponto de vista crítico, avalio o desempenho dos colegas, a iluminação, a direção da cena… Não estou interessado na historinha e sim no todo daquele trabalho, e acabo não tendo envolvimento emocional para acompanhá-las.

Muito se fala hoje em etarismo. Qual a barra mais pesada de se chegar aos 80 anos?

A realidade é algo da qual não se pode fugir. Esse papo de que envelhecer é ótimo porque te traz experiência é pura balela. Ali por volta dos 60, você começa a sentir dores que vão se tornando suas companheiras e essas coisas são muito chatas. O lado bom é o de saber que vivi bem até aqui. Estou com 83 anos, lúcido e fazendo teatro. Vivo como se tivesse menos idade. O físico é o de um homem de 83 anos, mas a cabeça mantém ainda a vitalidade.

Qual a personagem ou qual o autor gostaria de fazer no teatro e ainda não conseguiu?

Por incrível que pareça nunca fiz um Shakespeare. E sei que não vou fazer…

Como não? Você pode fazer Rei Lear…

É um tipo de teatro que demanda um elenco grande, com uma preparação longa, que te exige muito, num processo complicado e cansativo. Shakespeare é o grande autor que não fiz.

E qual papel gostaria de ter feito e não foi possível?

Queria muito ter feito o Conde de “O canto da cotovia” (de Jean Anouilh), mas não aconteceu e perdi esse bonde. Paciência. Quando esse tipo de coisa acontece, eu deleto e começo a pensar nos próximos personagens.

Crédito da imagem: divulgação

 

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