por Rodrigo Fonseca*
Convocado para abrir o Festival do Rio, no dia 5 de outubro, “Dispararon al pianista” desfilou sua animada cartografia da vida carioca para o norte da Espanha, país de seus realizadores: o designer Javier Mariscal e o oscarizado diretor Fernando Trueba. Os dois combinaram talentos ao recriar em forma de animação os bastidores do desaparecimento (e provável assassinato) do ás do piano Francisco Tenório Cerqueira Júnior (1941-1976), em Buenos Aires, na Argentina.
— Teríamos coprodução com o Brasil, mas com os boicotes à cultura que vocês sofreram pouco antes da pandemia, nós perdemos esse apoio, e levantamos o filme em parceria com a Holanda, a França e Portugal — diz Trueba ao NEW MAG no Festival de San Sebastián, que ainda recorda sua passagem em solo brasileiro — descobri a história de Tenório Jr. quando estive no Brasil, em 2004, para lançar o documentário rodado na Bahia “Milagre do Candeal” (sobre Carlinhos Brown). O som maravilhoso do piano de Tenório Jr. me atraiu a atenção.
Em 2012, Trueba e Mariscal foram para as finais do Oscar de animação com “Chico y Rita“, sobre músicos de Cuba. Em “Calle 54“, de 2000, Trueba também fez um inventário da melodia em nosso continente. Mas o filme sobre Tenório Jr. segue um tom de thriller político, tendo como protagonista um jornalista americano (sua voz é a de Jeff Goldblum, de “A mosca”), que é apaixonado por bossa nova. Seu principal aliado na pesquisa do sumiço do pianista é um especialista em MPB chamado João, cuja voz é feita por Tony Ramos, falando inglês.
Mitos como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Milton Nascimento deram entrevistas para Trueba e Mariscal. Todas essas figuras foram animadas pelos cineastas, com a ajuda do quadrinista niteroiense Marcello Quintanilha (premiado na Europa por “Escuta, formosa Márcia”), que fez o design dos personagens.
— Em vez de buscar no Google informações sobre como se bebe cerveja em Ipanema, a gente consultou o Marcello — diz Mariscal.
O Festival de San Sebastián segue até o dia 30, quando a projeção do drama “Dance first” — cinebiografia do dramaturgo Samuel Beckett, com Gabriel Byrne — encerra o evento. No mesmo dia serão conhecidos os eleitos do júri presidido pela diretora francesa Claire Denis. Até o momento, entre os 16 títulos em concurso pela Concha de Ouro, o de recepção mais calorosa foi “All dirt roads taste of salt“, da poeta americana Raven Jackson. É um austero estudo sobre a vida de duas mulheres, numa relação de maternidade, numa comunidade rural do Mississippi. Neste domingo, haverá mais um concorrente dos EUA em campo: “Ex-husbands“, com o icônico (quase) casal do cult “Depois de horas” (1985): Rosanna Arquette e Griffin Dunne.
*enviado especial ao Festival de San Sebastián