“Toda a vez que eu faço um espetáculo de teatro, um show de teatro”… A frase em questão é um trecho da fala de Maria Bethânia registrada no LP “Pássaro da manhã” (1977), que traz parte do repertório do show homônimo, no qual ela foi, mais uma vez, dirigida por Fauzi Arap (1938-2013). A partir de “Comigo me desavim” (1967),o diretor e a intérprete inauguram um tipo de espetáculo no qual canções e textos mesclam-se numa linha narrativa precisa e pautada pelas palavras, instrumento-chave da dramaturgia.
Esse conceito é reavivado em “Músicas que fiz em seu nome”, espetáculo no qual Laila Garin é dirigida por Gustavo Barchilon a partir da dramaturgia desenvolvidas pela cantriz juntamente com Tauã Delmiro, num processo que contou como auxílio da filósofa e poeta Viviane Mosé.
O espetáculo, em curtíssima temporada no Teatro do Belmond Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, não é um musical, muito menos uma peça musicada, mas um “show de teatro” (ou para teatro). E, não por acaso, Bethânia é o ponto de partida da trama, aberta por “Fera ferida” (Roberto e Erasmo Carlos), num andamento em que os versos são cantados de forma mais célere sem desmerecer a linha melódica.
Egressa da Bahia (como Bethânia), Laila ganhou os holofotes ao estrelar “Elis, a musical”. A partir de então, a cantriz passou a ter sua imagem invariavelmente associada a da personagem, à qual homenageou com um show à parte do espetáculo que a consagrou. Em “Músicas que fiz em seu nome”, Laila mostra – como feito em “Gota d’água a seco” e, mais recentemente, em “A hora da estrela ou o canto de Macabéa” – que pode ir (muito) além de Elis.

A atriz é Leide Milene, uma mulher que, às vésperas de mais um casamento, submete-se ao tratamento oferecido por um centro estético-tecnológico para livrar-se de dores, sofrimentos e das próprias incongruências. A partir desse mote, a personagem repensa suas idiossincrasias (e sua própria trajetória) passenado por canções variadas,muitas delas lançadas por grandes vozes femininas da nossa música.
Fafá de Belém é reverenciada com “Abandonada” (Michael Sullivan e Paulo Sérgio Valle), um dos números mais apludidos do espetáculo. Gal Costa (1945-2023) faz-se presente com “Negro amor” (versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para o tema de Bob Dylan) e “Faltando um pedaço” (Djavan). Simone, com “O que será” (Chico Buarque); Ivete Sangalo e Cássia Eller (1962-2001), respectivamente com “Tempo de alegria” (Gigi, Magno Sant’anna e Filipe Escandurras) e “Socorro” (Arnaldo Antunes\Alice Ruiz e também gravada por Gal, mas lançada por Cássia).
Em todos esses números, Laila mostra sua força de atriz e intérprete. Mas é em momentos mais minimalistas em que ela revela a cantora segura que é. E eles se dão em “Valsinha” (Chico Buarque e Vinicius de Moraes) e em dois números nos quais a presença de Maysa (1936-1977) é evocada: “Demais (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira) e “Não me deixe, não (Ne me quittes pas)”, numa versão a cargo de Adriana Falcão e cuja sofisticação remete às de Carlos Rennó.
Em “Músicas que fiz em seu nome”, Laila Garin firma-se no panteão das garndes intérpretes. Uma cantriz capaz de transitar entre os grandes musicais e os shows de teatro. Uma artista apta a transmutar-se em outras tantas mulheres (quantas ela quiser). E que em nada fica a dever a Elis ou a Bethânia. A nenhuma das nossas, aliás.
Créditos: Christovam de Chevalier (texto) e Van Brigido (imagens)