Memórias e (r)evoluções

outubro 19, 2024

O grupo Dzi Croquettes, que mudou o Brasil, tem sua história narrada em livro com que Claudio Tovar celebra seus 80 anos

Claudio Tovar emocionou-se ao ver, recentemente, imagens de Josephine Baker (1906-1975). “Essa mulher me viu dançar… Essa mulher me aplaudiu”, repetia ele como num mantra. A cantora e dançarina francesa ajudou a tornar famosos no seu país 13 bailarinos que revolucionaram, nos anos 1970, a Cultura, o pensamento e o comportamento no Brasil. Estamos falando dos Dzi Croquettes, grupo que abriu asas e alas a outras tantas trupes que surgiram em seguida no teatro, na música (As Frenéticas, por exemplo) e na dança em si.

Esse conjunto terá pela primeira vez sua história contada em livro. E o responsável pelo feito é o ator e artista visual Claudio Tovar, um dos três remanescentes ainda vivos do grupo. Resultado de três anos de labuta, “Dzi Croquettes – As internacionais” (Claraboia) será lançado na próxima terça-feira (22), na Livraria da Travessa de Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro.

Tovar, Bayard Tonelli e Ciro Barcelos foram procurados por uma produtora, em 2021, com uma proposta tentadora: a de realizarem uma série sobre o grupo e um livro a partir dos relatos dos três. Empolgados, Ciro e Tovar deitaram a escrever, mas só o segundo deu continuidade à tarefa. A ideia da série ficou pelo caminho e, quando deu por si, Tovar já tinha alguns capítulos escritos.

– O livro é a forma como vou celebrar meus 80 anos (completados em julho). Em vez de fazer uma viagem ou uma festa, vou me dar esse presente – celebra Tovar criticando em seguida uma característica comum nos brasileiros: –O grupo cumpriu um papel importante, e a memória do brasileiro acaba logo, né? Queria que alguém escrevesse sobre aquilo tudo e acabou sendo eu.

Reavivar tais lembranças foi um exercício importante para o artista, cuja memória lhe pregou algumas peças “Correspondia uma coreografia a certos figurinos e depois me dei conta de que não estavam associados”, entrega ele, que teve em Dona Eda, sua mãe, uma preciosa aliada para organizar as ideias.

–  Ela juntou, ao longo de anos, matérias de jornais, fotos, cartazes e programas dos espetáculos que fizemos. Um dia, fui à sua casa, em Vitória (ES), e ela me entregou todo esse material com a justificativa: de que precisava que eu esvaziasse seus armários – diverte-se Tovar celebrando a iniciativa: — Ganhei de mão beijada todo o acervo para a pesquisa.

Cartaz de um dos espetáculos da trupe

E boas e divertidas histórias não faltam. Era 1974 os Dzi Croquettes desembarcaram em Lisboa, na cara e na coragem. Na bagagem, quase duas toneladas de apetrechos e objetos de cena, espalhados por baús coloridos, pintados por eles próprios à la Mondrian. “Vocês têm contrato?”, inquiriu o policial aduaneiro. Como não tinham, tudo foi retido, sendo liberado dias depois e através da intervenção da Embaixada Brasileira.

E a questão só foi resolvida graças a outra contenda. Os brasileiros ensaiavam numa boate quando, num belo dia, foram surpreendidos pelo dono do local.

–  Não promovemos shows masculinos – censurou o gajo, sendo prontamente respondido por Lennie Dale:

–  É que você ainda não nos viu com nossos paramentos.

– E onde estão eles? – devolveu o empresário levando-os a providenciar a liberação dos tais baús.

Se muitos dos episódios são divertidos, com outros, Tovar precisou também colocar o dedo em feridas. Uma delas diz respeito à dissolução do grupo em 1976. Dale desaprovou o cenário criado pelo amigo para o palco do Teatro Castro Alves, na Bahia, e o fato suscitou uma discussão que culminou numa briga boba, como relembra Tovar:

–  Estávamos com nossas coisas ainda na Europa, e fiz um cenário possível dentro das nossas  circunstâncias para aquele teatro gigantesco. Lenie desaprovou e discutimos por isso. Nossa separação foi infantil, tola e boba. Podíamos ter conversado mais, mas isso não foi possível…

A vida é esse amontoado de acontecimentos, bons e maus. Alguns deles podem transformar – para melhor – um país. Foi o que fizeram os Dzi Croquettes, conjunto sem precedentes no Brasil, cuja história é agora merecidamente  imortalizada.

Uma das imagens entregues a Tovar por sua mãe, Dona Eda

 

Posts recentes

Festão com xenhenhém

Preta Gil prestigia Alcione em aniversário que reuniu grandes personalidades no Rio de Janeiro

‘Não esperava ficar 30 anos na TV’

Alexandre Borges celebra 40 anos de carreira no palco e saúda a abertura da TV à Diversidade, aplaude Fernanda Torres e defende parcimônia com o whatsapp

De pedra a vidraça

Flávio Marinho reúne grandes talentos em lançamento de livro com textos dos tempos em que atuou na imprensa