‘Talento tem de ser o pilar para uma escalação’

julho 19, 2024

Lucio Mauro Filho brilha no teatro e fala da parceria com Bruno Mazzeo, da dor pela perda da mãe e elogia o profissionalismo de Marcos Mion

O Brasil é sectário a artistas polivalentes. A saída então é perseverar e seguir adiante. É o que fez Lucio Mauro Filho. Ele seguiu os passos do pai, o inesquecível Lucio Mauro (1927-2019), tornado-se um ator com dicção e características próprias. E foi além: firmou-se como músico numa trajetória onde há espaço ainda para a criação de roteiros e musicais. Pois Lúcio está de volta aos palcos e na companhia de um companheiro de geração tão talentoso e polivalente quanto ele: Bruno Mazzeo. A tabelinha entre os craques dá-se em “Gostava mais dos pais”, comédia dirigida por Débora Lamm e que prorrogou até 11 de agosto sua temporada no Casa Grande, Zona Sul do Rio de Janeiro. Na estreia em São Paulo, em fevereiro, o baque: Lucio perdeu a mãe, Ray Luíza Barbalho. Os elos afetivos firmados com a equipe foram fundamentais para o ator segurar a barra. “Tenho uma rede de proteção cuja malha é feita de cordas muito fortes”, conta ele ao NEW MAG. Na entrevista, por telefone, Lucinho, como é chamado pelos amigos, fala do luto pela perda da mãe, das lições aprendidas com o pai, destaca a resiliência de Marcos Mion, seu parceiro no “Caldeirão”, e solidariza-se às manifestações contrárias às escalações de elenco pautadas pelo número de seguidores.

Qual a primeira lembrança que você tem do Bruno na tua vida?

Devia ter uns 5 anos e fui ao aniversário de 3 anos dele. Não éramos amigos e, ali, estava no aniversário do filho do melhor amigo do meu pai. Anos mais tarde, ensaiava um espetáculo do Gugu Olimecha (autor e redator de TV, morto em 2014), e o Bruno apareceu para ler o texto com a gente. Fiquei feliz por revê-lo e pensei: “o Bruno está na roda… Que legal!”

Um dos questionamentos da peça é o da obrigatoriedade de se render às novas mídias. Como vê esse movimento entre artistas contrários às escalações pautadas pelo número de seguidores?

Concordo com os meus colegas. Sou de uma geração que estudou teatro, que tem seus mestres nesse ofício… São 35 anos de uma carreira consolidada com muito esforço. O sucesso que experimento hoje vem desse lugar: do estudo e da orientação de grandes mestres. Os seguidores não te ensinam nada e não podem pautar a construção de uma carreira. Eles podem te dar notoriedade, mas o talento tem de ser sempre o pilar principal para uma escalação.

Você perdeu tua mãe na semana da estreia do espetáculo em São Paulo. Com o que foi mais difícil de lidar nessa dualidade entre viver o luto e a de que o show tem de continuar?

Essa dualidade não está restrita ao artista, mas está presente nas vidas de profissionais de variadas áreas. As pessoas falam: “ser artista é diferente”. Não é! A dor pela perda de uma mãe é a mesma em qualquer profissão. Ela se manifesta no corpo e nele deixa suas sequelas. Talvez o artista tenha a sensibilidade de saber até onde pode ir com aquela dor. Fui adiante com a peça porque, ao meu lado, estavam o Bruno e uma equipe que me deu o suporte que precisava. Se fosse com outra equipe, certamente teria pedido para adiarmos a estreia, mas isso não foi necessário. Tenho uma rede de proteção cuja malha é feita de cordas muito fortes. Estar no teatro hoje representa o início de uma cura pautada pelo afeto.

Vivemos a febre dos podcasts e um dos apontamentos do espetáculo é para o despreparo de apresentadores. É possível aliar informação e entretenimento nesse segmento?

Claro que sim. Há muita gente despreparada nesse ramo? Sim, mas também não podemos generalizar e colocar todos no mesmo saco. Há jovens apresentadores dedicados, que surgiram num quartinho e que correram atrás e se aprimoraram. Já fui a vários podcasts, a ponto de os amigos me zoarem por ter virado o maluco dos podcasts, mas essa experiência foi válida. Há em alguns apresentadores uma curiosidade genuína pelo outro, e isso é algo que precisa ser valorizado. Quando o apresentador elabora demais há o risco de medir forças com o entrevistado, e não é esse o propósito numa entrevista.

Falando nisso, conta uma característica do Mion que te impressiona e que a Globo não mostra…

O estudo e o preparo dele. O Mion começou na TV com uma imagem pautada pela zoação e se transformou a partir disso. Essa mudança se deu através de muito estudo. Ele assiste às coisas que fez, anota o que precisa aprimorar e conseguiu, por isso, fazer essa transição entre aquele cara irresponsável e o de hoje, associado à família. O Mion é um apresentador da linhagem de um Fausto Silva. Ele é um cara que senta e estuda, e essa resiliência se reflete no trabalho dele. Adoro pessoas estudiosas.

Você se considera um cara estudioso?

Na minha vida escolar jamais! Fui um estudante safado. Eu era aquele tipo de aluno com mil coisas na cabeça e altamente dispersivo. Já fazendo teatro, veio do Ivan de Albuquerque (ator, diretor e um dos criadores do Teatro Ipanema) a consciência de que era preciso disciplina para decupar um texto e me dedicar à personagem.

Você é humorista, músico e roteirista num país sectário a artistas polivalentes. Já ligou o dane-se em relação a isso?

Já! Demorou, mas liguei. E sabia que levaria um tempo para isso. Minha ligação com a música vem de muito tempo, como a minha relação com o teatro. Eu sabia que ela iria se impor no momento certo. Quando já estava trabalhando como ator, os amigos mais próximos me cobravam: e a música? Sabia que as críticas não seriam leves e, por isso, precisei de um tempo. O tapa chegaria e não seria leve.,.  Então, precisava estar com a couraça bem grossa.

Pensa em escrever um novo musical a exemplo do que fez com os Novos Baianos?

Penso e há já duas ideias em curso. Foi muito gostosa aquela experiência, e esse é agora um caminho sem volta. E, como tenho essa ligação forte com a música, natural que meu primeiro musical fosse sobre um grupo de música. Quando comentei sobre essa vontade com o Otávio Müller ele perguntou: “Sobre qual movimento musical você quer escrever?” E a ideia de falar dos Novos Baianos prevaleceu.

Qual ensinamento aprendido com teu pai você leva consigo a cada novo trabalho?

O respeito aos colegas e aos parceiros de trabalho. No teatro, você vai lidar com o técnico de som, com o operador da luz e, no estúdios, com o câmera, com o cara do cabo e todos esses profissionais são importantes. Não se faz um monólogo sozinho. Alguém vai precisas abrir o teatro para você entrar nele.

Como o Lucio chega aos 50 anos, cabreiro ou orgulhoso?

Chego aos 50 orgulhoso e tenho de estar! Realizo as coisas que quero, trabalho com pessoas bacanas e sou um profissional querido pelos colegas. Amo o ser humano! Se você vasculhar minhas redes sociais, verá que tenho uma caralhada de amigos! Sou interessado pelo outro, e essa característica me define. Sou grato a Deus pela oportunidade de conhecer pessoas diferentes através do meu trabalho. A gente se aproxima de uma idade redonda e, com isso, surgem vários questionamentos. Um deles é: será que valeu a pena? Claro que sim!

Crédito da imagem: Pedro Miceli

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