‘Seguimos assim: apaixonados pelo Brasil e confiantes’

fevereiro 18, 2022

Em entrevista, Maria Bethânia elogia o profissionalismo de Anitta, se posiciona diante dos que desejam a volta da ditadura e defende o direito de as mulheres fazerem topless

Muitas são as razões que fazem de Maria Bethânia um patrimônio imaterial brasileiro. Várias foram as barreiras por ela vencidas. A do som é uma delas. Em 1976, com “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, levou seu canto à faixa AM, tornando sua voz popular em todo o país. Com “Álibi”, álbum de 1978, foi a primeira cantora a alcançar no país a marca de 1 milhão de discos vendidos – feito até então restrito aos cantores. Ao longo de 57 anos de carreira, completados este mês, passou por cinco gravadoras — RCA, onde estreou em 1965; Odeon; Philips (hoje Universal), EMI e Biscoito Fino, onde está desde 2003. Em todas elas, cantou o que quis. Em cena, exacerba seu canto, sua teatralidade e a si própria numa liturgia antológica. Ao palco, ela volta em março, quando, ao lado do maestro João Carlos Martins, inaugura no Rio a Qualistage. Esse encontro promete. Afinal, quem a ouve “nunca mais dela se esquece”, como definiu Waly Salomão (1943-2003) nos versos de “A voz de uma pessoa vitoriosa”. E é com essa pessoa vitoriosa que NEW MAG teve a “honra e a alegria” (para usarmos palavras dela própria) de conversar nessa entrevista.

Você vai se apresentar, ao lado do maestro João Carlos Martins, no dia 12 de março, inaugurando a casa de shows Qualistage, no Rio de Janeiro. O que os cariocas podem esperar deste encontro que mistura MPB com música clássica?

Fui convidada pelo maestro e recebi o convite com muita alegria para fazermos algumas canções. Canto dez canções no espetáculo, que ele chama de “De Beethoven a Bethânia”. A orquestra dele é linda e mágica, sonoramente espetacular e minha participação é boa e diferente. E tem uma novidade: vou cantar com uma orquestra grande, como é a dele, e tão bem regida. A diferença está aí. O repertório é o meu, de sempre. São dez canções escolhidas por nós, pelo maestro João Carlos e por mim.

Você elogiou o trabalho da cantora Anitta recentemente. Da nova geração de cantoras, quem você gosta e acompanha?

Acompanho o que posso ver. Com a pandemia, pouco se pode mexer e acabo vendo o que está à mostra na televisão, nos lançamentos de discos e performances. Acho a Anitta inteligentíssima. Acho que ela tem uma compreensão do que são profissionalismo e dedicação ao ofício que ela escolheu e pouco importa a maneira como ela o exerce. Quem sou eu para julgar, elogiar ou condenar. Acho que ela fez muito bem a “Garota de Ipanema” (mote para “The girl from Rio”, lançado pela artista em 2021). Acho a versão dela extraordinária. Tanto que a usei no podcast (“Tabuleiro”) para o Instituto Moreira Salles. Encerrei o podcast em homenagem a Vinicius (o poeta Vinicius de Moraes) com ela cantando. Acho a versão inteligente. Acho que ela é perspicaz e capaz.

Você começou a carreira profissional no espetáculo ‘Opinião’, no Rio, que estreou após o golpe militar, e foi o primeiro protesto teatral em resposta à ditadura. O que você acha daqueles que hoje, em 2022, pedem a volta da ditadura militar no Brasil?

Acho-os (e eleva o tom da voz) RIDÍCULOS!

Nos anos 70, você foi a idealizadora do grupo Doces Bárbaros. Que lembranças você guarda desta época? Qual é a importância do grupo para a música brasileira?

Guardo as lembranças mais lindas e as mais carinhosas. Alguns dos acontecimentos foram tristíssimos como o da prisão de Gilberto Gil (em julho de 1976, o cantor foi detido no hotel onde o grupo estava, em Florianópolis, por portar um cigarro de maconha), depois de processos e tais publicamente divulgados e televisionados. Apesar desse acontecimento, que lamento profundamente, as lembranças são as melhores. Éramos todos jovens, éramos todos confiantes e apaixonados pelo Brasil. Acho que seguimos assim, apaixonados pelo Brasil e confiantes, mas temerosos também.

Em 2015, foram publicadas fotos suas no Instagram, com seios à mostra, que faziam parte do livro “Maria Bethânia”, lançado pela fotógrafa Marisa Alvarez Lima, em 1981. As fotos foram censuradas pelo Instagram. No início deste ano, a produtora Ana Beatriz Coelho foi algemada e levada à delegacia após fazer topless numa praia do Espírito Santo. Você acha que o mundo encaretou?

São duas questões… No caso da fotografia da Marisa, ela é a representação de uma cabocla que ela via em mim e que estava presente no espetáculo “Rosa dos ventos” (de 1971). Acho que fazer topless é um direito e acho simplesmente ridículo alguém ser condenado ou preso, muito menos algemado porque fez topless. O corpo da mulher pertence à mulher. No caso da minha foto com os seios à mostra, ela tem relação com o índio brasileiro.

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