Plena de tanta luz

maio 26, 2024

Simone registra show com que celebra seus 50 anos de carreira em noite com participações de Zélia Duncan e de ritmistas da Portela

“Uma pessoa é o que a sua voz é”. A frase foi cunhada por Fernanda Montenegro, grande dama do nosso teatro, em um bilhete entregue à cantora Simone em idos dos anos 1980 – e  transformado, três décadas depois, no tema que abriu o álbum “É melhor ser”. A frase vem mesmo bem a calhar quando se trata de Simone, artista que, ao abrir a garganta, mostra sua força, que é (de fato) tanta. E assim se mantém há cinco décadas, desde sua estreia no mercado fonográfico em 1973. E, um ano após abrir, em Minas Gerais, a turnê com que celebra seus 50 anos de carreira, ela fez o aguardado (e merecido) registro de “Tô voltando”. A gravação deu-se na noite do último sábado (25), num Vivo Rio lotado em noite que contou com as participações de Zélia Duncan e de ritmistas da Portela.

E a espera valeu a pena. Simone registrou um show azeitado pelo tempo, mostrando-se perfeitamente entrosada com os cinco excelentes músicos que a acompanham, com especial destaque para Filipe Coimbra (guitarra) e Chico Lira (teclados e violão). A diferença de idade entre intérprete e músicos foi apontada com fairplay pela própria cantora.

– Eles integram o meu jardim de infância (risos). Muitos aqui têm 25 anos – destacou a cantora abrindo alas para reverenciar Fernanda Montenegro, sentada na primeira fila: – Era a idade que eu tinha quando te conheci pessoalmente e ajoelhei-me diante de você.

Na ocasião, Simone já estava à vontade, após abrir a apresentação às 21h30m – 15 minutos após o previsto. A apresentação, a exemplo do show “Em boa companhia”, foi aberta com “Tô que to” (Kleiton\Kledir), lançada por ela no LP “Corpo e alma”, em 1982. “Vem cá de qualquer maneira”, canta ela, e o público foi junto, atendendo ao apelo da letra, num feito que marcaria as demais 20 canções do roteiro, alinhavado em parceria com Marcus Preto.

Simone revisita clássicos de seu repertório, muitos deles lançados por ela. Estão lá “Jura secreta” e “Alma”, da dupla Sueli Costa e Abel Silva; “Começar de novo” e “Desesperar jamais”, de Ivan Lins e Vitor Martins; “Cigarra” e “Encontros e despedidas”, ambas de Milton Nascimento letradas, respectivamente, por Ronaldo Bastos e por Fernando Brant.

Simone canta “Começar de novo”, um dos muitos clássicos que imortalizou

E, em se tratando da Cigarra, o show cresceu e se espalhou no ar. Especialmente quando resgata duas pérolas que Simone não cantava há décadas: “Sangue e pudins”, parceria de Fagner e Belchior, e “Depois das dez”, canção de Tunai cujo acento pop foi acentuado pelo clima disco do novo arranjo. No caso da primeira canção, a própria artista reconheceu ao NEW MAG nos bastidores: “É uma canção que me exige muito. É o momento mais difícil do show para mim”.

E o resultado foi impactante. Outro momento de mais explosão que serenidade remete à faixa de “Da gente”, seu mais recente projeto. O coco “Boca em brasa”, parceria de Zélia Duncan e Juliano Hollanda, é a deixa para a autora entrar em cena. Instaura-se então o clima de “Amigo é casa”, histórico show que uniu as duas artistas. O plano original era o de cantarem, além de “Boca”, “Iolanda, canção de Pablo Milanes vertida para o português por Chico Buarque. Acontece que a amiga estava em casa e estendeu a visita a “Ex-amor”, de Martinho da Vila.

O samba, gravado originalmente por Simone para o projeto “Casa de samba”, abriu alas para a folia da intérprete. E vieram a supracitada “Desesperar jamais” seguida por “Tô voltando” e, no bis,  “O amanhã”, magistralmente acompanhada por ritmistas da Portela, escola de samba do coração da cantora.

Num caminho inverso ao do clássico samba, gravado por ela no LP “Delírios, delícias”, Simone não fez previsões ou prognósticos. Ela revisitou – de forma sempre feliz – sua trajetória, (re)demarcando o território do seu canto e corroborando sua importância na música brasileira – e nas vidas de muitos brasileiros. Sim, uma pessoa é o que a sua voz é. E, no caso de Simone, pessoa e voz são imensas.

Crédito das imagens: Christovam de Chevalier (show) e Vera Pinheiro

Simone e Zélia Duncan cantam juntas “Iolanda”, de Pablo Milanes vertida para o português por Chico Buarque
Leila Pinheiro, Simone, Fernanda Montenegro e Zélia Duncan no camarim

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