‘Regina é das pessoas mais sensacionais que conheci’

agosto 2, 2024

Hamilton Vaz Pereira celebra os 50 anos do grupo que mudou a cena teatral, incensa Caetano Veloso e Regina Casé e quer trabalhar com Antonio Fagundes

Hamilton Vaz Pereira é um homem capaz de provocar (r)evoluções. E tal faceta começou a ser notada em 1974, quando jovens transformaram a cena teatral vigente. O grupo em questão era o Asdrúbal Trouxe o Trombone, que revelou talentos como Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Evandro Mesquita e Patrícia Travassos, entre outros. O conjunto, capitaneado por Hamilton, levou à cena questionamentos relacionados aos jovens de então, abrindo alas para grupos e tendências que ganhariam os palcos nas décadas seguintes. Pioneiro e visionário, o diretor passou a criar seus espetáculos a partir de oficinas, o que possibilitou criar um teatro diverso e inclusivo anos (luz) antes de essas pautas estarem na ordem do dia. E, seguindo essa premissa, ele ocupa o Parque Lage, no Rio de Janeiro, com “Nesse lugar e instante”, através da qual celebra os 50 anos do Asdrúbal. “As pessoas têm hoje um letramento diferente das que conheci”, celebra o diretor de 72 anos nesta entrevista ao NEW MAG. No bate-papo, por telefone, Hamilton rememora prazeres e perrengues dos anos 1970, aplaude o teatro conhecido como besteirol e incensa Caetano Veloso, Antonio Fagundes e companheiros de geração. “Poucas vezes ri tanto quanto nas conversas com Mauro Rasi e com Vicente Pereira”, reconhece ele.

De uns anos para cá, você cria seus espetáculos a partir de oficinas, levando à cena atores de diferentes biótipos, promovendo um teatro inclusivo e diverso antes de essas questões pautarem nossas vidas. Qual o preço por ser pioneiro?

O preço é maravilhoso… O teatro me deu muita coisa de bom na vida a começar pela experiência com as pessoas, e isso vale para artistas e para o público. O público teatral mudou e está ainda mais diverso, sobretudo da pandemia para cá. As pessoas têm hoje um letramento diferente das que conheci quando comecei. Há uma curiosidade diversa e legítima do público, e ela não foi abalada. Hoje, por criar meus espetáculos a partir de oficinas, é comum as pessoas me chamarem de professor quando me encontram na rua , e isso é algo que me dá muito orgulho. Tenho amigos professores e acho um barato pertencer, aos 72 anos, à categoria dos professores.

Trate-me Leão revolucionou o teatro ao levar à cena uma linguagem contemporânea, inspirando outros grupos teatrais como o pessoal do Despertar e o Troglô. Qual a situação mais surpreendente vivida na época do Asdrúbal?

Lembro de abrir o jornal e acordar a Regina Casé para ler para ela a primeira crítica recebida pela imprensa. Era uma crítica do Yan Michalski (um dos mais importantes críticos teatrais do país) que dizia que surgia ali uma coisa nova. Essa foi uma chancela que deu para a gente uma perspectiva de vida. Estávamos na roda, na sociedade e podíamos exercer algo útil à sociedade. O trabalho do artista é solitário, mesmo em grupo, e foi importante ver que éramos capazes de gerar algo que poderia comover as pessoas.

Em que momento esteve mais perto do perigo?

Apresentávamos nossa versão para “Ubu Rei”, do Jarry, e ia semanalmente à Censura pedir a liberação do espetáculo. Ia sozinho e, certa vez, estive numa sala sendo interrogado por um general que fez perguntas capciosas mesmo sem ter visto a peça. Estava sozinho e, caso tivesse respondido algo que o desagradasse, teria sido detido.

Você atravessou, ao longo da carreira, uma ditadura e um país que passou por diferentes planos econômicos e, recentemente, por um governo negacionista. Já pensou em desistir do Brasil?

Nunca! Deixar o país significaria desistir do meu amor, do meu filho, dos meus amigos e de mim mesmo. Gosto daqui com toda a encrenca e maravilha que o país pode dar – e aqui tem encrenca o tempo todo! Mas para isso existe o teatro, para eu ver o que posso fazer, através dele, para melhorar o país e o outro. Daqui ninguém me tira!

Você teve oportunidade de trabalhar com a Regina no Asdrúbal, em Nardja Zulpério e na Ira de Aquiles. O que ela tem de mais instigante para Hamilton Vaz Pereira?

A Regina é das pessoas mais maravilhosas para se estar perto. Continuo perto dela, penso nela todos os dias e falamo-nos com certa frequência. A gente não se desgruda, trabalhando ou não. Ela é das grandes atrizes brasileiras e um ser humano com uma capacidade de perceber as sutilezas do Brasil e traduzi-las de forma leve e inteligente para o público. Ela é uma das pessoas mais sensacionais que conheci na vida.

O Asdrúbal abriu alas para o teatro que,nos anos 1980, ficou tachado de Besteirol. Qual a principal contribuição desse estilo para o teatro brasileiro?

Quando o Besteirol surgiu, houve na imprensa comentários de que ele seria filhote – e esse era o termo – do Asdrúbal. De certa forma, o Asdrúbal abriu alas para os atores se posicionarem e levarem à cena experiências pessoais, ligadas às suas vidas. O besteirol nos trouxe artistas como Pedro Cardoso e nomes como Miguel Falabella e Vicente Pereira, que conheci através do Luiz Fernando Guimarães. Poucas vezes ri tanto na vida quanto nas conversas com Mauro Rasi e com Vicente Pereira. O besteirol retribui o que absorveu do Asdrúbal com essa graça de viver, que é única nele.

Como viu o boom do teatro confessional que tomou os palcos brasileiros nos anos 1990?

Vi com bons olhos apesar de não ter me ligado muito nele. Minha relação com o teatro é de altos e baixos, com momentos em que  assisto a tudo e, outras vezes, em que desapareço da plateia (risos). Mas o teatro confessional tem seu mérito, a começar pelo seu principal incentivador, Domingos Oliveira, grande papa do teatro e pessoa adorável. Esse movimento não me cativou tanto quanto o besteirol, mas fez a alegria de muita gente, e essa é uma das razões de o teatro existir.

Você participou do Cinema Falado, filme do Caetano, com bifões de “Grande sertão: veredas”. O que mais te motivou a participar daquela experiência?

O Caetano telefonou perguntando se eu leria Guimarães Rosa num projeto dele. Ainda não havia lido “Grande sertão: veredas”, que é maravilhoso. Quando ele me disse as páginas que seriam, perguntei: vem cá, vou falar durante 20 minutos, é isso? Fiz uma edição a partir da proposta dele e, ainda assim, a cena durou uns 12, 13 minutos (risos). Ela foi filmada de pronto, sem repetição. Quando terminamos, fui ao chão e caí no choro. O Caetano tem esse dom de provocar na gente uma série de encantamentos. Ele desperta as pessoas da letargia na qual elas estão sem que percebam.

E com qual ator gostaria ainda de trabalhar?

Fiz recentemente com o (professor e filósofo) Roberto Machado uma adaptação teatral do Zaratusta (“Assim falou Zaratusta”, do Nietzsche). Enviei o texto ao Antonio Fagundes que, tempos depois, me telefonou revelando suas impressões sobre o texto. Tivemos umas duas, três conversas ao telefone. O Fagundes é alguém com quem gostaria de estreitar uma amizade. Ele é uma pessoa encantadora e deu para sentir isso nas nossas conversas.

Crédito da imagem: Reprodução (instagram)’Regina

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