Sons de um craque

janeiro 26, 2025

Chico César celebra 30 anos de seu primeiro álbum em show que reitera sua grandeza artística

Reza a canção que, “quando não tinha nada”, ele veio. Munido de genuíno talento, criou asas e voou. E chegou ao panteão onde estão nossos grandes compositores. Chico César deu provas cabais disso na noite do último sábado (25), quando, à frente da meninada da Nova Orquestra, subiu ao palco do Circo Voador, no Rio de Janeiro, para celebrar as três décadas de “Aos vivos”, seu CD de estreia lançado originalmente pela hoje extinta Velas.

O advento do CD e seu maior número de faixas levaram artistas a pecar por excesso. No caso de um estreante, era natural que o ecletismo permeasse a obra levando cantores a atirarem em diferentes direções. Nenhum desses fantasmas assombra hoje o compositor paraibano radicado em São Paulo. Nenhuma das 15 faixas de “Aos vivos” envelheceu. E isso foi evidenciado no show em que muitos dos temas tiveram suas belezas  engrandecidas pelos arranjos orquestrais,  executados sob a regência de Ludhymila Bruzzi.

Chico seguiu à risca a ordem original do álbum, abrindo a noite com “Beradêro” seguida por aquelas que se tornariam seus principais hits: “Mama África” e “À primeira vista”. Se o artista teve seu timbre comparado ao de Caetano Veloso  em 1995, as influências tropicalistas foram colocadas às claras através do aparato sinfônico.

A supracitada “Mama África”ganhou introdução cuja coda alude à abertura de “Tropicália”, canção-síntese do movimento que teve no maestro Rogério Duprat (1932-2006) um dos seus importantes alicerces. Ecos de “Odara” foram também ouvidos  antes de “Alma não tem cor”, canção de André Abujamra cuja autoria é comumente atribuída a Chico.

Influências são inevitáveis e legítimas. E a Nova Orquestra foi peça-chave para evidenciar ainda as riquezas líricas e melódicas de canções menos conhecidas (e não menos belas) do álbum-aniversariante. Foi assim com as singelas “A rosa púrpura do Caicó”,  “Templo” e “Saharienne”.

A lírica “Mulher eu sei” foi a responsável pela primeira questão da noite. Tudo em razão do verso “Eu sei como pisar o coração de uma mulher”. Diante do “Não!” ouvido de uma fã na fila do gargarejo, o artista contemporizou:

–  Estou dizendo que eu sei como pisar o coração de uma mulher e não que eu vou pisar.

O cantor e compositor em cena

O episódio levou o cantor a resgatar uma contenda ocorrida lá nos primórdios. Numa entrevista a uma rádio, Chico ouviu de uma ouvinte a reprimenda: “Além de imitar Caetano Veloso, esse cantor ofende as mulheres”.

–  Precisei dizer para ela que ouvisse os versos de trás para frente, chamando atenção para as figuras de linguagem como em “pés descalços sem pele” – lembrou o artista criticando em seguida a beligerância e a sede por cancelamentos nesses tempos de hiperconectividade: – E olha que isso se deu lá atrás. Não foi agora quando as pessoas não entendem nem mais um simples desenho.

Se havia alguma dúvida quanto ao tom feminista da canção, ela foi dissipada com Chico colocando a macharada para cantar o refrão em coro. Em seguida, outra questão, desta vez envolvendo “Paraíba”, clássico de Luiz Gonzaga (1912-1989) e Humberto Teixeira (1915-1979).

Os versos “Paraíba masculina\ Mulher macho, sim senhor” são cantados agora como “Paraíba feminina\ Mulher massa, sim senhor”. E o Circo entrou na onda cantando a plenos pulmões.

O tempo passa e releituras podem ser de fato necessárias. Um fato é inconteste: o tempo só fez bem a Chico Cesar. O compositor chega aos 61 anos (neste domingo, 26) mostrando um cancioneiro tão genuíno quanto o artista que ele é. São sons de sins. Sons de Chico César.

Texto e imagens: Christovam de Chevalier

Chico César à frente da moçada da Nova Orquestra

 

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