‘A gente canta o que vê nas vielas’

março 13, 2022

O rapper Xamã, autor do hit que ganhou o país, fala em entrevista da sua trajetória, das influências que vão de Pink Floyd a Planet Hemp e sobre fazer algo mais conceitual no futuro

Em algumas culturas indianistas, o xamã é o sacerdote da aldeia. Xamã é também um rapper de 32 anos que vem conquistando espaço na cena musical brasileira. Sua música mais recente, “Malvadão 3”, foi a mais ouvida pelo público brasileiro no Spotify na virada do ano, sendo também muito bem executada mundo afora. O feito atraiu mais ainda as atenções para Xamã, nome artístico de Geizon Carlos da Cruz Fernandes. A faixa caiu nas graças do público e, hoje, ao digitar a palavra xamã no Google, a primeira opção é justamente o nome do artista, nascido em Sepetiba, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O hit surgiu por acaso, como ele explica nesta entrevista, por telefone, ao NEW MAG. Na conversa, ele fala de suas principais influências na música e de seus próximos passos: “Faria agora um trabalho mais conceitual, nem tão pop”. Os xamãs costumam prever o futuro. Vamos ver o que o tempo dirá.

Você é um importante rapper brasileiro, com mais de 55 milhões de reproduções e 6,1 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Sua música “Malvadão 3” atingiu o top 1 no Brasil e o top 48 no mundo no fim de dezembro de 2021. Foi indicado ao “Melhor Flow Internacional” do BET Hip Hop Awards, sendo o único brasileiro da premiação internacional, e teve sete indicações no MTV Millennial Awards 2021. Você esperava esse acontecimento todo? Como reagiu a isso?

É muito importante que no nosso gênero, o Hip Hop Nacional, tenhamos essa expressão toda, da mesma forma que fazer com que outros artistas, desse mesmo gênero e de outras regiões, também tenham esse entendimento. É mais fácil hoje em dia. Você tem uma plataforma na internet, lança o seu som e, a partir daquele momento, está apto a competir pelo BET Awards, a fazer o seu som ser o mais tocado do Brasil. É um momento em que quase todos os rappers ou todas as pessoas que têm trabalhos independentes têm a oportunidade de ter essa expressão mundial. Não só eu, mas outros artistas também. Acho que isso é importante para a gente, para a nova geração de músicos. Com certeza eu não esperava esse acontecimento todo, até porque foi do dia para a noite, mas a gente trabalha bastante. Essa música (“Malvadão 3”) foi criada do dia para a noite, mas a gente já trabalha há uns 5 anos, todos os dias para esse momento. É a consequência de todo um trabalho.

Como rapper, você está muito ligado às questões sociais enfrentadas pelo povo brasileiro. Como você enxerga o atual momento político e econômico que estamos vivendo?

É um momento muito confuso de uma forma total. A gente está caminhando para um momento melhor e eu acredito que, como rapper, como artista, a minha função é expressar o que vejo nas ruas, todas as dificuldades e todos os êxitos que eu tive na minha carreira, vindo do subúrbio. Acho que é isso, uma forma de me comunicar com todo mundo, uma oportunidade única para esse momento novo do Brasil, momento em que você tem um telefone na sua mão e a informação chega em tempo real no seu feed. Acho que os artistas dessa geração são consequência desse momento, principalmente os rappers, os punks e a galera do funk. Tudo isso é pelo social. A gente canta o que vê nas vielas, nas ruas.

Sua inspiração vem da rua, como você já revelou, e seus dois últimos discos são inspirados em filmes que, de alguma forma, marcaram sua vida e em signos do zodíaco. Qual outro tema desperta sua curiosidade e poderia ser o motivo para um novo álbum?

Gosto muito da estética relacionada à filosofia, uma coisa de outra época. Faria agora um trabalho mais conceitual, nem tão pop. Acho que os trampos do cinema e do zodíaco foram mais pop, mais popular. Acho que, se eu fosse fazer uma parada agora mais segmentada, seria algo mais underwind (mais solto, livre), mais underground.

Você chegou a cursar Direito, mas abandonou os estudos. Por que escolheu o Direito e o que mudou no meio do caminho para você desistir da faculdade?

Meu primo trabalhava numa faculdade com audiovisual e eu ganhei uma bolsa. Achava que ter um advogado na família seria uma coisa legal, então era muito mais para impressionar as pessoas da família do que uma coisa com que eu me identificava. E não durou muito. Eu não tinha muito interesse pelo assunto, não era tão empolgante e desisti rápido, ao contrário do que acontece com a música. A música é uma coisa que sempre me deixa feliz, independentemente se é para tocar para cem pessoas, para uma ou estar só no estúdio cantando. É uma coisa que me satisfaz como ser humano.

Como surgiu o convite para tocar no Rock in Rio e como foi se apresentar em um dos maiores festivais de música do mundo? Alguma lembrança marcante daquele dia?

Foi incrível tocar no Rock in Rio, a maior experiência de um show que já tive na vida. Vou ter a oportunidade de tocar este ano de novo. Naquela época, tinha acabado de chegar de uma turnê na Europa, não tive tempo de ensaiar com a banda, mas foi uma entrega incrível. Eu lembro que, na primeira música, fiquei bem emocionado porque nunca tinha passado por aquilo. Passou um filme na minha cabeça. Se eu não me engano, a gente começava com “Pecado Capital”, que é a primeira faixa do álbum de mesmo nome, que conta um pouco da minha história. E foi muito emocionante ver aquilo, com meus amigos no palco, minha família próxima. Depois voltei ao normal e foi um show maneiro.

Recentemente, num canal de TV por assinatura, você interpretou músicas da Legião Urbana. Qual a influência do rock no seu trabalho e quais bandas são suas maiores referências?

O rock tem uma influência total na forma como eu me visto, como escrevo, componho as melodias e isso me inspirou. Eu sou de 1989, então vivi um pouco do rock dos anos 1990. Minhas primeiras lembranças são de guitarras, e isso sempre me inspirava a criar alguma coisa, mesmo não tendo a experiência como músico. Era mais uma música sem compromisso, numa gaveta, um diário ou um caderno. O rock faz parte da minha formação como ser humano, mas foi o rap que me abriu as portas como músico. No meu DNA tem muita coisa de rock. Minhas maiores referências no rock são Pink Floyd e Beatles, e, aqui no Brasil, Barão Vermelho e Planet Hemp.

 

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