‘Adoro cantoras e todas cabem no meu balaio’

novembro 3, 2023

Zé Pedro lança livro e fala de superação, do que é ser DJ hoje e de talentos como Bala Desejo, Lulu Santos e Maria Bethânia

“A única pessoa que pode falar de mim é tua irmã Gabriela, que me conhece desde o  Crepúsculo de Cubatão”. É com irreverência que Zé Pedro dá início à conversa.  A mais perfeita tradução da alegria, o DJ tornou-se, não à toa, um dos mais amados do país. Mas, na intimidade, é como na célebre canção de Caetano lançada por Roberto Carlos: muito romântico. Tanto que seu mais novo projeto é o livro “Mela-cueca – As canções de amor que o mundo esqueceu” (Garota FM Books). A ideia surgiu de forma inesperada como muitos dos seus projetos. “Toda vez em que planejei algo, a ideia não foi adiante”, conta ele, por telefone, ao NEW MAG. Nesta entrevista, Zé Pedro lembra do bullying no colégio, do início na carreira e fala de amigos queridos como Lulu Santos, Adriane Galisteu e Maria Bethânia, de quem, certa vez, ouviu um recado na secretária eletrônica e achou tratar-se de trote: “Quem é essa bicha?”.

A voz da mulher, como na canção da Sueli Costa, te embala e te faz chorar desde quando?

Desde 1972. Quem me introduziu à Bethânia foi uma vizinha, com quem minha mãe me deixava. Ela tinha sido afastada do trabalho por alcoolismo e passava o dia ouvindo discos. Ela me apresentou à Bethânia e à Maria Creusa e chamava minha atenção para versos como “Quando vejo você\Com seus olhos de vaca”… (de “Negror dos tempos”, do LP “Drama”). Adoro cantoras e todas elas cabem no meu balaio. Gosto de todo mundo.

Qual projeto gostaria de realizar na Joia Moderna e ainda não foi possível?

A vida me mostrou que toda vez em que planejei algo, a ideia não foi adiante. Então, acabei me abrindo para o inesperado. Foi assim com esse novo livro. Dois meses atrás, a Chris Fuscaldo (editora da Garota FM) me procurou com essa proposta. Ela não queria somente uma lista de músicas esquecidas, mas que eu falasse também da minha relação com elas.  Fizemos algumas chamadas de vídeo e as conversas funcionaram como uma terapia, porque sou pão duro, e a única vez em que fiz terapia foi porque a Bela Gil pagou para mim (risos).

A ideia do livro surgiu de uma canção específica ou do conjunto delas?

Tenho esse lado espalhafatoso, mas, na intimidade, sou muito romântico. Sofri bullying no colégio e, no segundo ano do científico, no primeiro dia de aula, me coloquei como essa pessoa comunicativa, chegando até a ser representante de turma. Ali nasceu o Zé Pedro, essa mistura do Júnior do Leme com a Véia.

Por falar em Véia, você e Lulu Santos se tratam assim. Costuma dar apelidos aos amigos?

Não, nunca. Chamo meus amigos pelos apelidos que eles têm. No caso do “véia”, eu era um adolescente introspectivo, que ficava ouvindo música,  lendo e uma vizinha saiu-se com essa: “O Júnior parece uma ‘véia’”. o Lulu se apropriou do apelido e o roubou de mim. Quando vou a um show dele, ele usa o “veia” como vírgula.

Hoje, DJs como Alok se apresentam para multidões em festivais. Como você, que abriu caminho às novas gerações, vê esse reconhecimento?

Sofri bullying dos DJs quando comecei. Um DJ não podia levantar o braço. O único que aceitou meu estilo e reconheceu meu carisma foi o Memê (Marcelo Mansur). Hoje, os Djs erguem os braços e usam glitter, mas na época em que comecei, o DJ ficava na cabine, olhando para baixo e ai dele se levantasse o braço! E as pessoas ainda diziam: “esse DJ é ótimo”.

Você trabalhou em TV sendo parceiro da Adriana Galisteu. Qual característica dela é para você a mais marcante?

A Adriane é autodidata, e isso é muito impressionante nela, e muito grata. Nunca a vi se recusar a dar um autógrafo e isso mostra como ela é grata pelo que conquistou. Saí do programa porque estava virando o Louro José da Adriane e isso seria, dali a um tempo, prejudicial a mim e também a ela. Saí de boa e de quando em quando nos falamos. Ela é exatamente como se mostra na TV.

Há uma anedota de que você recebeu um telefonema da Maria Bethânia e achou que era um trote. Fato ou lenda?

Cheguei em casa e ouvi na secretária eletrônica o recado: “Olá, Zé Pedro. Aqui é Maria Bethânia e gostaria de falar contigo”. Pensei: “quem é essa bicha que me passou esse trote? A voz está igualzinha”.  Na dúvida, telefonei para Carmela Forsin (então empresária da cantora) que me confirmou que era ela. Bethânia não atendia o telefonema de prima, e ela recomendou que deixasse meu recado e ela me atenderia. Bethânia me hospedou na sua casa e não me aguentou 24 horas (risos). Num dado momento disse que me colocaria num hotel. Eu queria saber de tudo e perguntava muito (risos).

Como você vê o resgate de uma sonoridade dos anos 1970 por grupos como o Bala Desejo?

Acho bacana isso de artistas como o Caetano e o Gil ainda serem referências para as novas gerações. Falo assim de forma meio blasé porque a minha geração viu esses artistas fazerem coisas extraordinárias que as novas gerações não viram, porque eram muito crianças ou não haviam nascido. Acho interessante esse resgate porque mostra que os baianos são ainda uma referência importante.

E quais novos talentos da cena feminina fazem a tua cabeça?

Gosto de cantoras estranhas… Adoro a Mãeana (Ana Lomelino), a Ava Rocha, a Letrux, que ajudei a lançar, e acho a Dora Morelenbaum uma grande cantora e compositora. A Dora funciona bem em conjunto, mas ela, sozinha, é uma potência.

Já assistiu a “Meu nome é Gal”?

Já e adorei. Acho que é um filme de formação, como na literatura há o conceito de romance de formação. Acho o filme apaixonante por ele não ter a pretensão de ser um grande filme. A cronologia está perfeita e o mesmo pode ser dito sobre os discursos. O pensamento da Gal está todo ali nas falas da personagem.

Você já remixou Maysa e um texto do Fauzi Arap dito pela Bethânia. Tudo é possível de ser (re)mixado?

Tudo é possível. A música brasileira sempre teve seu lugar nas pistas, mas essa coisa de levar gravações clássicas da MPB  não existia até então. O que era remixado eram coisas do rock dos anos 1980. Isso de pegar o “Trem azul”, na voz da Elis, ou algo do Edu Lobo ou da Joyce (Moreno) começou comigo e tenho muito orgulho disso. Hoje é chique tocar música brasileira mais tradicional e o remix perdeu um pouco da força que já teve.

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