‘As pessoas me achavam bonita, mas eu não’

maio 8, 2022

Cristiana Oliveira lança livro em que expõe conflitos pessoais e, ao NEW MAG, rememora papéis marcantes na TV, relembra o contato com Claudio Marzo na primeira versão de 'Pantanal' e é taxativa: 'As coisas nunca vieram fáceis'

Cristiana Oliveira tinha 27 anos quando deixou um país encantado com sua beleza e cativado pela atriz que ela é. O ano era 1990, tempos ainda analógicos e uma novela levou o Brasil a trocar de canal. O folhetim em questão era “Pantanal”, cuja primeira versão, escrita por Benedito Ruy Barbosa, revelou jovens talentos e consagrou nomes já conhecidos. Cristiana atuava na sua segunda novela, na qual viveu Juma Marruá, personagem que se mostraria antológica e projetaria o nome da intérprete em âmbito nacional. A atriz perseverou na carreira, passou por três emissoras, foi do drama à comédia (e vice-versa), sem temer as imposições trazidas a cada novo papel. Essa trajetória foi construída ao mesmo tempo em que a artista vivia um embate com a própria aceitação. A ficha de que era bonita só caiu quando ela tinha mais de 40 anos. Nesse ínterim, os mais variados questionamentos povoaram sua cabeça. Hoje apaziguada, ela passa esse passado (e a própria vida) a limpo no livro “Cristiana Oliveira, versões de uma vida – Como o resgate da autoestima e o fim da busca por aceitação me tornaram mais forte e feliz quase aos 60 anos”. Escrito em parceria com Larissa Molina, o lançamento é nesta segunda (09) na Travessa de Ipanema. A seguir, a atriz fala sobre aceitação e a forma como lida com a carreira.

As motivações do livro vem do autoconhecimento e da irrelevância da necessidade de aceitação… Você chegou a fazer algo para ser aceita pelo que tenha se arrependido?

A vida toda. Sempre quis fazer as coisas buscando ser aceita pelas pessoas. E isso durou até os meus 50 anos. Sempre quis corresponder às expectativas dos outros e por isso, muitas vezes, acabei me frustrando. E, com o tempo, você acaba vendo que esse comportamento é uma grande bobagem. Por isso que amadurecer é tão bom. O autoconhecimento te deixa mais livre e te faz caminhar com mais leveza. Quando eu estava com 52 anos, falei para mim mesma: “Pára! Você é uma coroa poderosa, com um histórico de vida incrível”! E esse processo me levou a falar sobre ele para os outros, daí vieram as palestras. Existe uma necessidade de as pessoas se reconhecerem umas nas outras, sobretudo as mulheres, e o livro tem muito a ver com isso.

E o curioso é que você começou sua carreira como modelo, revelada num concurso do Jornal do Brasil…

O que foi uma incoerência. Ter sido modelo nunca foi uma escolha minha, nunca foi um anseio. Acabou acontecendo. Muito em razão de comentários como “Ai, que menina linda” ou “Nossa, que rosto lindo!”. As pessoas me achavam bonita, mas eu não me achava, e me curvava. A carreira de modelo caiu no meu colo e deu certo. Dali, fui para a TV, tudo isso por causa da beleza, quando justamente eu não me achava bonita. E isso de não me achar bonita durou até uns quarenta e poucos anos.

Então, a presidiária que você viveu na novela “Insensato coração” foi libertadora, não?

Muito! O fato de ela ser uma assassina me levou a conversar com diretoras de unidades prisionais assim como com várias detentas. Conversei com assassinas, traficantes, mulheres de traficantes. Só não conversei com condenadas por práticas de pedofilia. Tirando isso, falei com várias detentas, tudo olho no olho. A ideia de engordar veio a partir de sugestões delas, que diziam que eu deveria “encorpar”. Então vamos encorpar! E como eu era cantada na rua (risos)! Você acredita que, na época, ouvi de uma figurinista que eu não precisava ter engordado tanto? “E os teus fãs?”, ela perguntou. Falo sobre isso no livro, inclusive. A Araci (nome da personagem) me mostrou o amor que tenho pelo meu ofício. Até hoje agradeço ao Fábio Assumção por isso.

E por que ao Fábio?

Porque foi ele quem fez a ponte entre mim e o Gilberto (Braga, autor da novela, morto em 2021). Ele trabalhava muito com o Gilberto e pedi a ele para me dar essa força. Na época, fui indicada a prêmio e ouvi do Ricardo Linhares (colaborador do Gilberto na época) que, por ele, a personagem teria ficado mais tempo no ar. Tudo o que a Araci trouxe foi gratificante.

Já que falamos de vaidades, a novela “Quatro por quatro” inovou por trazer quatro protagonistas, vividas por você, Elisabeth Savalla, Letícia Spiller e pela saudosa Betty Lago. Como foi a convivência entre vocês? Houve conflitos entre os egos?

Nunca houve nenhuma briga. Adorava as três e acho que elas também gostavam de mim. Nunca houve nenhuma disputa. Até porque o (Carlos) Lombardi soube dividir bem as personagens em termos de importância. As quatro eram independentes ao mesmo tempo em que eram também uma só. Não houve competição. Não havia motivo para isso.

 “Pantanal” está no ar, mas eu quero fugir do lugar comum…. Na primeira versão da novela, você trabalhou com um dos maiores atores desse país que é o saudoso Claudio Marzo, que fazia dois papéis. Qual o maior ensinamento que o Claudio te deu?

Eu contracenei mais com ele como Velho do Rio. O Claudio era muito bom colega e muito gentil no trato com as pessoas. Ele era totalmente devotado à arte dele. Lembro que ele não tinha muita paciência para essas circunstâncias que a fama traz, como pedido de fãs, essas coisas. Hoje, acho que ele não teria paciência para fazer selfies, por exemplo. O elenco ficou na época muito próximo. Os meninos bebiam após as gravações e gostavam de jogar truco. Eu era mega careta na época, não bebia e dormia cedo para estar bem nas cenas do dia seguinte. Às sete da noite, ia dormir. Se fosse hoje, estaria curtindo mais essa convivência com os colegas de elenco.

A primeira versão da novela revelou muitos talentos. Quem do elenco é seu amigo até hoje?

Falo ainda com o Marcos Winter, com o Paulo Gorgulho e com o Marcos Palmeira. Com esses três eu troco mensagens. Das meninas acabei me afastando. Não houve nenhum atrito ou ruído, mas as circunstâncias da própria vida nos afastaram.

Você atuou em três novelas e numa minissérie escritas pela Glória Perez. Até que ponto cair nas graças de um autor é algo reconfortante ou ameaçador?

Eu nunca caí nas graças de ninguém. As circunstâncias foram surgindo e fui seguindo. Não sou de frequentar panelinhas. Você não vai me ver em festinhas. Tenho pouquíssimos amigos no meio. Saio de um trabalho e, se gostarem de mim, vou para outro. A Alicinha (de “O clone”) foi um dos poucos papéis que eu pedi para fazer. Pedi à Glória, e o Jayme Monjardim me disse que a trama teria duas vilãs e que eu poderia escolher uma delas. As coisas nunca vieram fáceis para mim, sempre foram batalhadas. É claro que, quando se é jovem, os papéis vêm de forma mais fácil, um atrás do outro. Na medida em que a gente fica mais velha, as coisas ficam mais difíceis. Sei a atriz que sou. Sei do meu potencial. E, a cada trabalho, fiz o meu melhor.

Crédito da foto: Jonathan Giuliani

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