Tradicional e surpreendente

julho 10, 2022

Roberto Carlos volta aos palcos, no Rio, em show pautado pelo equilíbrio entre tradição e inovação

Roberto Carlos reencontrou seus fãs brasileiros após esses mais de dois anos necessários para o arrefecimento da pandemia no país. E o reencontro aconteceu na noite do último sábado (09), no Qualistage, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, após a estreia ser adiada duas vezes em razão de o cantor ter testado positivo para a Covid-19. O público não se fez de rogado e lotou os 3.500 lugares da casa de espetáculos. E Roberto retribuiu o carinho com um show que uniu tradição e surpresas – e estas fizeram-se presentes tanto no repertório quanto na parte técnica da apresentação.

Roberto é um artista metódico e tradicional. Isso é constatado em alguns números do show, mantidos como carros-chefes. Após a abertura instrumental, na qual, entre uma e outra citação,  “Como é grande o meu amor por você” foi executada na íntegra, levando a plateia a cantar em coro, o cantor é anunciado, os primeiros acordes de “Emoções” são ouvidos e Roberto mostra que, sim, está ali e que todos vão viver um momento lindo. O standard é seguido por “Como vai você”, de Antonio Marcos, gravada por Roberto no início dos anos 1970, antecipando que a noite será de fortes emoções.

Se canções como “Detalhes” e “Outra vez” (composta por Isolda) não podem faltar no roteiro, Roberto abre espaço para resgatar outras pérolas do seu rico cancioneiro. E, assim, ele reserva ao público uma série de surpresas ao mesmo tempo em que dá a ele de lambuja os sucessos tão esperados. Do teclado do piano sai uma melodia à la George Gershwin, e o público é surpreendido com os primeiros versos de “Olha”. Em “Desabafo”, antes de encerrar com o verso “Na hora que você quer”, Roberto abre parêntesis para ressaltar que o consenso amoroso acontece “quando e se a mulher quiser”, mostrando-se atento às discussões comportamentais de hoje. Sim, Roberto está ligado.

O palco é o habitat do artista e ele está à vontade. A ponto de, antes de atacar com “Sua estupidez”, declarar que “Por questão de respeito e de ética –  sobretudo de ética – não poderia dizer a quem fez aquela canção”, arrancando da mulherada gritos de “Para mim!”. Dos anos 1980, “Fera ferida”, canção raramente cantada por Roberto, fez com que ele se deixasse  levar pela emoção. No lugar de “À procura de abrigo\Uma ajuda, um lugar, um amigo”, ele cantou “À procura de amigo”, repetindo a palavra no verso seguinte, mostrando que o artista está vivo e, aos 81 anos, sujeito também a emoções.

Roberto está em plena forma vocal e física. O artista segurou firme e manteve-se de pé durante quase toda a apresentação, sentando-se somente para cantar “Detalhes”—o que já é uma de suas marcas. Ao cantar “Mulher pequena”, o trecho que diz “Sua mão leve desliza\pelos pelos do meu peito” foi a deixa para o cantor levar uma das mãos à camisa, entreabrindo-a e pondo a mulherada à prova. O ápice da sensualidade deu-se com “Cavalgada”, momento em que o arranjo ganha ares épicos em total sincronia com a iluminação, a cargo de Thiago Bonanato e que deu um show à parte. Era comum, aliás, em diferentes momentos, o palco ganhar uma tonalidade âmbar, o que não é usual nos shows de Roberto.

“É preciso saber viver” mostra que o show se aproxima do fim, sendo encerrado com “Jesus Cristo”, seguida pela tradicional distribuição de rosas à plateia. O Rei não está nu, mas seu coração está ali – na boca de cena e na do povo. Em se tratando de um show de Roberto Carlos, algumas coisas são as mesmas e outras nos surpreendem. Todas nos arrebatam. E a soberania de Roberto Carlos mantém-se inabalada. E indelével.

Crédito das imagens: Caio Girardi

O desenho de luz de Thiago Bonanato: show à parte

 

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