por Rodrigo Fonseca*
ASCONA (Suíça) – Celebridade alguma que o Festival de Locarno tenha programado para a reta final de sua 76ª edição – a ser encerrada no próximo sábado (12), com direito a palestra de Cate Blanchett – receberá tapete vermelho tão aveludado quanto o que aguarda o inglês Ken Loach . Aos 87 anos, o ganhador de duas Palmas de Ouro de Cannes (por “Ventos da liberdade”, em 2006; e por “Eu, Daniel Blake”, em 2016) já está na cidade suíça e se prepara para uma sessão de gala de seu mais recente longa-metragem, “The old oak”, em telas helvéticas.
– É sempre importante ouvir o que Marx tem a dizer – afirmou o realizador em entrevista concedida via zoom durante o Festival de Brasília, em 2020. – A certeza de que as lutas de classes ainda movem o mundo precisa ser preservada em nosso olhar, como um modo de desconfiar das práticas de silenciamento de direitos. Essa premissa, que ele segue a imprimir a cada filme, é a alma de sua mais recente produção, laureada com a menção honrosa do júri ecumênico da Croisette, em maio.
– Percebi que cidades da Inglaterra outrora dependentes da extração de minérios ficaram à míngua quando essa atividade foi encerrada e quis me aproximar dessa realidade a fim de investigar os sentimentos que afloram desse esvaziamento – disse Loach em Cannes, na coletiva de imprensa do comovente “The old oak”.
Roteirizado pelo advogado especializado em Direitos Civis Paul Laverty, o longa toma seu título emprestado de um bar numa cidade inglesa, outrora sustentada pela exploração de suas minas – hoje esgotadas. A falência generalizada do local movimenta as vendas de cerveja e de uísque de TJ Bannatyne, o dono daquele boteco, vivido com esplendor por Dave Turner. A escrita fina de Laverty oferece a Turner munição para destilar dor no momento em que seu personagem passa a acolher (e servir) refugiados sírios que se aboletam, dia a dia, naquele lugar assombrado pela xenofobia europeia.
– É um erro dizer que o cinema que eu faço tem uma mirada documental. Sim, ele documenta o mundo em que vivemos, mas o faz sob uma perspectiva ficcional, usando câmera no tripé, com enquadramentos clássicos, a fim de contar histórias da classe trabalhadora. Nessas vidas, as contradições do Capitalismo revelam o abuso da dignidade humana. O antagonista é o sistema capitalista – explicou Loach em Cannes.
Sua produtora, a Sixteen Films, é um tesouro vivo em imagens de arquivo, diante de tudo o que o realizador registrou em seis décadas de audiovisual, uma vez que estreou na TV em 1964. Já nos primeiros filmes – “Up the junction” (1965), “Kes” (1969), “The rank and file” (1971) e “The price of coal” (1972) -, Loach desenhou o caminho que vem seguindo, com enorme sucesso.
– Encaro sempre o território como personagem. A cidade são coprotagonistas nos meus filmes, sempre – defende ele nos vídeos de seu canal no YouTube, que pode ser acessado via https://www.youtube.com/user/KenLoachFilms.
*Enviado especial ao Festival de Locarno