‘Enfrentamos a pandemia da desinformação’

setembro 1, 2022

Carlos Jardim fala do filme sobre Bethânia, dos desafios e do futuro do jornalismo

Carlos Jardim é apaixonado pelo jornalismo factual, jargão usado para designar , na profissão, as notícias quentes, que chegam aos borbotões a cada dia. Chefe de Redação da GloboNews, não poderia estar em local mais adequado para exercer a profissão, iniciada nos anos 1980. A chegada à TV Globo deu-se em 1997, quando cobriu as férias de um colega no “Fantástico”. Como disse a que veio, ficou e passou por telejornais como o Jornal Nacional, do qual foi editor, antes de assumir o cargo que ocupa hoje. Acontece que o jornalismo não é a única paixão desse carioca… Maria Bethânia também reina no seu coração. E, por causa dela, ele encarou dois desafios: o livro “Ninguém sabe quem sou eu (a Bethânia agora sabe)”, lançado pela Máquina de Livros, e o documentário “Maria – Ninguém sabe quem sou eu”, do qual é o idealizador e diretor, que chega às salas de cinema nesta quinta-feira (1º de setembro) numa produção entre GloboNews, Globo Filmes, Canal Brasil, Turbilhão de Ideias e  Noticiarte. “O que a Bethânia me provoca é algo muito especial”, reconhece ele neste bate-papo, por telefone, com MEW MAG.

Maria Bethânia inspirou, nos anos 1960, o curta “Bethânia bem de perto”, do Júlio Bressane, e, do ano 2000 para cá, documentários de diretores como George Gachot (“Música é perfume”), Andrucha Wadington (“Pedrinha de Aruanda”) e Marcio Debelian (“Fevereiros”). O que o teu documentário tem de diferente dos demais?

Todos esses documentários são belíssimos. No meu filme, o diferencial está no fato de ele não reunir diferentes depoimentos sobre uma personagem. Nele, só a Bethânia fala, e a câmera está nela o tempo todo. Quando ela fala de Santo Amaro (sua cidade natal), por exemplo, não uso imagens para ilustrar aquele depoimento. Então, o espectador a vê elaborando seu discurso através das suas falas e das suas pausas. É Bethânia por Bethânia.

Qual a maior loucura já feita por Bethânia?

Na época do show “Estranha forma de vida” (1981), a bilheteria do (hoje extinto) Teatro da Praia abria as vendas na terça-feira. Eu morava no Méier e, de segunda para terça,  dormi em Copacabana, na casa de uma tia, e fui para a bilheteria às cinco da manhã para garantir um bom lugar para assistir. Assisti a esse show seis vezes e repeti esse procedimento em todas as vezes (risos).

Que outro artista te levaria a fazer um filme?

Gosto muito da Janis Joplin e tenho muito carinho pela história da Amy Winehouse… Mas o que a Bethânia me provoca é algo muito especial: a voz dela me tira do prumo e me coloca numa outra dimensão. Temos vozes lindíssimas no Brasil, mas nenhum outro artista me coloca nesse lugar. Só mesmo a Bethânia.

E o que te levou ao jornalismo?

Primeiramente o fato de gostar de gente. E também gostar de contar histórias. Quando tinha uns 8 anos, fiz um jornalzinho no qual contava histórias da minha família. Então foi uma vocação que se manifestou desde cedo. Trabalhei como repórter e isso me levou a vários lugares. Poder contar diferentes histórias é algo que sempre me fascinou.

Qual a situação mais dura enfrentada na profissão?

A perda brutal do Tim Lopes (assassinado ao investigar um baile funk promovido por traficantes na Vila Cruzeiro, em 2002). Trabalhamos juntos por muitos anos, nossas baias eram uma do lado da outra. Fora o fato de termos sido vizinhos no Lido, o que também nos aproximou. A perda do Tim foi algo muito difícil.

E o que na profissão te deu mais orgulho?

O Emmy dado ao Jornal Nacional, em 2011, pela cobertura da ocupação do Complexo do Alemão (que resultou na expulsão de traficantes do local). Esse foi um momento inesquecível na profissão.

A cobertura da pandemia foi muito desafiadora para o jornalismo, especialmente no Brasil. Qual a lição trazida por essa experiência?

Não fizemos home office em hora nenhuma, pelo contrário: o trabalho presencial aumentou. E isso foi feito considerando o alto risco do contágio e com as equipes tomando todos os cuidados possíveis. Hoje, vemos que o jornalismo bem feito foi fundamental para a vacina chegar e para que as pessoas tomassem consciência da importância de se cuidarem e se vacinarem.

Há hoje um controle maior da Covid-19, que está mais endêmica do que pandêmica, mas há ainda desafios a serem vencidos…

Enfrentamos hoje outra pandemia perigosa: a da desinformação. Noto, hoje, um número maior de pessoas que entenderam o mal que a desinformação pode causar. Há uma parcela da população mais atenta a isso. É um trabalho árduo, claro, mas é fundamental tentar fazer com que a verdade prevaleça. Essa é a base do bom jornalismo.

Hoje, muitos jovens querem ser influenciadores e youtubers, vivendo somente o glamour da profissão. Como você vê o futuro do jornalismo?

Sou um otimista nato. O surgimento das redes sociais deu um susto em todos nós. Ela nos levou a nos reinventarmos, até para fazer frente a essa nova linguagem. Hoje, acho o jornalismo melhor do que antes. A concorrência é grande e ela nos leva à pressa, sim,  mas a ter também mais cuidado com a informação. Com a TV, o cinema e o rádio não acabaram. Novas tecnologias vão surgir e vamos nos reinventando. O importante é que o jornalismo profissional seja feito de forma ética, para que a verdade prevaleça.

Crédito da imagem: Renato Velasco\Memória Globo

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