‘É o momento de todos os democratas se unirem’

fevereiro 21, 2022

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) defende, em entrevista, união em prol do país, ataca a atual gestão da Cultura e quer terminar seus dias exercendo a função de professor

Randolfe Rodrigues tinha 27 anos quando, em 1999, denunciou um esquema de corrupção no Amapá, seu estado. A coragem do então deputado estadual exigiu seu preço e ele e sua família sofreram ameaças e precisaram mudar seus hábitos. O fato não intimidou o hoje senador que, aos 49 anos, chama a atenção por sua postura contundente. Seja no Senado, onde é líder da oposição ao governo, ou nas sessões da CPI da Covid, da qual foi vice-presidente. E as ameaças o acompanham – e ele segue firme na defesa dos ideais democráticos. Tanto que seu nome foi cogitado como opção para a chamada 3ª via nas eleições presidenciais de outubro. Tal possibilidade terá de ficar para depois, pois Randolfe foi convidado por Lula para coordenar sua campanha à Presidência. Fora isso, o momento exige que “cada liderança política se dispa de suas vaidades” em prol de um país que está à deriva, como ele explica ao NEW MAG nesta entrevista.

O senhor desempenhou um papel firme e enérgico na CPI da Covid. Qual balanço faz dos resultados obtidos pela comissão? 

A CPI deu certo. Imagina quantas vidas não foram salvas com o funcionamento da CPI? Sem ela não teríamos vacina. Com a CPI foi possível a concretização do contrato com a Coronavac. Com a CPI foi possível a vinda dos imunizantes da Pfizer e da Janssen, que o governo estava negando. Lembra quando ele (Bolsonaro) dizia que não iria comprar vacinas porque as pessoas poderiam virar jacarés se vacinadas? A tragédia do Brasil é enorme, e a CPI evitou que ela fosse muito maior e mais dramática ainda. Não fosse a CPI, os cofres públicos teriam tido um desfalque de 1 bilhão e seiscentos milhões de reais só no contrato com a Covaxin\Precisa, que teria tido esse custo e que foi denunciado pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Sem a CPI só teríamos as vacinas da maracutaia, as vacinas do “esquema” do Ricardo Barros (deputado federal pelo Pros) e de outros tantos.

O nome do senhor foi aventado como opção para a chamada 3ª via na corrida presidencial. O senhor tem interesse de disputar esse páreo? 

Quem não ficaria honrado com uma candidatura presidencial? Eu ficaria. Como ficaria honrado se fosse candidato a governador no meu estado. Só que o momento do país exige que cada liderança política se dispa de qualquer vaidade. Vivemos a quadra mais dramática da História nacional. É o momento de todos os democratas se unirem. Não somente pelas mais de 640 mil mortes. Não é somente pela tragédia do desemprego e a da fome, que voltou a assolar os lares brasileiros. É para termos nosso país de volta. Mesmo tendo-o de volta, vamos conviver com a chaga desses tempos bolsonaristas e o que isso representou de mais trágico para nós, brasileiros. Então, é o momento de todos os democratas se unirem para demitir Jair Bolsonaro do Palácio do Planalto já no primeiro turno (das eleições de outubro).

Na época do impeachment da presidente Dilma, o senhor foi dos poucos a defender que Michel Temer, então vice-presidente, perdesse também seus direitos políticos. O senhor sofreu algum tipo de perseguição por isso? 

Perseguição é algo que acompanha minha trajetória política. Aos 27 anos, quando era deputado no Amapá, denunciei um esquema de corrupção e narcotráfico. Meus familiares passaram a ser perseguidos, fui ameaçado de morte, e meus filhos tinham de ser acompanhados por escolta policial até a escola. Enfim, nunca me intimidei com isso. Combater criminosos foi a escolha que fiz desde o começo da minha trajetória. Não foram os criminosos de ontem que me intimidaram. Não serão as milícias e os criminosos fascistas de hoje que o farão.

Qual a maior ameaça já sofrida por liderar no Senado a oposição ao governo? 

Ameaças de toda a sorte. Desde a de levar tiro, de ser agredido… Sofri bastante durante o incurso da CPI e sofro sempre, toda sorte de ameaças. Faz parte do ofício e do dever histórico que estamos vivendo.

Gilberto Gil, quando ministro, foi um dos poucos (talvez o único) a olhar para a Cultura como um organismo multifacetado, contemplando manifestações variadas.  A Cultura precisa de fato de um gestor-artista?

Primeiro, precisamos demitir Bolsonaro para reconstruir a Política Nacional de Cultura. A Cultura foi destruída. A maior humilhação da Cultura brasileira é ter figuras como essas que estão à frente da Secretaria, e não mais Ministério da Cultura. Antes era um cara (o então secretário Roberto Alvim) que imitava (Joseph) Goebbels, um nazista. Agora, um dos mais despreparados,  antípodas e antagônicos representantes do que tem de pior do fascismo bolsonarista. O senhor Mario Frias, atual secretário, é o retrato inconteste do quanto que a Cultura brasileira está sendo humilhada. A grande riqueza do nosso país é a Cultura e, por conta disso, ela precisa ser restaurada. Seja com políticas de financiamento ao audiovisual ou com políticas de valorização das nossas artes. Grandes nomes da Cultura, que perderam suas vidas nesses tempos triste do Bolsonarismo, sequer recebem uma menção do presidente da República! Independentemente de quem seja (ministro da Cultura), e temos nomes fantásticos nas artes, precisamos primeiro derrotar esses tempos para reconstruir a Política Nacional de Cultura.

Parte da sociedade vê a classe artística como um ente que “mama nas tetas” da Lei Rouanet. Desconhecem que a lei autoriza a captação de patrocínio que, na grande maioria das vezes, vem do setor privado. Como o senhor vê esse tipo de posicionamento na sociedade? 

Esse posicionamento é o retrato do Bolsonarismo. Entendamos o que é o Bolsonarismo: um movimento que tem suas raízes no que tem de pior na formação da sociedade do Estado brasileiro. É o que tem de pior. Esse tipo de comportamento preconceituoso com os artistas só representa um extrato social misógino, machista, autoritário, homofóbico, preconceituoso, antiliterato, anti-intelecto, anti-Brasil, anti tudo o que nós temos de melhor e foi formado por nós. Uma tragédia que lamentavelmente exerce esse preconceito. Vamos ter muito trabalho para desconstruir esse aparato de mentiras.

A vereadora Marielle Franco morreu por defender as diferenças e por combater as milícias. Como o senhor vê o fato de esse crime não ter sido desvendado até hoje?

Não foi desvendado porque as autoridades , sejam as do Rio de Janeiro ou as federais,  nunca se interessaram em desvendar. Não foi desvendado porque as raízes do crime estão na estrutura miliciana montada no Rio de Janeiro, essa estrutura de poder montada no Rio. É por isso que o crime não foi desvendado.

Antes de político o senhor foi professor… Quando o país vai tratar os professores com a dignidade que merecem?

Só uma correção na sua pergunta: eu sou professor e estou exercendo um mandato político. Quero terminar meus dias dando aula. É o que mais me apraz. Quando esse tempo triste passar, e vai passar, uma das tarefas que vamos ter é a de reconstruir a educação brasileira. E a inauguraremos começando pela valorização dos professores. Com os professores valorizados, a educação e o futuro terão a dignidade que merecem.

 

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