‘O futuro da charge é o de ser etérea’

dezembro 27, 2024

O chargista Chico Caruso completa 75 anos e fala de humor, politicamente correto, censura e que a política ainda é um prato cheio para seu trabalho

Um bom jornalista precisa saber condensar bem os fatos que apura. Poder sintetizar um fato num desenho é um dom. E Chico Caruso o tem. Tanto é que a charge política é seu ganha-pão há 56 anos, sendo que 40 deles numa mesma casa: O Globo, jornal onde ingressou em 1984 já consagrado como gênio do traço em razão de sua passagem por veículos como O Pasquim e, no início dos anos 1980, o Jornal do Brasil. Chico completou 75 anos no início deste mês mostrando que é senhor no ofício que abraçou. A cabeça anda a mil, e o humor,  afiadíssimo. “Lendo os jornais, sempre me vem uma ideia”, reconhece ele, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. Com a objetividade que é uma de suas marcas, ele diz que não se surpreendeu com os planos para um novo golpe de estado no país, fala da relação com o ofício em tempos politicamente corretos, emociona-se ao lembrar do irmão, o também chargista Paulo Caruso (1949-2023), avalia o pai que foi para os filhos – a jornalista Marina Caruso e o ator Fernando Caruso – e arrisca um palpite sobre o futuro da charge num mundo onde a Inteligência Artificial ganha cada vez mais terreno.

Esperava chegar aos 75 anos producente e criativo?

Nunca havia pensado sobre isso. Vejo, hoje, que fui mesmo longe. Acontece que, para o meu trabalho, o Brasil é inspirador. Lendo os jornais, sempre me vem uma ideia. Nesse ponto, o país não me dá sossego (risos).

Quantos jornais lê hoje?

Antigamente eram vários. Hoje, leio a Folha (de São Paulo), O Globo e o Estadão (O Estado de São Paulo).

Você acompanhou de perto as principais mudanças políticas recentes no país…. Esses planos para um novo golpe militar te surpreenderam?

O planejamento da vilania em si não, mas os requintes de crueldade e com a intenção de criminalidade, sim. Você planejar os assassinatos de um presidente da República (Lula), de seu vice (Alkmin) e de um ministro do Supremo (Tribunal Federal) é algo aterrorizante.

Quando se faz crítica política, o chargista é ao mesmo tempo pedra e vidraça. Ele pode ser tachado de reacionário ou de comunista. Qual a pedrada mais sui generis já recebida?

Sinceramente, não me lembro. São tantas charges já publicadas… Não lembro mesmo. Se houve esse tipo de situação, ficou no passado.

Em qual ambiente, profissional ou político, teve mais liberdade e sossego para criar?

Nas redações em que trabalhei sempre encontrei ambientes propícios à produtividade. E isso vale tanto para jornais combativos, como o Pasquim ou o Opinião, quanto para as grandes publicações, como o Jornal do Brasil ou O Globo.

Sofreu algum tipo de censura?

Nenhuma.

Alguma charge que te entusiasmou e depois viu que seria de bom tom não publicar?

Nenhuma. Sempre procurei uma solução publicável. Faço o melhor que posso a cada dia.

O politicamente correto é um grilhão ou uma alforria?

Não é um grilhão, não. A gente precisa acompanhar as mudanças no mundo e, com isso, ter uma atitude sensata. O politicamente correto precisa ser uma atitude consciente e constante no nosso dia a dia.

Indo agora para a seara da família, qual a lembrança mais marcante você guarda do Paulo?

Além de sermos irmãos, tivemos esse lance de sermos gêmeos, o que faz toda uma diferença. Ele era o meu maestro. Ele tocava violão, piano, e fazia tudo isso bem. Era um artista fantástico. E, na nossa parceria, um estimulava o outro. Ele é insubstituível.

Teus filhos de certa forma perpetuam teu legado. Marina, no jornalismo; Fernando no humor. Como avalia o pai que você foi e é?

Não sei (risos). Procurei, na medida do possível, estar e ser presente na vida deles. Não quis, com eles, repetir o que vivi com meu pai, que saiu de casa e nos deixou muito cedo.

Algum arrependimento?

Não, nenhum.

Se não fosse chargista, seria…

Não sei o que seria (risos)…

Cantor (Chico costuma cantar “Caruso” para os amigos)?

Gostaria muito de ter sido músico, mas não sei tocar nada. Ator, talvez. Acabo sendo um pouco na vida. Cheguei a fazer teatro, mas minha dicção não me ajudou. Tenho péssima dicção.

Qual o futuro da charge?

O futuro da charge é o mesmo do jornalismo impresso: o de tornar-se etéreo, deixando de ser palpável. As pessoas vão se inteirar das coisas através dos celulares ou de novos dispositivos. Enquanto isso, nós continuaremos perseguindo a eficiência, perseverando nesta profissão.

Crédito da imagem: Leo Martins

 

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