‘A gente se acostuma às exigências dos artistas’

março 9, 2022

O empresário Luiz Oscar Niemeyer lembra dos desafios de realizar o primeiro Rock in Rio, compara Paul McCartney ao papa, elogia o rigor dos Rolling Stones e rememora cenas de Kurt Cobain no Rio

Em Julho de 1984, Luiz Oscar Niemeyer viajava para aquela que foi a primeira das tratativas que resultaram nas contratações do cast internacional do Rock in Rio, o primeiro grande festival de música realizado no país. Na época, talvez ele não imaginasse que aquela missão se tornaria um trabalho que executaria de forma apaixonada nos anos seguintes. O Rock in Rio foi um marco e, em seguida, vieram o Hollywood Rock (para o qual trouxe vários nomes de peso) e grandes concertos como o primeiro apresentado por Paul McCartney no país, em 1990; Rolling Stones (no histórico show na Praia de Copacabana), Elton John e muitos outros. São 38 anos trabalhando com o que ele mesmo chama de “importar artistas”. E, nesse ínterim, viu de tudo e colecionou histórias para contar. Elas estão agora reunidas no livro “Memórias do Rock” (Francisco Alves), que ele lança nesta quarta (09) no Rio de Janeiro. Luiz Oscar é certamente o único empresário brasileiro do entretenimento que trouxe ao país todos os seus ídolos. Ele poderia se gabar por isso, mas não. Fala sobre tudo de boa, como nessa entrevista, por telefone, ao NEW MAG. E não seria diferente em se tratando de quem é.

Com a realização do Rock in Rio, o Brasil entra, em 1985, na rota dos grandes festivais de música. Você e outros realizadores envolvidos eram jovens e tinham um tremendo desafio pela frente. O que foi mais intimidador na época e o que mais encheu vocês de orgulho?

Tudo foi absolutamente intimidador. Era a primeira vez no Brasil que se realizava um festival daquela proporção. A primeira viagem para contratar artistas aconteceu em julho de 1984, e o festival aconteceu em janeiro de 1985. A preparação durou sete meses.  Esse tempo foi de muita adrenalina, tendo de lidar com todo o tipo de dificuldade. Foi aterrorizante, eu diria. O que nos encheu de orgulho foi o resultado e o sucesso alcançados. Foi uma consagração que deixou a todos orgulhosos até hoje.

Você foi pioneiro ao trazer Paul McCartney ao país em 1990. De lá para cá, vocês trabalharam juntos outras vezes. O que mais te encanta na personalidade dele e o que é mais surpreendente no lidar com ele?

A importância do Paul McCartney é imensa. Ele é de outro mundo. Poder estar diante dele é o mesmo de estar diante de uma sumidade, algo comparável a estar diante do papa ou do Pelé. É aquela situação na qual você se belisca para se assegurar de que ela é real. O Paul McCartney sabe o tamanho que tem e isso faz com que ele deixe todo mundo à vontade diante dele.

O Hollywood Rock trouxe ao Brasil, entre fins dos anos 1980 e início dos 90, grandes nomes como o hoje Prêmio Nobel Bob Dylan, Seal, Nirvana e Alice in Chains. Qual a lembrança mais afetuosa você tem daquela época?

Foi um tempo muito legal na minha vida. Na época do Rock in Rio, eu era funcionário, trabalhava para a Artplan e, no Hollywood Rock, eu era o empresário responsável por aquele evento. Então, são situações diferentes. Minha relação com os artistas sempre se manteve no campo profissional. Ali no Hollywood Rock, todos aqueles artistas eram ídolos para mim e ter trabalhado ali envolve muitos sonhos realizados. Então as lembranças são as mais afetuosas.

Você foi presidente da BMG Ariola no Brasil. De realizador cultural passou a Big Boss numa multinacional com metas e lucros a dar. Qual o maior legado deixado por você naquela empresa e qual a maior frustração vivida ali?

Estive à frente da BMG por 12 anos e não tive frustração nenhuma. Comecei em 1993, época do Plano Real, quando a indústria do disco passava por um bom momento, com o preço do CD mais acessível ao consumidor. Na época, fui o responsável pela contratação do Só Pra Contrariar, que foi um sucesso estrondoso de vendas (o quarto álbum de estúdio do grupo vendeu, entre 1997 e 98, mais de três milhões de cópias, rendendo um disco triplo-diamante). Aliás, tenho, sim, uma frustração e ela remete à dupla Leandro e Leonardo. Eles finalizaram o disco em abril, o lançamento foi marcado para julho e, nesse meio tempo, o Leandro faleceu (em junho de 1998, vítima de um câncer). Ele já estava doente quando preparou o disco. No ano 2000, com o crescimento da pirataria, veio o declínio da indústria, com demissões e cortes de orçamento. Aí o trabalho perdeu a graça.

Você foi o responsável pela vinda dos Rolling Stones ao Brasil. Quais eram as exigências da banda? Havia algum pedido extravagante?

Com o tempo a gente se acostuma às exigências dos artistas. No caso dos Rolling Stones não houve nenhuma exigência dessas conhecidas como folclóricas, que envolvem não sei quantas toalhas brancas, essas coisas. No caso deles, as exigências estão muito voltadas ao apuro técnico da apresentação e às questões de produção, que não podem dar errado. Nesse ponto, eles são bem rígidos.

O que é comumente mais difícil ao negociar a vinda ao país de um astro internacional: as exigências do artista, a burocracia brasileira, a alta do dólar ou tudo isso junto?

Diria que esses três fatores juntos. O meu trabalho tem a ver com importação de artistas e, nesse caso, claro que a alta do dólar influi muito. Dependendo da cotação da moeda, tudo fica mais difícil, mais caro, dificultando, assim,  a vinda do artista. Comecei a negociar a vinda de artistas ao país em 1984, por causa do Rock in Rio. São quase 40 anos trabalhando com isso. Então, diria que todos os fatores citados na pergunta dificultam a vinda de um artista.

Na época do Rock in Rio, Freddie Mercury perguntou ao responsável pelos camarins se no Brasil havia terremoto. “Não”, respondeu o brasileiro, no que foi repreendido pelo astro: “Pois agora tem”, destruindo, em seguida, seu camarim. Qual a situação mais louca com que você teve de lidar ao longo da sua trajetória?

A situação mais inusitada está relacionada ao Nirvana e, em especial, ao Kurt Cobain (1967-1994). Fora eles terem quebrado o palco todo nas duas apresentações que fizeram, tanto a do Rio quanto a de São Paulo, houve uma situação sobre a qual falo no livro. Ele e a Courtney Love (sua mulher) estavam hospedados no Intercontinental, num andar alto e, num certo momento eles brigaram, e ela jogou as roupas dele pela janela. Não satisfeito, ele se apoiou no gradil e passou para o quarto vizinho, se colocando em risco. Imagina: você está tranquilamente no teu quarto e surge de repente o Kurt Cobain. Um ano depois ele se matou.

Houve o caso de algum artista que você tenha desejado trazer e ainda não foi possível?

Tive muita vontade de trazer o Pink Floyd, e o Led Zeppelin, mas não foi possível. Acabei trabalhando na última turnê do Roger Waters (um dos fundadores do Pink Floyd), mas sem conseguir trazer o grupo. Outro que queria muito ter trazido foi o Neil Young. Ele acabou vindo ao Rock in Rio em 2001, mas não por meu intermédio. No geral, trouxe ao Brasil todos os meus ídolos: Paul McCartney, Bob Dylan, Elton John, Rolling Stones… Todos eles vieram.

Crédito da foto: Christian von Ameln

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