‘É um erro não contratarem pessoas mais velhas’

julho 7, 2023

Nívea Maria fala sobre atuar no teatro, o reconhecimento no cinema e sobre combater o etarismo na indústria do entretenimento

Nívea Maria é daquelas grandes atrizes cuja trajetória confunde-se com a da própria TV brasileira. Com mais de 40 novelas no currículo, entre clássicos como “Gabriela”, “Brega e chique” e “Pedra sobre pedra”, a estrela vive hoje novo momento na carreira. Desligada em 2022 da TV Globo, onde trabalhou por mais de 50 anos, ela mergulha (e nada de braçada) nos palcos e no cinema. E, aos 76 anos, concorreu como Melhor Atriz  no Festival de Cinema de Vassouras por sua personagem no filme “Capitão Astúcia”, dirigido por Filipe Gontijo. Em entrevista por telefone ao NEW MAG, ela comentou sobre novos projetos, sobre sua atuação em “Ensina-me a viver” e sobre etarismo, essa mazela que todos nós precisamos combater. 

Quando vamos vê-la nas telas novamente? Há hoje um mercado muito fortificado na área de streaming…

Estarei na terceira e na quarta temporadas do seriado “A divisão”, do Globoplay, ao lado do Marcelo Adnet. Foi uma experiência maravilhosa sair do universo da teledramaturgia de novelas, de televisão. O conteúdo é muito interessante, muito diferente. Fiquei muito feliz, com essas mudanças todas que estão acontecendo. Trago para o público uma maneira diferente de atuar, uma novidade. Na televisão aberta, ainda não tenho perspectivas de novos trabalhos. Estou disposta às novidades que vão surgir no streaming.

A senhora esteve recentemente do Festival de Cinema de Vassouras com o filme “Capitão Astúcia”. Como foi atuar no filme e ainda concorrer, aos 76 anos, ao prêmio de Melhor Atriz?

Filmei “Capitão Astúcia” seis anos atrás. Fiquei surpresa de concorrer ao prêmio e feliz pelo meu colega, o ator Fernando Teixeira, que, aos 80 anos, ganhou como Melhor Ator. É um filme engraçado, sensível e emocionante que fala da relação de um avô e um neto. Faço participação como enfermeira da casa de repouso onde o Astúcia (Fernando) mora. E, ali, nasce uma relação de amizade, de carinho e de loucura, com o Astúcia sonhando ir ao espaço como uma criança. A personagem embarca nessa viagem. Adorei fazer e fiquei muito feliz com a aceitação do público. Também tenho outro filme para ser lançado, “Um caso do outro mundo”, em que contracenei com minha irmã Glauce Graieb. O longa concorreu a Melhor Filme no festival SWIFF, nos Estados Unidos. Fico meio decepcionada de não conseguir, no meu próprio país, abertura para apresentar nossos projetos.

Recentemente a senhora atuou na peça “Ensina-me a viver”, sucesso do cinema e da literatura dirigido por João Falcão. Tem novos planos para o teatro?

Tenho planos sim. Adoro fazer teatro. Cada vez que faço, posso apresentar um trabalho diferente ao público. Estamos tentando patrocínio para rodar o Brasil com “Ensina-me a viver”. Fizemos apresentações em São Paulo e Belo Horizonte, onde fomos muito bem. Considero esse trabalho um presente na minha carreira. A Maude é um clássico feito por grandes atrizes anteriormente como Glória Menezes. E o enredo, apesar de clássico, é atualíssimo. Fala de uma mulher que vai completar 80 anos e que tem uma grande vitalidade e uma energia ótima. Ela encontra soluções para dificuldades da vida que encantam Harold, num trabalho fantástico do Arlindo Lopes. Você pode não ter, como pessoa, palavras para definir sentimentos e, nisso, o teatro pode ajudar, e ajuda muita gente. Tem gente que sai da peça chorando, muito emocionada. Isso justifica, para mim, a profissão que escolhi. Vejo isso como uma missão. Nunca me encantei pelo glamour da profissão. Também tenho feito coisas que me dão muito prazer. 

E o que a senhora tem feito?

Às vezes faço leituras de textos em escolas. Isso dá um retorno maravilhoso à minha história na televisão, no cinema e no teatro. Vejo o carinho, a receptividade e a importância que é continuar na ativa ajudando a cultura do nosso país. 

Rosamaria Murtinho falou que está cada vez mais difícil ser escalada para trabalhos. Muito tem se falado sobre essa medida adotada por emissoras de TV, de deixar de lado atores já com idade avançada. Como a senhora vê esse tipo de conduta?

Estive com ela num festival e esse tema foi abordado numa conversa. Vejo com pena e, como falta as pessoas pensarem na importância de ter em uma novela a relação entre atores mais velhos. Sempre foi muito importante para mim, conforme fui envelhecendo na carreira e iam chegando os atores mais jovens, trocar experiência com eles. Eles trazem uma novidade, um frescor, que nós aprendemos com eles, assim como eles aprendem com a gente. É um erro de autores, diretores e das emissoras não contratarem pessoas mais velhas. Isso sem falar em pessoas de outras classes sociais, gêneros e etnias. 

Não vemos protagonistas com mais de 60 anos nas novelas atuais. Os idosos ficam restritos a poucos papéis. Por que a senhora acha que isso acontece?

Penso que é uma regra das emissoras e dos autores não escreverem personagens para pessoas mais velhas. E se tiver que ter o papel de uma pessoa mais velha, acima de 50 anos, eles preferem que uma pessoa mais nova o faça, e o caracterizam como se tivesse mais idade. Tomara que eles se deem conta desse erro que estão cometendo. Meus colegas veteranos estão com a mesma energia, a mesma memória de sempre. O Ary Fontoura é um exemplo, ele entrou para esse mundo da tecnologia com a maior facilidade e agradou muito ao público. Além da criatividade e de ser um grande ator, ele ganha dinheiro dessa forma. É uma questão dentro de tantas coisas erradas que acontecem no nosso país.

Como a senhora acha que a indústria do entretenimento pode ajudar a combater o etarismo?

Com um pouco mais de inteligência. Se as empresas querem retorno financeiro, elas não podem focar em uma coisa só, e sim ter um leque aberto de opções. Se elas não acreditam, que pelo menos tentem, para ver se dá certo. Chamem pessoas mais velhas não só para atuar, mas também dirigir e produzir. Chamem autores mais velhos para escrever. Vários que fizeram sucesso com suas novelas foram esquecidos. Precisamos ter força, fé e esperança que as coisas vão melhorar. 

Crédito da imagem: divulgação

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