por Rodrigo Fonseca*
Criações originais como uma carrocinha concebida para caçar idosos (em vez de cães) chamada de Caça-Velho e um caracol de baba lisérgica fizeram “O último azul” tomar de assalto o 75º Festival de Berlim e disparar como favorito ao Urso de Ouro de 2025, colocando o Brasil numa dianteira histórica. Tais invenções saíram da cachola do realizador pernambucano Gabriel Mascaro, que arranca da atriz Denise Weinberg uma atuação comovente, também cotada para láureas.
– Deu trabalho criar isso tudo, pois foi um inferno inventar tudo sem referência, além de ter revisado tudo o que se escreve a partir das regras que a gente impôs na dramaturgia para aquele mundo – reconhece o cineasta ao NewMag, no Berlinale Palast, onde tem sido cercado de elogios desde domingo (16), quando “O último azul” teve sua sessão oficial, levando paragens amazônicas a telonas alemãs. – Trabalhei com cerca de 20 atores amazonenses e tive uma equipe repleta de artistas de lá. É uma aposta na pluralidade.
Uma ovação em forma de urro contagiou a Berlinale logo que “O último azul” foi projetado, assegurando respeitabilidade (e um passional fã-clube) ao realizador, antes já recebido pelo festival com “Divino amor” (2019). Antes, ele papou o Prêmio do Júri da seção Horizontes de Veneza com “Boi neon” (2015), que também levou o troféu de melhor filme no Festival do Rio.
Além de Weinberg, Mascaro levou para sua trupe de intérpretes um luminoso Rodrigo Santoro, que põe o filme no bolso em suas sequências sempre fluviais, como um barqueiro de coração partido.
– Meus outros filmes eram formalistas, já este é mais quadrado, recusando-se a se abrir para a paisagem amazonense, sem tratá-la como um lugar comum, de postal, sempre preso aos corpos, aos rostos – afirma Mascaro.
No enredo desse river movie filmado por Mascaro, o governo brasileiro passa a transferir idosos para uma colônia habitacional para “desfrutarem” seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, uma mulher de 77 anos (vivida por Denise em colossal atuação), embarca em uma jornada para realizar seu último desejo: ter dignidade… para com ela ser livre. Para isso, vai se enfiar numa jornada fluvial com direito a um barqueiro de coração partido (Santoro) e uma vendedora de Bíblias digitais (Miriam Socorrás).
– Fiz um filme sobre a chance de ensaiarmos novas possibilidades de vida. O corpo do idoso é tratado como dissidente até na arte, sem lugar. Não quis abordá-lo pelo que já foi vivido ou pela perspectiva da morte, mas, sim, sob uma lógica desejante – afirma Mascaro.
O único concorrente forte de “O último azul” até aqui é “Dreams”, do mexicano Michel Franco, sobre um bailarino imigrante, Fernando (Isaac Hernández), com risco de deportação apesar da carreira exitosa em San Francisco. O dançarino vive uma tórrida relação com a administradora de uma instituição de mecenato (papel de Jessica Chastain) que apoia talentos do balé.
Nesta terça, a chegada do esperado “Blue moon”, de Richard Linklater, com Ethan Hawke, tem fortes chances de mudar o placar do evento, dado o prestígio de seu realizador, já premiado por lá (e indicado ao Oscar) com “Boyhood” (2014).
*enviado especial ao Festival de Berlim
Crédito das imagens: Rodrigo Fonseca (alto) e Guilhermo Garza
