“A sociedade não deixa os velhos fazerem nada”

março 17, 2023

Marcos Oliveira, o Beiçola de "A Grande Família", conta que vive de caridade, diz que já cogitou o suicídio e afirma que não consegue trabalhar porque não valorizam quem tem mais de 60 anos

Recentemente, circulou na internet a notícia que o ator Marcos Oliveira, famoso por seu personagem Beiçola, no seriado “A Grande Família”, da TV Globo, havia morrido. Uma piada sem graça na vida de um humorista não é incomum, porém, desta vez, a fake news que falava de morte, ironicamente colocou holofotes na vida de Marcos. Os últimos anos não têm sido fáceis. O ator, de 66 anos, enfrentou algumas cirurgias por conta de infarto agudo do miocárdio e de uma fístula na uretra. A saúde frágil o impossibilitou de trabalhar e não é preciso ser bom em matemática para entender o resultado dessa equação: falta de dinheiro. A situação chegou a tal ponto que ele precisou fazer “vaquinhas” na internet pra conseguir custear o tratamento e até mesmo para comer. A amiga Tatá Werneck fez um plano de saúde para Marcos, fundamental para seguir com os médicos em dia, mas para suprir as demais contas o ator ainda sobrevive de caridade. “As “vaquinhas” não têm funcionado mais. Mas muita gente me ajuda com o que pode. Tem gente que me dá R$ 300, mas já teve gente que me deu R$ 1,67 centavos. Eu aceito. Aceito o que for possível”, disse ele, que compareceu ao Prêmio PRIO de Humor, no Rio de Janeiro, onde conversou com NEW MAG e afirmou categoricamente que está pronto para voltar a trabalhar.

Vou te fazer uma pergunta que só parece simples, mas não é. Como está a vida? 

Tá difícil. Não está fácil, não. Porque, na realidade, passei por um processo de operações, mas estou em recuperação. Estou no final. Já tirei as duas sondas, só estou com a colostomia. Amanhã faço uma ressonância magnética e devo marcar a colostomia para voltar ao normal. Só que não vou fazer isso agora porque estou zerado, necessitando de ajuda pra comer, pagar as contas… E eu quero trabalhar, preciso trabalhar e tenho capacidade para isso. Mas, bicho, não encontro. Está muito difícil. 

Você acha que tem etarismo no meio artístico? 

Tem. Agora está bem claro isso. Não tem mais espaço para as pessoas acima de 60 anos. A dramaturgia só quer colocar a turma jovem. Nós, veteranos, não temos mais espaço. E quando temos personagem colocam o velho como se fosse um velho de 30 anos atrás. O velho hoje é mais moderno, quer trabalhar, sentir tesão, paquerar, entendeu? Mas só colocam um vovô que fica trancado em casa, na cadeira de balanço, aguentando a família. Para as pessoas, a única atividade social que o velho pode fazer é ir ao banco. 

Falta essa sensibilidade aos autores ou a sociedade não quer ver idosos ativos? 

A sociedade não quer velho saliente. Mexe com o instinto, incomoda. Mas é tão legal ver um velho ativo, que não enche o saco de ninguém. Porque velho vai ao banco pra pagar a conta e pra puxar conversa porque não tem com quem conversar em casa. Aí ouve “lá vem o velho chato”. Eu não quero ficar assim. Não quero ficar “meu mundo caiu da Maysa”. Mas faltam papeis para as pessoas da terceira idade ativas. Outro dia vi na internet um velho dando um amasso numa senhora e pensei “há possibilidade!”. Claro que não vai fazer Cirque du Soleil na cama, mas um carinho, um amasso. Velho hoje em dia não fica na cadeira de balanço de pijama. E eu vejo que a sociedade não deixa os velhos fazerem nada. Dentro da sociedade de consumo não é agradável aparecer velho porque idosos só consomem produtos de R$ 1,90. 

Você fala de toda a sua condição sem vitimismo… 

Não! Não quero que tenham pena de mim, quero que me deem oportunidade. Quero esse tipo de caridade: trabalho. Claro que não vou fazer 20 horas como se tivesse 18 anos, mas dá pra fazer 8 horas por dia. Isso eu seguro legal, uso fralda geriátrica, não incomodo ninguém. Sobre a minha saúde eu sei me proteger, me cuidar, mas preciso de trabalho. E ainda por cima, moro sozinho, não tenho ninguém, aí, quando estava muito mal, chamei uma pessoa que não conhecia pra me ajudar, indicação de uma amiga. No fim das contas, levou tudo o que eu tinha. Estou colocando na justiça pra ver se consigo recuperar algo.  

Mas é muita provação na vida! 

Eu não me suicido porque tenho muito carinho pelas pessoas que me ajudaram. Acho que é o mínimo de respeito que preciso ter com quem gosta de mim. Se não… Já cogitei, mas sempre acho que a gente não está aqui pra isso. A gente tem que aguentar. Eu ainda estou pra ser despejado do meu apartamento… mas sempre acreditando que vou ter condições de trabalhar, de pagar minhas contas, conseguir a prisão desse cara. Aí vivo assim, na espera da mudança, de ter um caminho.

Parafraseando a famosa pergunta que fizeram a Nelson Rodrigues: que conselho daria aos jovens? 

Que vivam, mas que pensem sempre no futuro, na humanidade. E que deixem muito claro as suas críticas, sem medo. É importante dialogar, criticar. Hoje, com essa coisa do politicamente incorreto, a gente não pode falar. É muito chato, desagradável. Vim de uma época da repressão, de ditadura, onde, ainda assim, a gente analisava as coisas, criticava e tinha tempo pra discutir sobre tudo. Hoje é “Oi! Tudo bem, querida”, e vira pro lado porque ninguém quer se comprometer. 

O que te faz rir hoje em dia? 

A nossa situação. A gente é muito ridículo! Essa nova linguagem, do celular… Essas garotas todas bonitinhas… Tenho vontade de falar: “Filha, vai pegar um tanque de roupa suja”. É uma gentarada bonita por fora e podre por dentro. Não tem nada dentro, uma estátua é muito mais interessante. Acho risível.

Crédito da foto: Karyme França/ divulgação

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