‘Aprendi com o tempo a ter empatia’

outubro 21, 2022

Marina Lima fala de amadurecimento, do acolhimento LGBTQIA+ e elogia Simone Tebet, Marina Silva e Marília Mendonça

Nas vidas de inúmeros brasileiros tem uma menina chamada Marina. Corajosa e ousada, ela abriu a voz (e os braços) e, ao lado de parceiros como o irmão-poeta, Antonio Cícero, compôs uma trilha sonora para o amor – e para o país. A década de 1990 trouxe mudanças e reflexões. Ela passou a assinar Marina Lima e trocou o Rio, solar como sua música, por São Paulo, cosmopolita como ela e suas canções. E as mudanças resultaram numa artista ainda melhor. Marina nasceu moderna e assim continua, aos 67 anos, completados em setembro. Virgem com virgem, tem na ética o pilar que a mantêm fiel a si própria. E, justo por isso, é tão  inovadora. “A ética é para mim uma coisa muito séria”, defende ela, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. O azul do céu pode estar desbotado, mas Marina tem consigo o farol que ilumina essa avenida trilhada por ela há 43 anos. Com vocês, o charme (do mundo) de Marina Lima!

Você mora em São Paulo, mas mantém no Rio seu domicílio eleitoral. O que achou do resultado das eleições?

Acho que o resultado da eleição no Rio é um retrato de como está a política no Brasil, esse país onde o bolsonarismo ganhou muito terreno. E desconfio, pelo que tenho lido a respeito, que toda essa propulsão foi muito favorecida pela questão do Orçamento Secreto. Isso certamente representou uma injeção de bilhões nas campanhas. Temos essa cultura do escambo, e o Brasil está muito viciado nisso. De um lado, temos uma parcela significativa da população que sequer tem o que comer e, do outro, uma extrema direita bélica que só vê os seus interesses.

Pensa em passar a votar em são Paulo?

Meu coração mora no Rio, boa parte dele pelo menos. O Rio tem essa coisa bacana da praia, que é um espaço democrático, onde todos são iguais e as diferenças convivem de forma harmônica, mas tem esse outro lado, o do descompromisso, com o qual não compactuo há muito tempo. Não gosto de como o Rio está.

O fato de Simone Tebet, uma mulher, ter ficado em terceiro lugar nas intenções de voto significa um avanço?

Gostei muito do resultado conquistado por ela. Gosto dela. Ela foi muito atuante na CPI da Covid e, quando ela saiu candidata, demorei a atinar  de que ela era aquela mesma mulher da CPI. Ela se saiu muito bem nos debates, muito segura, demonstrando verdade nos seus posicionamentos. Vejo nela uma intenção verdadeira de ajudar o Brasil. E isso não vem do fato de ser uma mulher. A Damares (ministra e senadora eleita pelo DF) é tudo o que não acredito, por exemplo. A Tebet se mostra uma pessoa coerente.

Você esteve recentemente com Marina Silva e elogiou o fato de ela não misturar religião com pautas importantes como as mudanças climáticas. Respeitar as diferenças é vital nos dias de hoje?

É fundamental! E está na lei. O estado é laico e isso precisa ser respeitado. Está na Constituição. Até conhecer a Marina, achei que ela pudesse, por ser evangélica, se intrometer em questões que dizem respeito a mim e aos meus direitos. Ela se posicionou claramente a favor das liberdades e, com isso, ela me ganhou.

Você lançou Angela Ro Ro no seu LP de estreia e, ao longo da carreira, gravou Paula Toller, Bebel Gilberto, Zélia Duncan e, mais recentemente, se aproximou da Letrux e da Vanessa da Mata. O que te atrai na produção musical feminina?

Na época em que comecei, havia muita insegurança e competição entre as mulheres. Elas se viam como adversárias, e fui, aos pouquinhos, quebrando essas barreiras. Sempre simpatizei com as mulheres e fui me aproximando daquelas que tinham uma proposta mais parecida com a minha. Tanto que, num primeiro momento, acabei mais próxima dos gays do que das mulheres. Isso levou tempo e, hoje, há um avanço grande em relação a várias conquistas. Eu adoro misturas. Sou vira-lata.

Você é vira-lata aonde, Marina Lima?

Nasci no Rio e logo fui morar fora, meus pais são do Piauí… Não tenho pedigree. Sou livre e gosto disso. Uma coisa que me segura é a minha ética. Não sou uma pessoa disfarçada. Sou virgem com virgem, e a ética é para mim uma coisa muito séria.

Falando ainda em mulheres, há na música sertaneja os segmentos do Feminejo e da Sofrência que, de certa forma, resgatam a onda da dor de cotovelo, presente nos cancioneiros de Maysa e Dolores Duran. Uma cantora como Marília Mendonça chamou tua atenção ou você passa batida por esse segmento?

Sou mulher, cantora e compositora. Quando vejo uma mulher exercendo bem o nosso ofício, isso me atrai, tenha ela o estilo que for. No caso da Marília Mendonça, ela foi uma compositora muito boa. E mais: fincou uma bandeira num terreno que é dela, demarcando um lugar num segmento muito masculinizado e machista até. Ela derrubou fronteiras e Isso é muito importante.

A sexualidade é um tema que aparece em diferentes momentos da sua carreira. Em canções como Difícil, n o LP “Todas”, e em “Não estou bem certa”, no CD “Marina Lima”. Ao mesmo tempo em que o Brasil dança com Anitta tem uma postura moralista em relação à gravidez indesejada. Como vê as diferenças entre esses Brasis?

Aprendi com o tempo a ter empatia com as diferenças. Sou uma pessoa privilegiada, tive estudo, morei fora e tive acesso a uma gama de informações. Exerço minha liberdade sendo ética e respeitando o espaço do outro. A grande maioria da população não tem e não teve os privilégios que tive. É um país onde faltam escolas e outras tantas coisas… Essas diferenças de pensamento já me doeram muito, mas, hoje, procuro colocar em prática um senso de justiça que não tinha, mas que passei a ter.

Você disse recentemente, num show no Rio, que toda idade tem seu charme. Qual o charme dos 67 anos?

Adoro perceber coisas que não compreendia, e isso é algo que só o tempo dá. Vejo que dei o meu melhor em cada uma das idades que tive. O que não sabia, não sabia, mas agora sei. Tudo o que cultivei foi importante e tudo isso me dá alegria. Conheci muita coisa boa e vou continuar conhecendo. A vida é muito atraente.

Crédito da imagem: Cristina Granato

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