‘Tenho o privilégio de fazer parte da memória afetiva de muita gente’

maio 15, 2022

Lucinha Lins fala sobre amadurecer, do casamento com Claudio Tovar e do tempo em que trabalhou com os Trapalhões e com Walter Avancini

Lucinha Lins estava recém-casada com o ator e bailarino Claudio Tovar quando decidiram juntar-se também no palco. O resultado foi o show “Sempre, sempre mais” (título do seu LP de estreia), aplaudido por mais de 100 mil pessoas em sete capitais no ano de 1983. Algumas pessoas assistiram mais de uma vez. Uma delas foi o então diretor de TV Walter Avancini (1935-2001), que viu na cantora a atriz que ela poderia ser. Pelas mãos do diretor, Lucinha estreou na TV em 1984, na minissérie “Rabo de saia” e encarou, no ano seguinte, sua primeira novela, “Roque Santeiro”. Desde então, a atriz e a cantora conciliam seus ofícios e, não raro, juntam-se num mesmo projeto. Lucinha tornou-se uma atriz respeitada, mostrando que Avancini de fato não se enganava. Aos 69 anos, ela volta ao palco, seu habitat natural, na peça “As meninas velhas”, escrita por Tovar, seu companheiro há 39 anos. No espetáculo, atualmente em cartaz no Teatro Itália, em São Paulo, ela vive uma atriz que não sabe da própria mediocridade artística – e da qual Lucinha está longe. Ela nada tem de medíocre, como mostra nesse bate-papo, por telefone, com NEW MAG.

Você é uma mulher linda, que já foi considerada símbolo sexual e que, no ano que vem, completa 70 anos.  Amadurecer foi doloroso ou tranquilo?

A vida é feita de um dia após o outro e envelhecer faz parte. Lembro que quando tinha 30 anos, as pessoas me perguntavam como me sentia naquela idade e achava isso engraçado.  Ano que vem, terei de responder como me sinto aos 70… Crises? Elas não aconteceram. Agora, a menopausa, sim, significou uma mudança de paradigma. Envelhecer faz parte de um processo que é absolutamente natural. Hoje, olho para minha pele, vejo as manchas que ela tem, e encaro essas transformações de forma serena. Não subo mais em árvore quando brinco com meus netos, mas tudo bem.

E como vê a necessidade que algumas mulheres têm de se submeterem a processos e intervenções estéticas?

A busca pela juventude pode ser muito neurótica. Não sou contra a mulher se submeter a alguma intervenção, mas isso precisa ser feito de forma consciente, com um profissional sério e ilibado. O que me assusta é ver mulheres jovens, de 30, 40 anos, já interferindo nos efeitos do tempo. Como essas mulheres vão estar aos 60 anos? Essa busca por se manter jovem pode trazer resultados terríveis. Quem começa cedo, não para e vai se transformando cada vez mais. Acho que a mulher deveria se submeter a esses procedimentos depois dos 40. Antes, pode ser perigoso. Corre-se o risco de a juventude abusar da própria juventude.

Você vive um longo casamento com um artista que integrou os Dzi-Croquettes, um grupo libertário e revolucionário. Qual o principal pilar da parceria entre vocês?

Os pilares são respeito, admiração, sinceridade, amizade e amor. É claro que, nesses 39 anos de convivência, já quis jogar o Tovar pela janela e ele a mim. Afinal, como diz aquele ditado, só não tem problemas quem não os conta. O que um vale para o outro é muito maior do que qualquer momento difícil pelo qual tenhamos passado. A nossa relação perdura porque nela não há espaço para o rancor. Tudo se resolve com diálogo e franqueza, olho no olho, e o que precisou foi resolvido. Nada como o dia de hoje.

E como você vê essa caretice que pauta o pensamento de muitos brasileiros hoje?

O Brasil tá tão chato! O país precisa de uns Dzi Croquettes versão século XXI para balançar com os valores de certas pessoas. Essa coisa do politicamente correto é muito estranha. Agora precisamos atentar para o que se deve e para o que não se deve falar… Preciso agora escolher as palavras, palavras que uso há 69 anos! Esse julgamento que é feito das pessoas é um porre!

Mas você não acha que avançamos no trato com o outro?

