‘Espero ter saúde para seguir no palco’

dezembro 1, 2023

Marco Nanini fala do reencontro com Gerald Thomas, da TV Pirata, Marília Pêra e das mudanças na sua rotina

Marco Nanini é aquele tipo de ator que vai fundo no que se propõe. Quem acompanha sua trajetória sabe que essa é (apenas )uma de suas grandes marcas. Ela era visível em “As desgraças de uma criança” (1973), em “O mistério de Irma Vap” (1986), em “O burguês ridículo” (1996) e é latente  em “Traidor”, que apresenta em São Paulo e na qual voltou a ser dirigido por Gerald Thomas após 18 anos. “Gosto de estudar muito, ler tudo o que cerca aquele personagem e aquele universo”, conta ao NEW MAG este que, do alto dos seus 75 anos, é um dos nossos maiores atores. Nanini parou de fumar, está cuidando da saúde e quer pegar mais leve, o que não significa que vá fugir de novos desafios como os do streaming. “Gosto de fazer algo que ainda não tenha feito, algo que realmente vai me provocar e desafiar”, entrega ele nesta entrevista, na qual relembra os tempos de “TV Pirata” e do legado de Marília Pêra (19943-2015), ao lado de quem trabalhou em produções memoráveis.

Você volta aos palcos aos 75 anos, trazendo na bagagem mais de 60 anos de carreira num reencontro com Gerald Thomas após 18 anos. Qual foi a mola propulsora dessa iniciativa?

Eu e Gerald tínhamos feito “Um circo de rins e fígados”, e eu achei que tinha sido ontem, mas já tinham passado 18 anos. Neste tempo, seguimos nos correspondendo de vez em quando, tivemos um projeto de filme que quase saiu e, com a pandemia, voltamos a nos escrever com frequência, quando surgiu a ideia da peça, e ele começou a escrever e me mandar os trechos do que seria o “Traidor”. Desta troca de e-mails entre nós e o Fernando Libonati que foi nascendo o novo espetáculo.

Você teve oportunidade de apresentar “Irma Vap” por longos anos no teatro e, na TV, interpretou o Lineu por muito tempo. O que a permanência traz de vantajoso a um ator, comumente acostumado a lidar com a impermanência?

Tanto no “Irma Vap” quanto na “Grande Família”, que são trabalhos que duraram mais de uma década, a gente sempre se esforçou em não se repetir, mas em também descobrir coisas novas naqueles personagens ou situações a cada dia. É algo permanente, mas também impermanente, já que no teatro nós precisamos começar e terminar todo dia. Em “Irma Vap”, quando eu achava que algo na interpretação estava muito cristalizado, eu gostava de mexer e fazer de outro jeito. Na “Grande Família”, foi interessante poder acompanhar as mudanças daquela família ao longo do tempo. Eu sempre brinco que comecei a fazer o Lineu como pai e terminei como avô. Se a gente não termina a série, eu ia virar logo bisavô (risos).

Nas entrevistas ao NEW MAG, Ney, Diogo, Regina, Luiz Fernando e Claudia Raia falam do tempo da TV Pirata com muito carinho. Um deles disse que você gostava de atirar travesseiros nos colegas. Qual a lembrança mais marcante daquela convivência?

Tenho memórias maravilhosas daquela época. Tinha o quadro dos super-heróis que eu amava fazer. A gravação dele ficava sempre para o final, e o Luiz Fernando Guimarães nos divertia muito na espera. Nos anos 80 e 90, todos nós da TV Pirata dividimos uma época de intenso movimento teatral, com aqueles atores todos da nossa geração em espetáculos muito fortes e de sucesso em cartaz. Volta e meia, as nossas temporadas em São Paulo coincidiam. Eu, Ney Latorraca, Debora Bloch, o Luiz Fernando, Regina Casé, Claudia Raia, Aracy Balabanian, Diogo Vilela e a Louise Cardoso formamos uma espécie de república teatral em São Paulo e costumávamos nos frequentar muito.

Você imortalizou no cinema personagens como Dom João VI, um personagem histórico, e Odorico Paraguaçu, interpretado na TV por Paulo Gracindo. O que norteou o processo de criação desses dois personagens?

Cada personagem tem o seu processo, as suas peculiaridades e as suas referências. Eu gosto de estudar muito, ler tudo o que cerca aquele personagem e aquele universo. Hoje, além dos livros, eu também gosto de fazer pesquisas pelo YouTube. E com essas referências eu vou para o texto para estudar as cenas. Gosto muito de observar animais e crianças, ver as suas reações, que são supernaturais. Às vezes, um gesto ou uma intenção de personagem pode sair dali, desse olhar para eles.

Você contracenou com Marília Pêra em montagens como “A vida escrachada”, “Pippin”, trabalhando com ela, na década seguinte, em  “Doce Deleite”, “Brega e chique” e tendo sido dirigido por ela em “Irma Vap”. No livro, você fala do quão próximos foram e do afastamento de vocês. Fazendo um balanço dessas experiências, qual ensinamento deixado por ela você guarda consigo?

Marília foi uma grande companheira e guardo momentos inesquecíveis de sua presença no palco comigo. Ela tinha um respeito pelo palco e um profissionalismo absurdos, aquela compreensão total do nosso ofício. A nossa parceria se estendeu para a vida pessoal também, a gente tinha uma afinidade absoluta. Infelizmente, tivemos o rompimento, mas eu lembro hoje com muito carinho de tudo o que vivemos.

De bate-pronto: qual personagem teatral gostaria de ter interpretado e não foi possível?  Qual ainda pretende interpretar?

Não tenho muito essa idealização de fazer algum personagem específico, assim como os clássicos. Gosto sempre de fazer algo que ainda não tenha feito, algo que realmente vai me provocar e desafiar no processo e na criação, como foi agora recentemente com o João de Deus, com “As cadeiras” e com o “Traidor”.

Você levou ao cinema uma experiência teatral vivida com a hoje saudosa Camila Amado. O streaming pode ser um meio para que outras experiências semelhantes aconteçam?

Acredito que sim. Nós fomos muito felizes em todo o processo de “As cadeiras”. Foi em plena pandemia e o Fernando Libonati, que dirigiu o filme, teve essa ideia e foi uma maneira de fazer teatro naquele período tão difícil de isolamento. O resultado me agradou demais. Eu sempre procuro assistir. Acredito que o streaming possa nos trazer essa liberdade de pensar em novos formatos e também de experimentar novas linguagens.

Você encarou aos 51 anos o protagonismo na novela “Andando nas nuvens”, já com uma trajetória respeitada. Hoje fala-se muito em etarismo. Arlete Salles me disse querer pegar mais leve daqui para frente. Como o Nanini se vê nos próximos anos?

Eu realmente já não faço mais como antigamente, em que conseguia fazer TV, ir de noite para o teatro e filmar na madrugada. Eu espero ter saúde e fôlego para seguir no palco e tenho me cuidado para isso: parei de fumar, emagreci um pouco e tenho feito fisioterapia e pilates. E agora tenho feito “Traidor” de terça a domingo. É uma deliciosa maratona, mas estar no palco garante ainda um gás a mais para que a gente consiga seguir dando conta.

Posts recentes

Mestre soberano

Edu Lobo sobe a Serra fluminense para apresentar pérolas de seu repertório em show com que celebra seus 80 anos

Realidade e ficção

Martinho da Vila reúne amigos em lançamento de livro no qual divide suas memórias entre dois personagens

Emoções afloradas

Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso aplaudem a prisão de Rivaldo Barbosa ao assistirem a espetáculo no Rio de Janeiro