‘Tenho um acordo com o agora’

agosto 26, 2022

Paulinho Moska fala sobre o país, a passagem do tempo, do filho artista e dos laços com feras da música, do Brasil e do exterior

Paulinho Moska não será, a partir deste sábado (27), “o mesmo de ontem”. O cantor e compositor, um dos mais talentosos da sua geração, completa 55 anos. E a comemoração será no palco do Circo Voador, onde ele sobe nesta sexta, à meia-noite, para apresentar as canções de “Beleza e medo”, seu novo trabalho. O reencontro com o público se dá após dois adiamentos, provocados pela variante ômicron e, depois, pelo fato de o próprio artista ter testado positivo para a covid. Surgido na cena musical nos anos 1980, quando o rock dava as cartas, Moska consolidou, a partir da década seguinte, seu nome entre os mais importantes da cena pop e musical brasileira. Ampliou horizontes e firmou parcerias com nomes do Brasil e da América Latina. A passagem do tempo não lhe assusta ao contrário do cenário político do país. Por causa dele, incluiu o medo na proposta do novo trabalho. “É preciso fazer dessas energias matérias-primas para um mundo melhor”, diz ele nesta entrevista, por telefone, ao NEW MAG.

Hoje se fala muito sobre etarismo e você completa 55 anos neste sábado. O passar do tempo te assusta?

Não. Adoro a idade que tenho. Sempre gostei de cada idade que tive. Eu tenho um acordo com o agora. Quando eu morrer, para mim será  ainda agora (risos). Vivo muito para o aqui e o agora e isso é algo sobre o qual o budismo fala muito. Sou ateu, mas simpatizo com essa questão de o budismo chamar nossa atenção para a importância do aqui e do agora. Claro que vai chegar o momento em que a idade pode me afligir, mas eu tenho esse propósito de viver os vários ágoras com alegria.

O nome do novo trabalho é “Beleza e medo”. Ao longo da carreira, você nos brindou com várias belezas… Onde o medo entra na sua vida?

Essa é fácil de responder. Foi em 2018, quando teve o golpe contra a Dilma e o Temer começou a vampirizar a política, culminando nesse inferno que vivemos hoje no Brasil, onde somos governados por um facínora, um verme. O álbum  iria se chamar “Que beleza, a beleza”, faixa que abre o disco, e o medo foi chegando aos poucos. Pedi uma letra à Zélia (Duncan) que me mandou o “Medo do medo”. Depois, o (Carlos) Renó chegou com “Nenhum direito a menos” e o conceito do trabalho foi mudando porque a beleza e o medo se complementam. Não fosse a Beleza, não teríamos medo de perdê-la. É  preciso transformar os medos, fazer dessas energias matérias-primas para um mundo melhor.

Teu filho, Tom Karabachian, segue teus passos nas artes. Ele tem um trabalho musical e está no espetáculo em homenagem ao Clube da Esquina, que acabou de estrear. Como você reagiu quando viu que a música era um caminho sem volta para ele?

O Tom começou a tocar quando tinha uns 12 anos, mais ou mesmo a mesma idade em que eu comecei a tocar. Ensinei para ele alguns acordes, mas teve um momento em que ele voltou da escola sabendo outros tantos, que aprendeu com amigos, e tocando melhor. Acho natural que ele siga esse caminho, até mesmo por influência da Naná (Karabachian, mãe de Tom). Eu sou mais solitário, e a Naná, mais agregadora. Ela promove saraus na casa dela, onde ele passa mais tempo, e convive desde sempre com artistas. Fora o fato de ele ter acompanhado muitos dos meus shows desde pequeno. Hoje, é ele quem me apresenta as novidades. A (banda) Bala Desejo e o Tim Bernardes quem me apresentou foi ele.

E já que estamos falando sobre novas gerações, a direção musical do show é do Rodrigo Suricato. Como se deu essa aproximação entre vocês?