Acho que o contexto do que é dito pode ser muito mais ofensivo do que o uso dessa ou daquela palavra. Quando meus filhos eram pequenos, eu me referia a eles como meus macaquinhos. Hoje, eu seria tachada de maluca! Tenho uma filha de criação que é negra (Luciana) e conversamos abertamente sobre tudo. Dia desses, falamos sobre a palavra mulata não ser mais usada, por derivar de mula. Mas e as mulatas do (Osvaldo) Sargentelli, que eram lindas? E as mulatas do Lan (cartunista), que tanto valorizava a mulher negra? Soube esses dias que não se pode mais usar a palavra anão. Para mim, você dizer que alguém é, por ter uma deficiência, impossibilitado de realizar uma determinada coisa é muito mais ofensivo do que usar certas palavras. Ainda mais quando essas palavras estão dentro de um determinado contexto e, levando-se em conta o tom da voz, não têm o propósito de ofender ninguém.

Você estreou na TV sendo dirigida pelo Walter Avancini, que tinha o cuidado de dirigir também os atores e não somente a cena. Qual a lembrança mais marcante desse convívio?

O Avancini foi uma grande mola mestra na minha vida. Ele chegou num momento crucial. Tovar tinha saído dos Dzi-Croquettes e eu, de um casamento (com o compositor Ivan Lins), e queríamos fazer algo diferente. Criamos o show “Sempre, sempre mais”, que foi o sucesso daquele verão. O Avancini foi assistir várias vezes e, numa delas, ele me disse que queria trabalhar comigo. Disse que não era atriz, e ele, que não se enganava, que eu era uma mulher com uma gana incomum. “Você tem um olhar que eu gosto”, ele argumentou. E se você estiver enganado?,perguntei, no que ele  foi taxativo: “Não costumo me enganar. Aliás, nunca me enganei. Se estiver enganado, mato sua personagem e você some da minha série” (risos).

E, assim, você estreou na minissérie “Rabo de saia”…

Aprendi com ele o que não aprenderia em anos de cursos. Ele despertou em mim a consciência para interpretar e isso me transformou na atriz que sou. Foi feito um livro sobre ele, com depoimentos de vários atores e todos os depoimentos se encontram num ponto: no quão importante era o olhar do ator para ele. Com ele aprendi a trabalhar o meu olhar. Aprendi a olhar, vendo; a ouvir escutando de fato o outro.

E depois você fez “Roque Santeiro”, sua primeira novela, e seguiu na carreira. Vocês continuaram amigos?

Uns dois, três dias depois de “Roque Santeiro” estrear, ele me telefonou dizendo que o caminho era aquele, que era para eu manter aquela construção, aquele olhar e atentar mais para a timidez da personagem (Mocinha). Anos mais tarde, nos reencontramos no estacionamento de um supermercado. Ele já estava doente e bem debilitado. Ao me ver, ele me saudou com um “Loura!” e perguntou se já havia dito que me amava. Respondi que não e ele então disse: “eu te amo”. Poucos dias depois, ele morreu.

Antes de estrear na TV, você trabalhou com os Trapalhões no longa “Os saltimbancos trapalhões”. Como foi esse convívio?

Foi um encanto. O Mussum (Antônio Carlos Bernardes Gomes) eu já conhecia por causa da música (ele integrou os Originais do Samba); o Dedé (Santana) era aquela pessoa para encher de beijos; o Renato (Aragão), um moleque travesso, e fiquei apaixonada pelo Zacarias (Mario Faccio Gonçalves), de quem me aproximei mais. Conversávamos muito e ele era interessantíssimo. O Renato, para você ter uma ideia, era proibido de entrar no set quando não estivesse filmando. Tudo porque ele aprontava. Uma vez, entrou escondido, acendeu um barbantinho cheiroso, e os atores lá, trabalhando, e tendo de suportar aquele cheiro. Eles aprontavam muito. Agora, vamos combinar que só fui chamada para viver a Karina por ser bonitinha. Nem sabia andar direito em cena…

Mas a canção “História de uma gata” ficou muito associada a você. E isso perdura até hoje, não?

Tenho o privilégio de fazer parte da memória afetiva de muita gente. Dia desses, cantei num congresso de médicos. Finda a apresentação, pediram “História de uma gata”. Cantei e todos aqueles adultos cantaram comigo. Pareciam crianças! Ao me despedir, mandei um “Boa noite, crianças” (risos)! Quando busco os netos no colégio, alguns pais me abordam e dizem para os filhos que fui a fada da infância deles. Alguns já disseram, inclusive, que foram apaixonados por mim. Quando trabalhei, lá atrás, com crianças, não imaginava que iria colaborar na formação de todas essas pessoas e isso não tem preço. Fiz coisas muito bonitas e de uma forma amorosa.

Por fim, parafraseando a canção, quem mais sabe de você ainda é o espelho do teu camarim?

Sempre! E sempre será.

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