‘Tivemos Bolsonaro no meio do caminho’

junho 6, 2025

José de Abreu volta aos palcos após 12 anos e fala sobre superação, coragem e celebra o vigor do teatro e o desafio de viver papel que coube a Brendan Fraser no cinema

por Rodrigo Fonseca*

Depois de 12 anos de ausência dos palcos, num período de sucessos na TV e no cinema, José de Abreu regressa à ribalta regando as raízes teatrais de um fenômeno do cinema: “A Baleia”. O filme que rendeu o Oscar de Melhor Ator a Brendan Fraser em 2023 é derivado da peça “The Whale”, do americano Samuel D. Hunter, que está no Brasil para acompanhar os ensaios do texto, que estreia nesta sexta (06) no Teatro Adolpho Bloch, no Rio de Janeiro. O mamífero aquático do título foi transposto para a casa de espetáculos da Glória sob a direção de Luís Artur Nunes,  parceiro antigo de Abreu em sua carreira. O que o público carioca vai conferir a partir deste fim de semana é o calvário de um professor de Redação que, assolado por um luto devastador, tenta reaver os laços paternais com uma filha da qual ficou afastado. A obesidade mórbida prejudica sua reeducação sentimental, mas o amor serve como aríete em sua reconstrução emocional.

Para viver Charlie, Abreu terá uma caracterização complexa. O ator usa prótese facial e um figurino com enchimento, climatizado. O figurinista Carlos Alberto Nunes e a visagista Mona Magalhães, ambos da Unirio, comandam a concepção desse exoesqueleto. O elenco também conta com Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e a participação especial de Alice Borges. A produção traz cenários assinados por Bia Junqueira, iluminação de Maneco Quinderé e trilha sonora de Federico Puppi. A seguir, Abreu conta ao NEW MAG o que já descobriu nas águas de Hunter.

O cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012), que te dirigiu em filmes icônicos como “Anjos do Arrabalde” dizia que nenhum ator traduz melhor a brasilidade, com seus dilemas e alegrias, num silêncio, do que você. O quão profundos são os silêncios de Charlie, em “A Baleia”? Qual é a universalidade desse mar?

Fale de sua aldeia e você estará falando do universo. O Samuel é de Moscow, Idaho (EUA), e a peça se passa lá, num lugar como a cidadezinha dele. Seu protagonista é cheio de silêncios que são internacionais, pois os problemas de Charlie são os problemas do mundo: o resgate do amor, o trato com uma sociedade preconceituosa. Os silêncios do Charlie revelam mais do que aquilo que ele fala.

Você fez um estudo radical da política brasileira com a peça “Bonifácio Bilhões”, na década passada, e saiu dela para outras mídias, como a TV e o cinema. No tempo desse teu hiato do palco, o que mudou no teu olhar para a cena, para o lugar de pesquisa e descoberta que o teatro é?

Nós tivemos um Bolsonaro no meio do caminho. Hoje, o teatro brasileiro está completamente revigorado, com centenas de peças em cartaz no Brasil inteiro. São temporadas menores, mas muitas fazendo grande sucesso.

O que já descobriu com Charlie?

Cada peça tem uma vida exterior. Existe aquilo que você lê e existem os subtextos. O Charlie não acaba porque ele tem muito subtexto. O fato de estar encalhado no sofá… e, depois, na cadeira de rodas… é uma coisa muito física, mas a mente dele é muito inquieta. Ele está à beira da morte e a urgência de resolver as coisas torna tudo mais difícil.

A paternidade vem sendo um assunto retrabalhado com mais empatia pelo cinema após de décadas a fio de filmes sobre ausência de pais, de pais alquebrados. Que pai é esse que você constrói e o que ele reflete sobre a condição masculina hoje?

 Essa é a questão: que pai é esse? É um pai que, num determinado momento de sua vida, descobre sua homossexualidade e resolve viver seu grande amor. Esse passo traz consequências funestas. Perde a guarda da filha e se culpa por ter dado esse passo. Esse passo provocou a morte do seu amor, por inanição, por não comer, num suicídio lento. Charlie passa então a comer pelos dois. Também está cometendo um suicídio lento. A grande esperança da vida dele é o resgate da filha. Tem uma frase linda em que ele diz: “Eu preciso saber que eu fiz uma coisa boa na minha vida”.

Você coleciona parcerias com diretores autorais na sua trajetória em múltiplas mídias. O Luís Artur Nunes entra onde nesse rol?

Com o Luís Artur, trabalho desde 1972, quando fui para Porto Alegre. Depois, houve um hiato em que passei um tempo fora, mas logo voltei para Pelotas e, no Sul, montamos a “Salamanca do Jarau”. Anos depois, fizemos “A Mulher Sem Pecado”, que é um Nelson Rodrigues incrível (encenado em 2000), e, depois, “Fala, Zé!”, um monólogo (em 2006). Quando eu tenho a ideia de fazer uma peça, eu sempre chamo o Luís Artur.

Crédito da imagem: Raquel Cunha/TV Globo

*em colaboração especial para o NEW MAG

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