‘A estupidez é nossa maior inimiga’

dezembro 8, 2023

O jornalista Merval Pereira, presidente da ABL, fala da abertura da Casa à diversidade, opina sobre identitarismo e os rumos do jornalismo

Ser uma sumidade significa que alguém tem pleno domínio sobre um determinado assunto. O adjetivo vem bem a calhar quando se trata de Merval Pereira. Com uma folha de excelentes serviços ao jornalismo, ele tornou-se referência como analista de política, segmento que o faz um connoisseur e que pautam seus artigos no Globo e seus comentários na CBN e na GloboNews. O reconhecimento por sua dedicação ao ofício reflete-se na sua eleição, em 2011, para a Academia Brasileira de Letras, da qual é o atual presidente. E, desde sua posse em 2022, a Casa de Machado de Assis aponta para mudanças significativas como a de mais diversidade entre os imortais. “Os acadêmicos trabalham com a realidade do mundo e estão atentos a ela”, conta ele, por telefone, ao NEW MAG. Na entrevista, Merval legitima a relevância de personalidades como o cineasta Cacá Diegues e a escritora Conceição Evaristo e reflete sobre questões do mundo contemporâneo e, claro, sobre o jornalismo de hoje e o de amanhã. “É importante não descuidar da paridade e da credibilidade”, salienta.

Desde que o senhor assumiu a presidência da ABL a casa acolheu aquela que é uma das nossas maiores atrizes e, mais recentemente, elegeu seu primeiro representante indígena. Há uma propensão à abranger as diferenças e, com isso, a Casa mostrar que acompanha as transformações no mundo?

Há, sim, o interesse em fazer a Casa mais diversa e plural. Isso não é novidade, inclusive. Em diferentes momentos acolhemos pessoas num sinal de que a Casa apontava para essa abertura. O que acontece é que essa questão talvez seja ainda mais fundamental nos dias de hoje. Os acadêmicos trabalham com a realidade do mundo e estão atentos a ela.

A acadêmica Heloísa Teixeira (ex-Buarque de Hollanda) assumiu sua cadeira com um novo nome e, no seu discurso, destacou a importância de mais representatividade feminina. Como o senhor vê esse pleito?

Acho esse pleito perfeito. Ele está nas nossas diretrizes, e a Academia precisa acolher, sim, mais mulheres e ter maior representatividade feminina.

Quando o cineasta Cacá Diegues foi eleito, uma parcela da sociedade chiou em razão da disputa com Conceição Evaristo. Alguns comentários mostravam desconhecer que os negros são protagonistas na filmografia do diretor. A desinformação é inerente a esses tempos de avanços tecnológicos?

Acho que hoje há um fator que pauta as discussões que é o do identitarismo, o tal do lugar de fala, que só faculta ao integrante de um determinado grupo falar em seu nome. Acho isso um completo absurdo. O Cacá não foi eleito porque o protagonismo de seus filmes é de A, B ou C, mas pelo conjunto da sua obra. Sua eleição não foi contra ninguém e, sim, favorável ao que ele representa. A Conceição Evaristo apresentou sua candidatura e não cumpriu os protocolos necessários quando se pleiteia um lugar numa instituição onde se entra a partir dos votos recebidos. Não houve nenhuma retaliação a ela. Ela pode se candidatar quando quiser.

Com o Nelson Pereira dos Santos houve uma grita semelhante, não?

Alegaram, na época, que a entrada dele na Casa era absurda uma vez que ele nunca escreveu um livro.

Mas fez cinema, que é também  linguagem, e a obra dele está aí, escrita…

Exatamente.  O Nelson foi e é um dos nossos maiores cineastas.

Hoje as principais emissoras de TV têm canais dedicados exclusivamente ao jornalismo, feito ao vivo na grande maioria das vezes. Como vê a relação do público com a informação nos próximos anos?

Temos veículos digitais e analógicos que competem entre si, e há uma questão crucial nessa disputa: a da audiência. A competição é pelo tempo do sujeito, no caso o espectador. Acho que os canais voltados ao jornalismo são um ótimo recurso para quem quer se informar. A propensão é a de que tudo vá para o digital e isso é algo inexorável. Pode ser que, daqui a algum tempo, os jornais impressos acabem. O importante é a qualidade da informação. É importante não descuidar da paridade e da credibilidade.

Muitos jovens jornalistas saem hoje despreparados das faculdades, mais interessados em ser influenciadores e celebridades. O bom jornalismo está com os dias contados?

Pelo contrário, no final das contas, o bom jornalismo prevalece. Realmente há hoje uma profusão de influenciadores, mas se a gente for ver, a base que sustenta esse trabalho é a do jornalismo tradicional.

Nos tempos em que analisava as gestões de Lula e Dilma, o senhor foi associado à direita e, nos últimos quatro anos, tachado de comunista por bolsonaristas. Como o senhor lida com tanto achismo e com os haters tão comuns?

Isso já me chateou mais, mas, hoje em dia, não ligo tanto para isso. Meu posicionamento sobre a maneira como exerço o meu trabalho é o mesmo. Está claro que não mudei. Quem mudou são as pessoas que me atacam e criticam. Não me incomodo mais. Vou e abraço o Lula e sou criticado por isso. Como assim? Se você discorda de alguém você é visto como um inimigo. Não se pode mais fazer crítica nenhuma.  Tudo agora é em função de um imediatismo, e as pessoas não estão mais raciocinando. A estupidez é a nossa maior inimiga.

Você acompanhou as mudanças de governos da chamada Nova República nos anos 1980 aos dias de hoje. Todos eles tiveram, em maior ou menor grau, malfeitos relacionados à corrupção. O fim da corrupção é uma utopia?

Acho que sim. A corrupção existe no mundo todo, em maior ou menor grau, independentemente dos governos, se de direita ou de esquerda. A questão em especial no Brasil é que o país acabou sendo leniente com a corrupção. E ela acabou aceita como algo corriqueiro. Mas essa mentalidade está mudando aos poucos, não com a rapidez esperada. Num país com tantas desigualdades, com renda mal distribuída, a corrupção afeta muito mais a população do que num país desenvolvido.

Sua imagem é a de um homem sério, formal e reservado. O que é capaz de te descontrair?

Não sou tão austero assim. Não sou exatamente tímido, mas também não faço o tipo expansivo, por isso essa imagem. O que me descontrai é ler um bom livro, assistir a um bom filme, ir ao teatro, comer e beber bem. Ir a exposições de arte é algo que adoro. Não sou tão austero quanto pareço.

 

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