‘Espero que esse governo seja deposto’

agosto 19, 2022

Angela Ro Ro declara voto em Lula, fala da ajuda na pandemia, de sair do armário e do resgate de talentos

Quando lançou, em 1979, seu LP de estreia, Angela Ro Ro chamou atenção pelas canções autorais pungentes e pelo timbre único. Na faixa “Agito e uso”, se apresentava como “uma moça sem recato” que desacatava autoridade. Ao longo de mais de 40 anos de carreira, uma característica sempre a acompanhou: a coragem. Ro Ro nunca mediu palavras ou se esquivou de qualquer assunto, sobretudo os relacionados à sexualidade e ao comportamento humano. Pagou, muitas vezes, o preço por isso e, a cada fatura, saiu ainda mais fortalecida. Na pandemia não foi diferente: expôs suas dificuldades financeiras sendo acolhida por uma enorme rede de afeto – e não poderia ter sido diferente. Aquela moça do começo da carreira deu lugar, hoje, a uma senhora com mais recato, mas que não foge da raia e fala de tudo, inclusive sobre política. “Fecho com Luís Inácio faça ele a coligação que for”, declara ela, por telefone, ao NEW MAG. Essa é Angela Ro Ro. Recuse imitações.

Durante a pandemia você teve a coragem de expor aos fãs sua situação econômica. Como foi isso para você?

Consegui, ao longo da vida, fazer algumas economias. Como não foi possível fazer shows durante a pandemia – e o artista de música vive dos shows – chegou um ponto em que o dinheiro acabou. Vivo hoje com parcimônia. Roupa é algo que não compro há muito tempo. Mas tenho despesas básicas, um funcionário que depende do meu trabalho e uma ex-funcionária, com quem tenho o compromisso de ajudá-la. Me proponho a ser correta e não penso só em mim. O inventário do apartamento dos meus pais ainda está em curso e não tenho o que vender. Então, não tive dúvidas, e a alternativa foi expor a minha situação e contar com o carinho dos que gostam de mim.

O carinho do público foi grande da mesma forma que você deve ter recebido manifestações agressivas, não?

Você tinha que ver as mensagens que me chegavam pelas redes sociais. “Gastou tudo com as mulheres” diziam alguns. Outros disseram que gastei tudo com as drogas. E olha que eu tenho uma vida regrada há muitos anos já. Mas isso é do ser humano. Por outro lado, recebi muito carinho e apoio. O fotógrafo Lucas Ávila, muito simpático, veio aqui me fotografar e ainda me pagou por eu ter posado para ele. Eu é que deveria ter pago a ele! As lives que fiz para o Sesc também foram providenciais. A pandemia foi prejudicial para o artista em geral e, em especial, para o artista da música. A questão da arrecadação do direito autoral também piorou muito de lá para cá.

Certa vez, conversando com o (letrista) Jorge Salomão, ele me disse que teve um mês em que recebeu R$ 30…

Tudo isso (risos)? Certa vez eu recebi R$ 17,80 somente.

A canção “Compasso” foi incluída na trilha da novela “Um lugar ao sol”, recém-exibida pela TV Globo. Emplacar uma música na trilha de uma novela ainda é vantajoso para o artista?

O fato de “Compasso” ter entrado para uma novela não computou, até o momento, em algo significativo. Minha gravação de “Simples carinho” também foi incluída na trilha de uma novela, mas os tempos agora são outros.

“Compasso” também foi cantada pela personagem da Denise Fraga, uma cantora, em algumas cenas. Você acompanhou a novela? O que achou do desempenho dela?

Achei o trabalho da Denise muito sensível. O alcoolismo da personagem foi abordado de forma muito representativa. Fiquei emocionada em muitos momentos. Foi um serviço de utilidade pública.

Você sempre expôs seu posicionamento em relação às diferentes questões da vida no Brasil. Como vê esse descalabro que se tornou a política no país?

Espero que esse governo seja deposto pela mão do povo e que o presidente seja varejado para bem longe. Esse governo não representa o nosso povo. Em outros países, haveria guerra civil, mas o povo brasileiro é pacífico. Meu voto não é secreto e eu fecho com Luís Inácio (Lula da Silva) faça ele a coligação que for. Como fui injustiçada muitas vezes ao longo da vida, me solidarizo com o Lula, que passou dois anos preso em consequência de um julgamento parcial e político. Não sou integrante do fã clube de ninguém, mas fecho com o Lula.

Recentemente, artistas consagrados como Daniela Mercury e Lulu Santos saíram do armário. Como vê essa questão?

Cada um faz o que quer da vida e ninguém tem nada com isso. Mas sair do armário é sempre um grande negócio. Na minha época foi barra, pois o país ainda estava sob uma ditadura. Hoje, há um esclarecimento maior em relação há isso. Para o artista vai ser sempre mais fácil, pois ele tem nos fãs uma rede de solidariedade grande. Minha preocupação é com aquela menina,  moradora da periferia, que não pode se expressar abertamente porque vive numa comunidade onde há opressão, estando sujeita à ignorância dos adultos, sobretudo aquele tipo de homem que acha que a mulher é lésbica porque não teve ainda uma experiência sexual satisfatória. É com esse tipo de gente que eu me preocupo.

Há uma caretice no Brasil de hoje, sobretudo em relação às questões comportamentais…

E isso é uma maluquice. Se a gente voltar no tempo, lá para 3 mil anos atrás, os homens se adornavam e usavam saias. Já os piratas, alguns séculos depois, usavam brincos e pintavam os olhos. Eles eram homens viris e tinham essa vaidade. E falo aqui de homens comuns e não de  artistas. Hoje, se um rapaz resolve pintar o rosto, dependendo de onde ele mora, corre o risco de ser agredido e morto. Um jovem hoje pode sair para o colégio ou para o trabalho e não voltar para casa.

Falando em jovens, você tem, de quando em quando, suas músicas redescobertas por novos talentos. Você costuma acompanhar as novidades nesse segmento?

Dos artistas surgidos recentemente, gosto muito da Simone Mazzer e do Almério. Gosto de acompanhar o surgimento de novos artistas da mesma forma que gosto de ver artistas que admiro sendo redescobertos pelas novas gerações…

Quais por exemplo?

Alaíde Costa e Áurea Martins, por exemplo. A Leila Maria, uma artista que está aí há um bom tempo e que, agora, está tendo mais reconhecimento. Essas mulheres são artistas maravilhosas, e o fato de elas estarem sendo redescobertas me comove muito.

Crédito da imagem: Alexandre Moreira

 

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