Tive um músico que precisou se afastar do trabalho quando se tornou pai e foi ele quem trouxe o Rodrigo. “Vou te apresentar o melhor guitarrista da minha geração”, ele disse. E, de fato, o Rodrigo me surpreendeu e transformou o show, deixando todos apaixonados por ele. Foi a única vez em que eu troquei um músico na minha banda porque todas as outras trocas aconteceram em razão de eles precisarem sair. O Rodrigo é um dos melhores músicos da atualidade e se mostrou um excelente diretor musical.  Para você ter uma ideia, quando fiz o disco com o Fito (Paez), convidei ele para gravar três faixas e acabou que ele tocou em 14 (risos)! Num dado momento, o Fito se ajoelhou diante dele. Eu devia ter feito essa foto.

Já que você falou do Fito, que é argentino, você também se aproximou do Jorge Drexler, que é uruguaio. O interesse pela música pop da América Latina sempre te acompanhou?

Durante muito tempo, fui aquele brasileiro comum, que acompanhava o que era feito por aqui, nos EUA e na Europa, em especial na Inglaterra. Até que um dia ganhei um CD do Drexler, o que tinha “La edad del cielo”. Foi a primeira vez em que ouvi uma música em espanhol e que entendi tudo o que era cantado, sem precisar buscar nenhum significado. E a versão foi feita imediatamente.

E foi gravada lindamente pela Simone e pela Zélia Duncan…

Sim. Acabei conseguindo contato com o Drexler através do (compositor) Vitor Ramil e escrevi falando do impacto que a canção dele provocou.  Ele me respondeu dizendo que faria uma escala no Rio e eu disse: “desce” (risos). Ele acabou ficando aqui em casa e pude apresentá-lo a vários outros músicos. Através dele, fui a Montevidéu, onde nos apresentamos no Teatro Solis e também à Argentina, onde cantamos no Gran Rex. O Jorge me apresentou ao (cantor argentino) Kevin Johansen e pudemos, os três, realizar alguns shows juntos. A imprensa nos chamava de MercoSul Musical por envolver Brasil, Uruguai e Argentina (risos).

Ainda sobre gerações, ‘Saudade”, parceria sua com Chico César, foi gravada por Maria Bethânia. Qual a importância disso para um artista da sua geração?

Todo artista que se dedica a compor tem esse sonho de ser gravado por um grande nome. Na adolescência, eu e meus irmãos tínhamos gostos variados e cresci ouvindo de tudo: Caetano, Gil, Chico, Elis, Fagner, Belchior… Então, ser gravado pela Bethânia é uma honra da mesma forma que ter sido gravado pela Elba (Ramalho, que gravou “Relampiando”) e pela Marina (“Admito que perdi”). Como também foi importante ser gravado por gerações mais recentes como Mart’nália e Maria Rita. Ser acolhido por essas vozes é a melhor coisa que existe.

Você surgiu na cena musical na década de 1980, no Inimigos do Rei, que tinha também uma proposta teatral e gaiata. Na década seguinte, você firmou seu nome ao lado de nomes como Lenine, Chico César e Zélia Duncan. Como foi essa transição para você?

Ela aconteceu de forma natural. Conheci os integrantes do Inimigos (Luiz Nicolau e Luiz Guilherme Lourival Franco) na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras). Gostávamos das músicas do “Farra da Terra” (cuja trilha era composta por Péricles Cavalcanti e Hamilton Vaz Pereira) e ficávamos, na escada, cantando e também fazendo imitações e contando piadas. Da CAL, fomos para o (grupo vocal) Garganta Profunda, e o Inimigos surgiu como um subgrupo. Gravamos uma fita com o Sérgio Dias, que chegou à CBS e tudo aconteceu de forma muito rápida. Recebemos Papai Noel no Maracanã, fizemos Rock in Rio e comecei a ver que o que eu queria era fazer uma carreira na música. Saí do grupo e busquei outras artes como a Literatura e a Filosofia que ajudaram a abrir a minha cabeça. A experiência com o Inimigos me livrou da necessidade de ter de fazer sucesso e isso foi muito libertador para mim. E continuo uma pessoa bem-humorada (risos).

Crédito da imagem: Miriam Roia

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