Rota aberta ao prazer

agosto 7, 2024

Marina Lima revisita sua trajetória em nova turnê na qual reitera influências e o estilo que a faz única na cena pop

“Ai, a solidão vai acabar comigo”… O verso de “Solidão”, samba-canção de Dolores Duran (1930-1959) regravado com balanço soul por Marina Lima no seu LP de estreia, “Simples como o fogo” (1979),  é ouvido logo no início de “Rota 69”, turnê com que a artista viajará o país para celebrar os 69 anos que completa em setembro. E o trecho ouvido deixa claro que Marina está disposta a nos levar com ela por uma viagem no tempo, mais exatamente por sua discografia – a mais rica dentre os artistas surgidos na cena pop brasileira dos anos 1980. E foi o que Marina mostrou no show de estreia, apresentado na noite da última terça-feira (06), num Teatro I Love Prio abarrotado de fãs, amigos e familiares como a atriz Patrícia Pillar e o cantor e compositor Moreno Veloso, ambos primos da artista.

Se a turnê anterior, “Nas ondas da Marina”, tinha caráter festivo, com roteiro fortemente pautado por sucessos, com o show de agora, concebido em parceria com o diretor Candé Salles, a artista abre ainda mais seu leque de possibilidades. Da supracitada “Solidão”, o rádio que vemos no telão passeia por outras ondas sonoras, mostrando que “os sonhos de quem ama\ não cabem só na cama”. E Marina reacende focos da própria trajetória para, a partir deles, botar simplesmente fogo no parque – e no palco.

A proposta é a de fazer um inventário afetivo. E o mais legal: sem saudosismo.  E neste caleidoscópio vale colar “os tais caquinhos” de vida. As canções podem ser apresentadas na íntegra ou como fragmentos (caso de “Quem é esse rapaz”, usada para homenagear o irmão-poeta, Antonio Cícero) ou mesmo como vinhetas, como em “O lado quente do ser”. No caso desta, que tem apenas a primeira estrofe cantada (encerrando-se com o verso “Eu já quis ser bailarina”), o tema é usado para saudar mulheres que abriram caminho a ela, caso da mãe, Amélia Correia Lima, e de Maria Bethânia, primeiro nome da MPB a gravar uma canção de Marina e Cícero (“Canção da alma caiada”, censurada do LP “Pássaro proibido” por trazer o verso “Eu não me enquadro na lei”).

Até porque Marina é uma mulher que dita as próprias leis. E às vinhetas e fragmentos misturam-se trechos de poemas como os de Jorge Salomão (1946-2020) , resgatados do LP “Próxima parada” (1989), ou os de Cícero em “Guardar” (do CD “O chamado”). É deste trabalho que Marina traz  uma das mais pungentes surpresas do show:  It’s not enough, parceria com Pat McDonald e Reed Vertelney. Outra surpresa é “Lunch”, da safra de Billie Elish, que prepara o terreno para “Mesmo que seja eu”, de Roberto e Erasmo.

Já na década oitentista, o primeiro arrebatamento do show se dá com “Me chama”, de Lobão. Sim, os sucessos fazem-se presentes e não poderia ser diferente em se tratando de Marina. E o público canta junto hits radiofônicos como “Virgem”, “Preciso dizer eu te amo”, “Pessoa”, “Beija-flor”, “Pra começar”e “À francesa”, entre outros.

A artista inclui ainda no seu relicário afetivo referências a companheiros de geração, como Lulu Santos, que tem trecho de sua gravação de “Fullgás” ouvida no tal rádio supracitado – e pelo qual o roteiro passeia. Mestres como Caetano Veloso e Moraes Moreira (1947-2020) são reverenciados. Do primeiro, um trecho do clipe de “Nosso estranho amor” é visto no telão. E, no caso de Moraes”, sua “Bloco do prazer” é tocada de forma instrumental num duo pungente entre as guitarras de Marina e Gustavo Corsi, escudeiro fiel a quem a cantora disse ter sido apresentada num show de Fausto Fawcett.

E, assim, Marina junta seus retalhos sonoros numa colcha cuja serventia é a de fazer calor. Afinal,  esse querer é o que (nos) ilumina. E ela acende o crepúsculo, o Hotel Marina e provoca, assim, um incêndio de grandes proporções. E, no lugar de calamidade, o estado é o de euforia, numa apoteose que só Marina Lima é capaz de proporcionar.

Marina canta “O lado quente do ser” e homenageia a mãe, Amélia Correia Lima

 

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